domingo, 14 de julho de 2013

Por que a transparência incomoda tanto? - Paula Lavigne no Tendências/Debates

folha de são paulo
PAULA LAVIGNE
Por que a transparência incomoda tanto?
Apesar do direito dos artistas de entenderem a razão (e a destinação) da alta taxa cobrada pelo Ecad, muitas perguntas ficam sem resposta
Aos 13 anos, eu já fazia teatro e ouvia falar de SBAT (Sociedade Brasileira de Autores) e Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) cobrando uma percentagem da bilheteria. Aos 16 anos, fui emancipada para poder abrir, com Caetano, a editora e produtora Uns Produções, para que ele, enfim, pudesse ser, de verdade, dono do seu repertório e administrar o que é dele.
Sou mãe de dois de seus filhos e assumi, há muitos anos, a responsabilidade de cuidar desse patrimônio, que, sob todos os aspectos, é precioso. Não sou autora, mas respiro direito autoral como rotina, porque devo manter Caetano informado de assuntos de seu interesse, também nessa área.
Aliás, nenhum artista deveria se manter alheio a um sistema que, afinal de contas, é bancado por eles, do início ao fim. São eles que criam e são eles que pagam a conta. Nas minhas atividades como produtora, inclusive de cinema, sempre aparecem problemas com a cobrança de direitos autorais, que ninguém explica direito, porque ninguém sabe bem como funciona a gestão coletiva no Brasil.
Talvez por isso, muitos dos autores e artistas que trabalham comigo prefiram ser sócios de entidades estrangeiras. Eles entendem melhor o que elas explicam, mesmo não sendo em português. Há um sentimento generalizado de que as coisas aqui precisam melhorar, de que existem muitas injustiças a serem corrigidas e isso é o que está unindo a classe: a necessidade de informação.
Eles querem saber o que é feito com a percentagem de 24,5% que fica para o Ecad e as sociedades, uma das taxas mais altas que os autores pagam no mundo. Como se chega a esse número, em quê essa verba é gasta e de que forma? Alguém conhece a folha de pagamento dessas entidades? Quanto ganham os altos funcionários do Ecad, pagos pelos criadores? Os autores não têm a menor ideia.
Por que o sistema brasileiro não segue o exemplo das sociedades europeias, que cobram o custo efetivo de cada atividade e não ultrapassam a média de 15 a 16%? Por que o Ecad sempre prefere brigar no Judiciário? Seria por causa dos honorários de sucumbência que recebem seus advogados? Muitas perguntas ficam sem respostas.
Os autores e seus representantes também se queixam de que, se não fosse a imprensa, não chegariam a saber de alguns acontecimentos no mínimo suspeitos. O caso Milton Coitinho, envolvendo um motorista de ônibus de Bagé que teve seus documentos falsificados e utilizados para cadastrar trilhas sonoras de filmes brasileiros, só foi conhecido porque vazou para a imprensa.
Como chega a ocorrer uma fraude grosseira como essa? Por que os autores só ficam sabendo de fatos assim pelos jornais? Muitos nem sabem que as duas sociedades que mandam no Ecad são comandadas por editoras e gravadoras multinacionais. Em uma delas, duas pertencem à Sony; em outra, duas pertencem à Universal. Outras, ainda, são editoras de autores que, por alguma razão, preferem ser eleitos como representantes de suas editoras e não como autores.
Em quase 30 anos de atuação nesse segmento, jamais fui convidada a participar de eleições ou de decisões que afetam os autores, administrando um dos maiores catálogos do Brasil. Em nenhum país do mundo isso aconteceria, só aqui.
A CPI do Senado, em seu relatório final, relatou questões muito preocupantes, que todos ignoravam. Diante disso, como se esperava que a classe reagisse? A resposta é simples: da forma que a imprensa registrou.
Autores e seus representantes resolveram se mobilizar, unir diferentes tribos e gerações, somar forças e atuar em favor de todos. Afinal, o que me impede de defender o patrimônio autoral arduamente construído por Caetano? É o meu ofício, eu ganho para isso. Procure saber!
    JORGE HAGE
    Financiamento, democracia e corrupção
    A crise de representatividade talvez tenha uma de suas raízes nas distorções do sistema político, em que avulta a do financiamento empresarial
    O tema da reforma política volta ao topo da agenda nacional e traz consigo a necessidade de discussão de um dos seus aspectos mais relevantes. Sempre acreditei que o financiamento empresarial de campanhas fere, antes de tudo, um princípio constitucional, o da igualdade (art. 5º), e afronta uma premissa universal dos sistemas democráticos: "um homem, um voto".
    Isso porque, se as campanhas dependem cada vez mais de dinheiro, ao se permitir que pessoas jurídicas façam pesadas doações aos candidatos, está-se legitimando o desequilíbrio na disputa por votos e, assim, distorcendo a vontade popular.
    Isso já seria o bastante para condenar o modelo. Mas é pior: chancela-se, aí, a influência do poder econômico nas decisões do poder público. Afastam-se, também, os candidatos que não aceitam a dependência do poder econômico, tendo em vista a certeza de que a "fatura" será cobrada depois. Não se há de imaginar que o idealismo ou a amizade desinteressada (salvo alguma rara exceção) seja o móvel dessas doações.
    A experiência em um órgão de controle veio apenas reforçar-me a intuição: as consequências deletérias do óbvio conflito entre interesses públicos e privados, que advêm da dependência entre o capital e o mandato, entre os recursos para a eleição e o cargo depois ocupado.
    Isso mostra como é falso o argumento do "alto custo para os cofres públicos", usado pelos que se opõem ao financiamento público. Basta pensar em quanto esses mesmos cofres perdem pela corrupção. É certo que as doações de campanhas não são a causa única da corrupção, mas uma das principais.
    Tomem-se algumas de suas formas mais comuns: direcionamento de licitações, com elevação dos preços pela ausência de competição, orçamentos com sobrepreço, superfaturamento, medições fraudadas, tudo a propiciar a geração das "gorduras" que, muito provavelmente, vão compensar as doações da campanha anterior ou garantir a próxima. Aliás, expressões como "sobras de campanha" ou "dívidas de campanha", usadas para explicar situações duvidosas, aí estão para confirmá-lo.
    Tudo isso sem falar em distorções outras --distintas da corrupção--, como a influência ilegítima nas decisões e nos votos dos eleitos.
    Outro argumento dos que defendem o dinheiro das empresas nas eleições, de que o financiamento público reforçaria a maioria do governo, peca pelo equívoco de pressupor que o critério de repartição dos recursos seja necessariamente o tamanho das bancadas.
    Do mesmo modo, a suposição de que não haveria como controlar a origem do dinheiro carece de demonstração. Por acaso a Justiça Eleitoral e o Ministério Público têm sido lenientes? Não parece ser a realidade. E, ainda que ninguém imagine um controle infalível, isso não justifica a defesa do custeio empresarial das eleições, do mesmo modo que não se há de defender a legalidade do suborno, da propina ou do contrabando, apenas por não ser possível coibi-los totalmente.
    A crise de representatividade, hoje tão discutida, talvez tenha uma de suas raízes nas distorções do sistema político, em que avulta --sem que seja a única --a do financiamento empresarial, associado à duração e aos custos da propaganda.
    Não se supõe que, afastado o poder econômico do processo eleitoral, estarão resolvidos todos os problemas. Mas o fato é que o sistema atual é de tal modo indefensável que parece já passada a hora de buscar outras soluções.

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