domingo, 18 de agosto de 2013

'Brasil gastou sua poupança na Disney' Paulo Leme

folha de são paulo
'Brasil gastou sua poupança na Disney'
Paulo Leme diz que modelo baseado no consumo levou a deficit externo e a inflação e que correção está a caminho
Para economista, que comanda o Goldman Sachs no Brasil, país ficou mais vulnerável a guinadas no exterior
ÉRICA FRAGAMARIANA CARNEIRODE SÃO PAULOO Brasil tem um encontro marcado com o ajuste, afirma o economista Paulo Leme, 58.
No comando do banco de investimento americano Goldman Sachs no Brasil, o executivo prevê que vai chegar a conta do deficit nas contas externas --produzido pelo consumo interno turbinado.
Conhecedor da economia (e da política) brasileira, Leme afirma, contudo, que o processo será detonado pela mudança nos EUA e após as eleições no Brasil. Até aqui, diz ele, foi só o ensaio.
Folha - Qual sua expectativa para a economia brasileira?
Paulo Leme - Acho que o crescimento deve estar muito próximo a 2%. E, infelizmente, em razão de baixos investimentos e da queda na produtividade, o crescimento sustentável de longo prazo está próximo a 3%, provavelmente abaixo disso, o que é bem menos do que eu esperava há um ano.
O que é longo prazo?
De 3 a 10 anos. A economia mundial tem demorado mais a se recuperar, e a perspectiva de preço de commodities não é favorável.
Internamente, houve uma mudança na política econômica com a adoção de um modelo centrado na expansão da demanda doméstica.
Mas a oferta não está se expandindo. Então, esse aumento do consumo tem levado a um excesso de demanda por bens importados, o que provoca um aumento do deficit em conta-corrente e da inflação.
Qual a contribuição da política fiscal para a inflação?
A política fiscal está muito expansionista, o que aumenta a inflação e contribui para o deficit em conta-corrente. Em vez de gastar com hospitais, escolas, transporte público, o governo está gastando em salários, aposentadorias.
Esse modelo está levando a uma despoupança doméstica, que está sendo financiada por investidores estrangeiros.
Se você toma empréstimos no exterior ou atrai investimento direto estrangeiro e, com isso, investe em indústrias ou atividades que geram receitas em dólares no futuro, o pagamento dos juros dessa dívida está garantido.
No nosso caso, não, os empréstimos foram queimados com turismo da Disneylândia, malas cheias de bens vindas de Nova York ou Miami. Essa conta vai chegar.
E o que acontecerá?
Quando tivermos que pagar esse serviço da dívida, não teremos a receita dos investimentos porque ela foi consumida. Você vai ter que desacelerar a economia, reduzir o consumo e os salários reais, que são fonte da inflação, e isso ocorre através do aumento do desemprego.
Por último, você tem que desvalorizar o real, tornar a economia mais competitiva. Creio que, em 12 meses, o câmbio estará perto de R$ 2,50 e, em dois anos, de R$ 2,75.
Ainda não estamos no ajuste?
Temos o início de um ajuste, mas é pior porque não vai ser completo. Os problemas de falta de crescimento são estruturais, queda de produtividade, perda da competitividade, falta de investimentos. Sem resolver esses problemas, quanto mais você estimula, é como um carro com o afogador quebrado.
O que deverá ocorrer com o crescimento após as eleições?
Para reduzir a inflação e fechar o deficit externo, a economia crescerá pouco, quase estagnada, sem recessão, mas com o desemprego subindo acima de 6%.
Depende do cenário no exterior, e você fica muito vulnerável a grandes guinadas externas. Já tivemos um ensaio em junho, quando houve uma rapidez na saída de capitais do Brasil. O câmbio se desvalorizou rapidamente.
Quando de fato o Fed (banco central americano) resolver subir a taxa de juros, o mercado já terá antecipado isso, o que poderá levar a uma queda dos investimentos ou da capacidade das empresas brasileiras, que estão endividadas em dólar, de rolar sua dívida externa.
O que detonou o pessimismo com o Brasil? Tem a ver com os protestos?
Tanto os investidores quanto a população expressaram, de maneiras diferentes, coisas parecidas, que têm a ver com a perda de conectividade entre a política e os anseios do investidor e da população.
Depois dos protestos, não é difícil concluir que o ajuste econômico ortodoxo não seria muito bem-vindo nas televisões às oito da noite. Então, claramente encoraja uma política de mais riscos.
O que são políticas de risco?
