quinta-feira, 27 de junho de 2013

Pasquale Cipro Neto

folha de são paulo

Quando a ordem das palavras...

Não há quem não conheça uma máxima da matemática que diz que a ordem dos fatores não altera o produto. Moral da história: 4 x 3 = 3 x 4; 123 x 321 = 321 x 123. E por aí vai. Na língua, a coisa é diferente, já que a mudança na ordem dos "fatores" pode alterar de alguma forma o "produto".
Vejamos este caso, que estava na capa de um site de notícias na semana passada: "SP e Rio reduzem tarifa após pressão". Que tal começar a frase com a expressão "após pressão"? Vamos ver como fica: "Após pressão, SP e Rio reduzem tarifa".
Na ordem direta (a que foi adotada no site), pode-se ter a rasa ideia de que a relação da pressão popular com a redução da tarifa é de simples temporalidade: a pressão é anterior à redução, e só. Na verdade, o que se tem aí é muito mais do que isso; o que se tem mesmo é uma relação causal (a pressão foi o fator determinante da redução da tarifa).
Essa relação de causa fica evidente com a inversão da posição da expressão "após pressão". Vamos lá, de novo: "Após pressão, SP e Rio reduzem tarifa". Percebeu, caro leitor?
A esta altura, alguém talvez queira saber de onde surgiu a vírgula posta depois de "pressão" (na ordem direta, não foi empregada a vírgula para isolar a expressão "após pressão". Essa vírgula surgiu justamente da inversão da posição "natural" da expressão adverbial (o fim da frase).
"Mas essa vírgula é obrigatória?", pode alguém perguntar. Bem, a julgar pelo que se vê nos escritos formais, essa vírgula não é obrigatória, já que a expressão adverbial invertida ("após pressão") é formada por apenas dois elementos, mas...
Mas, quando se trata da vírgula ou de outros sinais de pontuação, não se pode ser estrito (nem restrito). Não convém apegar-se apenas à questão meramente gramatical, estrutural etc. É fundamental levar em conta também o aspecto estilístico, ou seja, ao que há de expressivo no emprego de alguns recursos fônicos, sintáticos etc. Sob esse ponto de vista, é mais do que óbvio que, na ordem indireta, a vírgula depois de "pressão" acaba tornando-se obrigatória, para que se enfatize o que a pressão significou para a redução da tarifa.
Vejamos outro caso, também relativo à ordem das palavras. Também estava na capa de um site, também na semana passada: "Uruguai também sofre para treinar em Salvador e é chamado de pé frio". Que entende desse título o caro leitor? Certamente entende que o Uruguai não foi o primeiro dos participantes da Copa da Confederações a sofrer para treinar em Salvador, ou seja, que outro país (além do Uruguai) penou para treinar em terras soteropolitanas.
Como bom macaco velho (e informado das agruras que o Uruguai vivera para treinar no Recife), desconfiei do título e supus que a realidade fosse outra. Depois de ficar no Recife, onde sofreu para conseguir treinar, o Uruguai foi para Salvador, onde também sofreu. Bingo! Fui para o texto e vi que era essa a informação.
Onde está o busílis, ou seja, o xis do problema? Está na posição da palavra "também", que, no título jornalístico, aparece antes de "sofre" ("Uruguai também sofre para treinar..."). Nessa posição, a palavra "também", que nesse indica inclusão, modifica "sofre", ou seja, inclui o Uruguai na lista dos "sofredores".
Que fazer para eliminar o ruído? Basta deslocar a palavra "também" e colocá-la perto da expressão que de fato modifica ("em Salvador"). Vejamos como ficaria isso: "Uruguai sofre para treinar também em Salvador e é chamado de pé frio". Poder-se-ia colocar "também" depois de "em Salvador", mas essa opção certamente não teria a mesma carga enfática da anterior.
Nada de gesso, caro leitor. Mudar a ordem muitas vezes basta para que a frase fique clara e muito mais expressiva. É isso.
pasquale cipro neto
Pasquale Cipro Neto é professor de português desde 1975. Colaborador da Folha desde 1989, é o idealizador e apresentador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de várias obras didáticas e paradidáticas. Escreve às quintas na versão impressa de "Cotidiano".

Um comentário:

  1. Pasquale, sei que você é um renomado professor de português e eu apenas sou um físico. Recentemente você escreveu para a Folha um artigo sobre o uso do termo "presidenta". Por isto lembrei da época de estudante de português e latim no Colégio das Dores em Porto Alegre. Muito tempo faz... Havia uma distinção clara no aprendizado do português entre língua culta e coloquial. É claro para mim, que do ponto de vista coloquial, embora eu esteja muito longe de ser um profissional da área, ainda mais comparado a você, que o termo "presidenta" pode ser utilizado. Há vários livros em que os autores usam o termo "presidenta" sem nenhuma cerimônia. Mas acho também que Carmen Lucia se referia "como estudante que foi" à língua portuguesa em sua forma culta e não em sua forma coloquial. Por isto acho que críticas feitas a ela, como a sua, são absolutamente extemporâneas. Lembro também, como estudante que fui, que substantivos que terminam em "nte", na língua culta, não permitem concordância para "nto" ou "nta". Nós tínhamos que decorar estas terminações e suas desinências de gênero para as provas de português. Se permitissem esta concordância, na língua culta, deveríamos então usar os termos "presidento" e "presidenta" e não presidente. Seria bom ouvir você, um profissional da área, pois o que vemos é muita gente, assim como eu, dando pitacos, embora reafirme estar longe de ser um profissional da área. Carmen Lucia tem sido chamada de "ignoranta" por alguns nas redes sociais. Novamente, em valendo a desinência de gênero que citei, se o termo "ignoranta" estiver correto, então o termo "ignoranto" também estará... Com a palavra você, um especialista da área e não um físico "pitaquento"...mas acho que esta discussão está envolvida em aspectos ideológicos e não em aspectos técnicos. As pessoas escolhem o lado de acordo com sua postura política...abraço

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