quarta-feira, 10 de julho de 2013

Matias Spektor

folha de são paulo
Portas abertas?
Foro que institucionaliza participação da sociedade na formulação da política externa terá empecilhos
Antonio Patriota propõe um foro para institucionalizar o diálogo entre sociedade civil e Itamaraty, que terá duas reuniões por ano, quiçá mais.
A diplomacia profissional já consulta a sociedade civil em negociações multilaterais sobre racismo, ambiente, direitos humanos e desenvolvimento sustentável. Agora, a prática se generaliza, vira permanente e ganha status na burocracia.
A iniciativa chega em boa hora para um partido governista que, originalmente ancorado em movimentos sociais, perdeu o pulso das ruas.
Se vai funcionar, só o tempo dirá. O ministro vai enfrentar empecilhos.
O Itamaraty está acostumado a interpretar e articular os diferentes interesses da sociedade seguindo um modelo intramuros.
Para muitos, isso não é um problema porque a política externa seria a síntese perfeita de nossa comunidade nacional. "A gente ausculta a sociedade", disse um diplomata. Falava sem ironia.
Incorporar a sociedade civil à formulação de política externa é difícil para qualquer país. Afinal, boa parte do trabalho diplomático precisa acontecer em segredo, longe dos holofotes.
Por isso, existe o risco de o novo foro ser esvaziado. O ministro será tentado a usar sua criatura para informar e convencer a sociedade, não para consultá-la e ajustar o que precisa ser ajustado.
Solene, esse espaço formal poderá ficar engessado. Em vez de alargar o leque de vozes que efetivamente contribuem para a concepção brasileira de política externa, poderá burocratizar o debate.
Aliás, essa dinâmica tem longo pedigree na história nacional. Coopta-se a sociedade pelo topo, consagrando o Estado como instância de deliberação de uma cidadania tutelada. Absorve-se a voz de movimentos sociais, sindicatos e associações à sombra de um Estado que estabelece a pauta e, assim, disciplina a conversa pública.
Isso dito, a iniciativa merece o benefício da dúvida. Se a sociedade aproveitar a oportunidade para travar suas lutas, e se o Itamaraty souber tirar vantagens da energia ali gerada, então teremos algo de realmente novo na cena diplomática.
Seria muito saudável. Com raras exceções, a sociedade civil organizada tende a ignorar que política externa é uma política pública como qualquer outra: suas medidas afetam a vida cotidiana de todos, e quem paga a conta é o cidadão.
A genuína irritação das autoridades brasileiras com o escândalo da espionagem é plenamente justificada. Com autoria dos Estados Unidos, as violações têm veneno adicional.
Só que é bom lembrar de algumas verdades. A espionagem é mais velha que a própria diplomacia e sua versão contemporânea não é prerrogativa americana. China, França e Israel, por exemplo, têm fatias gordas do mercado.
Por se tratar de um mercado, a lógica da espionagem é a competição. Quem fica parado, fica para atrás.
Então, por que segue engavetada a Política Nacional de Inteligência? E cadê o comitê público-privado sem o qual será impossível reverter nossa insegurança cibernética?

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