Dobrar a aposta, continuar a aumentar o gasto público. Parte dos pleitos são investimentos em transporte, educação, saúde. É correto. Mas você tem que fazer escolhas, alocar recursos em uma coisa em detrimento de outra. Baixar o preço do transporte terá consequência orçamentária, que vai acabar sendo paga com inflação, que é um imposto que todos pagam.
Alguns economistas dizem que há pouco espaço para cortes de gastos do governo.
Os gastos discricionários são mesmo uma parcela pequena. Mexer na parte estrutural de fato é extremamente difícil, mas não é impossível.
A gente decidiu aumentar a participação dos funcionários do setor público, que é muito onerosa. O salário mínimo tem uma consequência fiscal e sobre a inflação. São escolhas. Não temos feito as melhores escolhas.
A economia pode interferir na perspectiva de reeleição da presidente Dilma Rousseff?
Se a gente relacionar as manifestações populares ao baixo crescimento, mas especialmente à falta de correspondência entre a carga tributária e os serviços públicos, isso já mudou a perspectiva eleitoral, em que parecia altamente provável a reeleição da presidente para um cenário que pode ser o de uma eleição bastante competitiva.
Qualquer que seja o próximo governo terá um primeiro ano difícil?
Sim, pode ser um pequeno desafio ou pode ser problemático. Acho que não teremos nenhum problema na escala como tivemos, por exemplo, em 1999, em 2002 para 2003, simplesmente porque as condições iniciais hoje são muito mais favoráveis do que foram nesses momentos. Você tem muito mais reservas internacionais, você não tem dívida fiscal dolarizada. Agora, tudo depende da reação desse governo e do seu sucessor.
    RAIO-X PAULO LEME, 58
    ATUAÇÃO
    É chairman do Goldman Sachs Brasil. Antes, foi um dos responsáveis pela análise econômica para a América Latina do banco, em Nova York, e economista sênior no FMI (Fundo Monetário Internacional)
    FORMAÇÃO
    Graduado em engenharia elétrica pela UFRJ e mestre em economia pela Universidade de Chicago
      Preocupação do BC com a taxa de câmbio se acentuou em junho
      Número de intervenções para conter dólar disparou naquele mês
      Copom eleva cotação da moeda americana no cenário de referência em 10% em três meses; Selic deve voltar a 9%
      DE BRASÍLIA
      A mudança no ritmo de atuação do Banco Central no mercado de câmbio em junho foi um dos primeiros sinais concretos da preocupação do governo com a cotação do dólar e seus efeitos na inflação.
      Para atenuar a flutuação da moeda norte-americana, o BC atuou 25 vezes naquele mês. De janeiro a maio, foram apenas seis operações.
      Em julho, a preocupação foi descrita em detalhes na ata da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária). Os diretores do BC deixaram claro que a desvalorização do real causa uma forte pressão inflacionária no curto prazo e pode, se não for combatida, gerar mais inflação em 2014.
      O aumento da taxa básica de juros pode limitar os efeitos dessa desvalorização sobre os índices de preços, além de funcionar como uma espécie de atrativo para a entrada de dólares no país.
      Na reunião do mês passado, o Copom elevou a taxa Selic para 8,5% ao ano. Na próxima, no fim deste mês, a aposta é que ela chegue a 9% para tentar coibir repasses da desvalorização cambial para os preços.
      Entre as reuniões de maio e julho do Copom, os diretores do BC mudaram drasticamente a estimativa para a cotação da moeda americana usada em seus cálculos.
      Há três meses, o dólar usado no chamado cenário de referência do comitê estava em R$ 2,05. Em julho, esse valor subiu para R$ 2,25.
      ESTADOS
      Além da revisão das restrições à entrada de dólares no país e da elevação da Selic, alguns integrantes da equipe econômica consideram que a autorização dada pelo Tesouro Nacional para os Estados captarem recursos no exterior contribuiu para suavizar o impacto da alta do dólar.
      Mas essa opinião não é consensual. Dentro do próprio governo teme-se que uma alta ainda mais forte do dólar crie dificuldades financeiras para os governadores pagarem seus débitos.
      Uma das incógnitas que mais preocupam integrantes da equipe econômica é o que acontecerá com os juros dos papéis do Tesouro dos EUA.
      Esses títulos são considerados uma espécie de porto seguro pelos investidores.
      Mudanças na política do Fed (o BC dos EUA) podem elevar o rendimento dos papéis e, consequentemente, gerar uma onda de migração de recursos de mercados como o brasileiro para o americano, aumentando, assim, a escassez de dólares no Brasil.

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