quarta-feira, 10 de julho de 2013

Ruth Cardoso: contemporânea - Celso Lafer e Regina Siqueira -Tendências/Debates

folha de são paulo

Ruth Cardoso: contemporânea
Manuel Castells relata que, em 2002, Ruth soltara uma frase profética, mas, para alguns, herética: "O povo desunido jamais será vencido"
Os protestos que hoje acontecem nas ruas do Brasil, caracterizados pela falta de liderança política e apartidarismo, teriam uma sagaz observadora se Ruth Cardoso não tivesse partido há cinco anos.
Seu amigo Manuel Castells relata que, em 2002, num seminário internacional, Ruth soltara, numa discussão: "O povo desunido jamais será vencido" --à época uma heresia para alguns, mas não para o sociólogo, que ratificou a autora daquela frase profética como "simples, brilhante e profunda", pois "é a multiplicidade de fontes de mudança social, sua não articulação em aparelhos políticos instrumentais que vai solapando as raízes da dominação".
Ruth Cardoso era uma arguta socióloga, antropóloga e cientista política. O lançamento de "Obra Reunida", em 2011, trouxe a público uma faceta sua pouco conhecida. Ela não havia produzido uma obra escrita extensa desde que se formara em 1952, pela USP. A araraquarense costumava reunir alunos, ex-alunos e colaboradores em debates que resultavam num trabalho intelectual conjunto. Vários textos tinham origem naqueles momentos.
Sua dimensão intelectual em mais de 50 anos de atividade acadêmica não se refletia nos seus artigos esparsos. Mas, reunidos, eles ganharam todo o sentido e mostraram a singularidade da pensadora, que logo percebeu a mudança na dinâmica dos movimentos da sociedade.
Coube à cientista política Teresa Caldeira a organização de "Obra Reunida" e uma apresentação que analisa magistralmente os escritos de Ruth como resultado de seu pensamento, claro, mas também como pressuposto de sua ação.
Ao citar Foucault (1984), Teresa expõe a contemporaneidade de Ruth, espelhada na busca de espaço para reflexão, questionamento e soluções. Diz ele: "Ser moderno é não aceitar a si mesmo como se é no fluxo dos momentos que passam; é tomar a si mesmo como objeto de uma elaboração complexa e difícil. É sentir-se compelido a se inventar".
Ruth, por sua vez, afirma em entrevista no final de 2002 e do governo de seu marido: "Tive, literalmente, que começar a inventar um lugar e uma maneira de aproveitar, por um lado, as vantagens de estar próxima de um governo e, ao mesmo tempo, querer fazer alguma coisa. Então, esse foi o meu processo para inventar a Comunidade Solidária".
A sua ação durante e depois do governo FHC foi produto de reflexão anterior acerca de seu tempo e de como ela poderia destacar e estimular, nesse seu tempo, o que tendia à inovação. As organizações que criou foram o espelho desse pensamento.
No prefácio a "O Poder da Identidade" (1999), livro de Castells, dizia ela: "A criatividade, a negociação e a capacidade de mobilização serão os mais importantes instrumentos para conquistar um lugar na sociedade em rede". Outra vez, à frente de seu tempo!
As organizações concebidas por Ruth se guiaram e se guiam por sua concepção inovadora, no Brasil e no mundo. E o Centro Ruth Cardoso cuida para que sua memória e ação permaneçam, como quando do Festival de Ideias, concebido em 2011. O recém-lançado Festival Educação mobilizará alunos nas redes sociais para desafios e soluções criativas no ambiente escolar. A educação como o começo e o fim de tudo.
    PEDRO TRENGROUSE
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    A Copa e o Brasil
    Os estádios não estão mais caros que os das últimas Copas. Não é razoável colocar os problemas nacionais crônicos na conta da Fifa
    O PIB do Brasil é de R$ 4,4 trilhões e todos os investimentos previstos na Matriz de Responsabilidades da Copa, que congrega as obras que o governo julga relevantes para a realização do evento, estão na ordem de R$ 25 bilhões.
    O montante é destinado às mais diversas áreas prioritárias de infraestrutura e serviços, como, por exemplo, aeroportos, mobilidade urbana, segurança, turismo, saúde e telecomunicações.
    É evidente que não houve contingenciamento no orçamento público noutras áreas em razão da Copa. O PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento), por exemplo, investiu R$ 557,4 bilhões em infraestrutura até junho deste ano.
    E, embora ainda aquém dos padrões recomendados pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), os recursos aplicados em educação e saúde quase triplicaram nos últimos dez anos, com os investimentos em políticas sociais chegando a R$ 656 bilhões em 2012.
    A rigor, no que diz respeito à Copa, essencial mesmo são os estádios, cujos custos totais estão em R$ 7 bilhões, divididos em R$ 3,7 bilhões financiados pelo BNDES, R$ 2,7 bilhões a cargo dos governos locais e R$ 612 milhões em investimentos privados. São nove estádios públicos e três privados. Ainda assim, considerando que os financiamentos do BNDES devem ser pagos pela operação privada das arenas, os investimentos públicos diretos representam menos de 40% do total.
    E mais. Não é verdade que estejam mais caros que nas últimas Copas. O estádio mais caro do Brasil custou pelo menos três vezes menos que Wembley e, segundo estudo de uma ONG dinamarquesa, os custos médios por assento no Brasil estão no mesmo patamar de US$ 5.000 que Japão, Coreia e África do Sul, pelo menos 20% menores do que Green Point e Sapporo Dome, por exemplo.
    Os novos estádios serão muito mais utilizados pelo futebol brasileiro do que pela Fifa. Conforme dados da Fundação Getulio Vargas (FGV), o futebol hoje movimenta R$ 11 bilhões por ano e gera 370 mil empregos no Brasil. Mas poderia movimentar R$ 62 bilhões por ano e gerar 2 milhões de empregos, principalmente com a modernização dos estádios e ajustes no calendário, gestão e governança dos clubes. Com ou sem Copa, já valeria a pena investir nos estádios brasileiros.
    O BNDES é o maior banco de desenvolvimento do mundo, superando o Banco Mundial em volume de operações. Desde 2008, quando as sedes da Copa do Mundo no Brasil foram anunciadas, o BNDES desembolsou no total mais de R$ 700 bilhões em financiamentos diversos.
    Trocando em miúdos, o investimento nos estádios representa muito pouco diante dos grandes números do banco, que poderia ousar bem mais para promover o desenvolvimento do futebol brasileiro enquanto atividade econômica relevante para o arranjo produtivo e para a identidade cultural brasileira.
    Um estudo da FGV mostra que a o total de aportes na Copa pode quintuplicar. Além dos recursos previstos na matriz, a competição deve injetar R$ 112,79 bilhões na economia brasileira, movimentando o total de R$ 142,39 bilhões adicionais entre 2010 e 2014, com a geração de 3,63 milhões de empregos por ano e R$ 63,48 bilhões de renda para a população. Ainda assim, é preciso enxergar o evento na perspectiva global da economia.
    A maioria das obras relacionadas à Copa são realmente essenciais para melhorar a infraestrutura do país. O Brasil é o país do futebol e já precisava de melhores estádios para desenvolver seu pleno potencial de geração de emprego e renda.
    O maior legado da Copa do Mundo para o Brasil seria mesmo uma profunda transformação no futebol brasileiro. Não é razoável colocar problemas nacionais crônicos na conta da Fifa.

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