quinta-feira, 6 de junho de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo
Omissões ancestrais
Não fosse o fato de ter resultado na trágica morte de um índio terena, poderia ser descrita como comédia de erros a intervenção do governo federal na crise indígena. O que antes era simples omissão --velha de décadas-- se converteu em ação das mais desastradas.
No momento em que se agravava a tensão entre índios e fazendeiros, em Mato Grosso do Sul, a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil) jogou gasolina no fogo. Não poderia ter eleito ocasião pior para pôr em dúvida o processo de demarcação de terras indígenas pela Funai.
O plano da ministra de paralisar as demarcações e tirar poder do órgão indigenista foi tomado como conclamação à guerra. As invasões recrudesceram. Proprietários de terras passaram a falar abertamente em derramar sangue.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, permitiu sem reagir que a Funai --órgão sob seu controle-- fosse criticada por uma colega de ministério. Fez mais: deixou que a Polícia Federal se apressasse a cumprir ordem de reintegração de posse que resultou na morte do terena Oziel Gabriel.
Nada disso justifica que os invasores rasguem a ordem judicial. Menos ainda que outro ministro --Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência-- dê declarações ambíguas sobre a conveniência de desobedecê-la. É possível e necessário negociar, sobretudo o prazo exíguo (48 horas) determinado pela Justiça, mas sem abalar o preceito basilar de que sentença judicial tem de ser cumprida.
A pressa, no caso, é inimiga da moderação. Cabe lembrar que o processo para demarcar a área em litígio se arrasta há 20 anos, os últimos 13 enrolado em sucessivas e contraditórias decisões judiciais.
Não se deve esquecer, tampouco, que o artigo 231 da Constituição garante aos índios o direito originário a territórios ancestralmente ocupados --embora o prazo constitucional de cinco anos (até 1993) para demarcar todas as terras indígenas seja letra morta.
Suspensa a desocupação, ontem, reabre-se o espaço para buscar uma solução mais racional. Para que não volte a descarrilar, cumpre mantê-la em dois trilhos: mais publicidade aos trabalhos de demarcação da Funai, de modo a convencer o público de que respeitam o princípio do contraditório e não se pautam por viés contra o agronegócio, e indenizar plenamente --pela terra, não só pelas benfeitorias-- os proprietários de fazendas com titulação reconhecida.
Cabe à Presidência da República e ao Supremo Tribunal Federal tomar as rédeas do debate. A omissão e a inabilidade já duram demais.
    EDITORIAIS
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    Trégua cambial
    Recuperação nos EUA e valorização do dólar criam riscos para o Brasil; Fazenda acerta ao suspender barreira para entrada de capitais
    O governo federal tomou a decisão acertada ao eliminar o imposto (IOF) sobre investimentos externos em aplicações de renda fixa.
    O ambiente financeiro internacional mudou, o que se traduz na valorização do dólar diante das principais moedas. O Brasil não enfrenta mais o risco de excesso de entrada de capitais --ao contrário. No curto prazo a medida pode atenuar a desvalorização do real, que dificulta o combate à inflação (pois encarece o produto importado, que concorre com o nacional).
    Há mais a fazer, no entanto. A magnitude e a natureza da mudança ainda são motivo de debate aceso entre financistas, mas haverá turbulências. Recomenda-se pressa na reformulação da política econômica brasileira.
    Parte dos profissionais de mercado acredita que, a partir do final do ano, começaria um recuo na política de relaxamento monetário nos EUA. Com a recuperação americana, seu banco central (Fed) deixaria de despejar dinheiro na economia e os juros subiriam.
    A abundância de capitais originada pelo relaxamento e por juros reais próximos de zero provocou um grande fluxo de dinheiro para países emergentes, por exemplo, o que valorizou suas moedas.
    O abandono de tal política causaria ao menos uma redução dessa torrente: o dinheiro refluiria para investimentos nos EUA, de novo mais rentáveis. A mera expectativa de reversão resultaria na valorização do dólar, como tem ocorrido.
    Uma outra interpretação para a alta duvida de que a recuperação americana seja forte o bastante para levar o Fed a alterar sua política monetária. A presente recuperação do dólar seria, na verdade, sintoma da debilidade econômica.
    Os juros caíram na zona do euro. Alguns países, como o Japão, relaxam suas políticas monetárias. Outros procuram desvalorizar suas moedas a fim de estimular a atividade por meio da exportação. Como contrapartida dessa "guerra cambial", o dólar sobe.
    Seja por um motivo ou por outro, o dólar vinha subindo também no Brasil. Mais preocupante, porém, é a perspectiva de redução do fluxo de capital para países emergentes, alguns com crescente deficit externo, caso brasileiro.
    Neste século, a economia nacional se preparou para resistir a choques externos. Tem grandes reservas internacionais, e o endividamento do governo, apesar dos pesares, está mais controlado.
    Uma redução nos fluxos de capital, contudo, vai dificultar o retorno da economia a um ritmo apreciável de crescimento. Isso torna ainda mais urgente a restauração da austeridade na política macroeconômica, de modo a preparar o país para a turbulência que virá.

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