quinta-feira, 27 de junho de 2013

Marina Colasanti-Correndo da polícia em Paris‏


Marina Colasanti

marinacolasanti.s@gmail.com


Estado de Minas: 27/06/2013 

Posso incluir esta frase no meu passado revolucionário: eu corri da polícia às margens do Sena. Não era maio de 68, mas quase. Era junho de 70, e confrontos ainda aconteciam.

Eu não morava em Paris. Jovem jornalista do Jornal do Brasil, havia acabado de cobrir as férias de Zózimo, atacando de colunista social, quando recebi um convite. Uma companhia de aviação, creio fosse Alitalia, faria um voo inagural da linha Palermo – Roma, e desejava a minha presença.

O que pode uma coluna social! Até então, ninguém além dos amigos havia desejado a minha presença, e eis que só por ter atuado durante 30 dias como interposta pessoa já me tornava quase indispensável numa viagem internacional. Chovia na minha horta, ainda que emprestada.

Comigo estava convidado também Daniel Más, o espanhol mais carioca da imprensa – que posteriormente iria escrever telenovelas –, ele sim, colunista titular, cáustico e respeitado.

Baixamos em Paris, de onde, após um pernoite, voaríamos para Palermo. Avoados ambos, não havíamos reservado hotel. Nem havia quartos de hotel disponíveis naquele momento em que três grandes eventos aconteciam na cidade. Depois de horas sentados nas malas, no escritório central de turismo, nos conseguiram quarto em Clichy, então bairro distante e muito decadente. Não era exatamente um hotel, como verificamos ao chegar, e sim um motel. Mas apesar de movimentado era limpíssimo, e estávamos em Paris.

Em Paris estava também meu amigo-irmão Yllen Kerr, igualmente jornalista. Havia ido oficialmente tentar a carreira de fotógrafo, e extraoficialmente curar um grave mal de amor. Fomos a seu encontro no mínimo hotel em que se hospedava, ao lado da Sorbonne. Lembro-me de que vestia um túnica Saint-Laurent – o primeiro Saint-Laurent a gente nunca esquece – tipo caçador na África, amarrada sobre o peito com cordões cruzados. Pensei fosse sinal de bem-estar, era apenas uma forma de compensar a solidão e o estranhamento.

Despachado Daniel – que queria mesmo ver-se livre de nós dois –, fomos jantar em uma brasserie. Mas as dores de amor se expandem quando nomeadas, e não bastaram bife e batatas para acolhê-las. Nem adiantou a sobremesa. Ele continuava falando do seu sofrer e, paga a conta, saímos andando. Andamos longamente, até que, cansada, me encostei na amurada do Sena, preparando-me para ouvir e aconselhar o amigo noite adentro.

Não foi necessário. Ia ele me repetindo uma vez mais tudo o que eu já sabia, quando sirenes se ouviram ao longe, logo mais próximas, seguidas de ruídos urbanos que também se aproximavam. Abandonando os campos do amor, olhamos na direção dos sons, e vimos gente correndo desabalada pelas calçadas do outro lado e da margem, cruzando a rua, em fuga. Quando gente corre fugindo de sirene, não há o que perguntar, há que correr. E assim fizemos, indo à frente como se líderes, apenas graças à nossa localização topográfica. Até escapar por uma rua lateral.

O resto da viagem foi engraçado, o voo Palermo – Roma mais parecendo ônibus interestadual da roça, cheio de embrulhos e crianças e, se bem me lembro, levando até uma caixa com um animalzinho qualquer. Mas no meu currículo ficou inscrita para sempre a experiência enobrecedora: à frente dos estudantes, eu corri da polícia às margens do Sena. 

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