segunda-feira, 24 de junho de 2013

Protestos em questão [tendências/debates]

folha de são paulo
TALES AB'SÁBER
TENDÊNCIAS/DEBATES
PROTESTOS EM QUESTÃO
As manifestações e o direito à política
Os elementos eróticos presentes na hegemônica facção pacífica do movimento não deixam dúvida sobre o valor especial da experiência da política
A crise universal da integração capitalista de 2008, produzida pelos ganhos desregulamentados de Wall Street --dos "terroristas" de Wall Street--, que liquidou a vida econômica e degradou a vida social em vários países, disparou outro processo mundial, o da desestabilização por movimentos populares de realidades políticas nacionais.
Em poucos anos, surgiram movimentos de massa, não esperados até o seu acontecimento, em países de capitalismo periférico. No mundo árabe, incluindo o importante Egito, a armada Líbia e a guerra civil síria, apareceram movimentos ambíguos entre a modernização democrática liberal e uma possível islamização.
A mobilização se deu como crítica vital à ordem capitalista avançada na Islândia, na Grécia, na Espanha e na Itália. E, recentemente, em outro quadro de razões, na Turquia.
A partir da conquista social "antibancos", ganha nas ruas da pequena Islândia, países viram movimentos populares de massa buscarem definir diretamente os seus destinos, com esperança progressista.
Na última semana, o Brasil adentrou o processo de retomada da expressão direta da vida cidadã, e a constituição da sua força acrescentou perspectivas ao sentido mais amplo, mundial, do movimento.
O processo do levante pacífico brasileiro, a espetacular progressão geométrica das manifestações a partir de um pequeno núcleo de militância direta, foi disparado a partir das condições econômicas de certo impasse do presente, da crise generalizada de confiança na política do país e da percepção, que vai se tornando clara, de que os grandes jogos da corrupção brasileira, que atravessam inteiramente a política democrática formal, se dão em detrimento da melhoria de aspectos simplesmente necessários à vida.
O movimento se deu em dois atos: o da manifestação precisa contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo, de um sistema de serviço público vital, ultrapassado e degradante. E o da expansão da crítica à ação arcaica da polícia paulista, com sua violência desproporcional e generalizada, carregada de ilegalidades inaceitáveis em uma democracia verdadeira.
A primeira e muito importante derrota que o governo sofreu foi a da deslegitimação ampla desse modo de utilizar a polícia, ainda radicado nos processos de exceção que o corpo militar conheceu no Brasil.
O impacto social dos meios de comunicação, da telefonia celular e da internet --a mensagem do meio, como diz McLuhan-- participou da facilidade de convocação, velocidade, deslocamento, informação, publicação e até espetacularização, produzindo uma organização flexível para a nova política, das múltiplas manifestações que se integraram em um maior Movimento das Manifestações, de massas, brasileiro.
Os resultados, promissores para a renovação da vida, não estão restritos aos ganhos imediatos a respeito da violência ilegítima da polícia e dos preços do transporte público. A maior conquista é o descongelamento do direito humano à política. Os elementos eróticos claramente presentes na hegemônica facção pacífica do movimento não deixam dúvida sobre o valor especial da experiência da política, quando trazida ao mundo da vida.
Em termos históricos mais amplos, o que se anuncia nas ruas é o esgotamento do período de hegemonia do pacto social realizado pela política de Lula, incluindo aí o seu corpo, centrado na inclusão pelo consumo de superfície.
Uma nova ordem crítica da política oficial, e sua distância da vida, e uma inédita contestação de massa à "corrupção do espetáculo" --visando os gastos antissociais da Copa do Mundo no Brasil-- são também importantes avanços simbólicos, novas marcas políticas investidas, que o movimento produziu.
São três os principais significantes que emergem da prática política coletiva: "sem partidos" --o que também quer dizer sem o PT--, "sem violência" e, ao redor do processo, "ninguém está entendendo nada". Em conjunto com o prazer do reconhecimento de um nível alto de "esclarecimento das massas" no Brasil e da retomada do valor social da solidariedade. Vinte centavos fazem, sim, toda a diferença.
WOLFGANG LEO MAAR
TENDÊNCIAS/DEBATES
PROTESTOS EM QUESTÃO
O que há de novo nas ruas
A novidade é a visão conservadora despertada para a mobilização popular. Os interesses populares continuam distantes das ruas
O que importa não são as velhas coisas boas de sempre, mas as coisas novas e ruins, dizia Bertolt Brecht conforme nos lembra Walter Benjamin. Pois bem: há uma coisa nova na realidade brasileira; mas é uma coisa nova e ruim, perigosa.
A novidade não é a mobilização popular --essa é uma dessas coisas "boas de sempre", não é uma novidade, e, embora equivocadamente fora da prioridade política de quem deveria priorizá-la (o PT, por exemplo) continuou ocorrendo, ainda que reduzida, por meio de movimentos sociais e sindicatos.
A novidade é a visão conservadora despertada para a mobilização popular. Os interesses populares permanecem bastante distantes das ruas. É ingênuo afirmar que "a direita é contrária à mobilização popular", quem vai à rua é a esquerda.
Como questionamento, basta, é claro, lembrarmos do fascismo e do nazismo, mobilizações populares que começaram exatamente assim, como lembrava meu pai, que saiu da Alemanha de Weimar.
Mas não precisamos recuar tanto: com os atentados do 11 de setembro de 2001, os EUA foram mobilizados para um ambiente de autoritarismo e violência que gerou a segunda eleição de Bush e as guerras do Iraque e do Afeganistão. Hoje basta haver um pequeníssimo acento popular em uma medida governamental para que se erga a mobilização autoritária --vide atentados de Boston--, que só favorece as soluções não políticas, sustentadas na violência e repressão. Sempre colhem algo os pescadores de águas turvas...
A mobilização popular mudou de um dia para outro: após ser "produzida" por comentaristas antes contrários, passou a ser acompanhada por ativistas de direita, que reforçaram a apresentação de vandalismos --que foram reais-- para que assim se possam gerar condições para desenvolver um ambiente favorável à repressão e à violência, contrário a partidos, sindicatos e instituições e às suas incipientes mas existentes práticas democráticas. É assim que a direita cria condições para que sua "política" se torne "inevitável"...
Obviamente, não se trata de criticar as mobilizações populares. Ao contrário, elas são uma inflexão a ser apreendida como parte de uma construção de forças em direção a transformações necessárias. Nesse sentido, os eventos despertaram aqueles que, no governo, deixaram de lado a via da mobilização para privilegiar a elaboração de maiorias a partir de negociações de cúpula.
Afinal, essa política calculista não deu certo. Porém, a questão não reside simplesmente em lembrar, como faz um comentarista, que a tarifa zero foi outrora uma bandeira partidária. O que importa é o contrário disso: por que essa reivindicação foi abandonada? Porque não se conseguiram condições para implementá-la! Esse é o principal problema do esquerdismo: pensar a política abstraindo de suas condições.
Marx já ensinara que "a anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco", e não vice-versa. Ou seja: é preciso atentar às condições em que se gera a realidade, em vez de meramente enunciar políticas, que não são utópicas "" essas são bem-vindas, pois embora seu lugar não exista agora, o é potencialmente-- mas atópicas. Não se referem a ideias fora do lugar, mas a ideias sem lugar na história passada, presente ou futura.

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