terça-feira, 13 de agosto de 2013

Chega de propaganda sectária e O mantra da juventude [Tendências/debates]

folha de são paulo
CARLOS MELO E EUGÊNIO BUCCI
Chega de propaganda sectária
O desafio não poderá ser resolvido por uma presidente só e solitária. Ele apenas será equacionado com diálogo entre correntes diversas
"Só o governante que respeita as leis de sua gente e a divina justiça dos costumes mantém sua força porque mantém sua medida humana. Em mim só manda um rei: o que constrói pontes e destrói muralhas." (Sófocles)
Assim como a liberdade exige as ruas e as praças, a política exige o diálogo. Falamos aqui do diálogo de verdade, da vontade de buscar entendimentos, não de proselitismos ou de persuasões maliciosas.
A máquina de comunicação do governo federal, com farto dispêndio de recursos públicos, não pode ser entendida como esforço de diálogo algum, pois não cultiva a capacidade rara de ouvir.
Quando muito, constitui um martelar de ideias prontas e respostas fechadas: o sectarismo ideológico em forma de propaganda. Onde abunda o marketing insensível (pois existe o bom marketing), falta diálogo franco, aberto e desarmado.
Os problemas do Brasil não serão sanados com platitudes publicitárias. Menos ainda com dramatizações em defesa de um governo que, de resto, ninguém quer derrubar.
As regras do jogo não estão ameaçadas. Portanto, uma retórica sofismática e emocional em torno de reconhecidas conquistas não faz sentido. Os dotes de comunicador popular que sobram em Lula e que faltam impiedosamente em Dilma já não dão conta do recado e soam insinceros: o buraco é mais embaixo e a saída se dará pelo alto.
Não obstante, foi nos fármacos da marquetagem que a presidente da República buscou remédio para sua primeira reação às manifestações de junho. Recapitulemos. As ruas expressaram um descontentamento amplo e profundo com a ineficiência do Estado brasileiro. De início, a máquina pública se refugiou na indiferença burocrática. Depois, as autoridades, a presidencial e outras, foram se arriscar na linguagem do espetáculo. Deu errado.
O pronunciamento da presidente, tentativa de jogar para a plateia, não funcionou. Prometeu realizar, sem a participação do Congresso, uma reforma política. Apostou tudo numa saída quase mágica: um discurso fatal, uma bala de prata da oratória.
Não deu certo, claro. Faltaram-lhe o engenho, a arte, o diálogo. Não apenas com manifestantes, mas com partidos e instituições; diálogo com a sociedade civil, seja ela organizada em moldes tradicionais, seja com novos atores.
Ir à TV não basta, mostrou o malogrado discurso presidencial. Sem querer, Dilma assumiu a responsabilidade não apenas pelo quinhão de crise que lhe cabia, mas por várias outras crises que não eram da sua esfera. Inadvertidamente, adotou uma postura autocrática, centralizadora, quase bonapartista.
O que conseguiu foi ferir o brio do Congresso Nacional. Não que parlamentares e partidos estejam isentos de responsabilidades. Todos, ou quase todos, são responsáveis ou cúmplices, mas o desprezo pela institucionalidade e a falta de interlocução com a sociedade não nos conduzirão a bom termo.
O monólogo pode degradar em solilóquio. O desafio tem isso de fascinante: não poderá ser resolvido por um lado só, por um só partido, por uma presidente só e solitária. Ou será equacionado com diálogo entre correntes diversas, com vistas ao aprimoramento institucional, ou não será vencido. A polarização do debate deu seus cachos, mas já cansou.
O país precisa de pontes, não de muralhas. Precisa de denominadores comuns, mais do que de confrontos; conversas de boa-fé, não ameaças. Posições ideológicas diferentes não precisam buscar a eliminação uma da outra. Podem encontrar caminhos comuns para o estabelecimento de uma agenda nova, comprometida com uma democracia mais inclusiva e próspera.
Não precisamos ir longe: este artigo só foi possível graças ao diálogo entre pontos de vista distintos.
Diálogo não arranca pedaço. Numa escala maior, poderia render benefícios muito mais duradouros ao país e à nossa gente.
    TAÍS GASPARIAN E MÔNICA GALVÃO
    O mantra da juventude
    Apesar de reiterar direitos já assegurados, o Estatuto da Juventude ao menos traz segurança para a regulação federal da meia-entrada
    O Estatuto da Juventude, recém-promulgado após quase dez anos de discussão, apresenta mais um rol de boas intenções do que de políticas públicas a serem aplicadas.
    De novo mesmo, o que há é a regulamentação da meia-entrada.
    Todos os direitos previstos no estatuto já constam de outros dispositivos legais, entre eles a Constituição. E uma lei não é suficiente para fazer com que as pessoas, jovens ou não, usufruam desses direitos.
    É simples: não basta alardear que os jovens têm direito ao SUS, se não há estrutura que o garanta. Pouco sentido tem a declaração de que têm direito à mobilidade, à segurança e à tecnologia, se nada disso é efetivo, como se a química caneta/papel pudesse transformar a realidade.
    A exemplificar a tolice, um dos dispositivos define que jovem é aquele que tem entre 15 e 29 anos. Que não se queira ser jovem com mais de 29 anos porque, por lei, agora está cabalmente proibido.
    Quando, em 1990, foi editado o Estatuto da Criança e do Adolescente, existia um propósito: não havia segurança acerca dos direitos garantidos às crianças e aos adolescentes, consideradas as diversas limitações legais à sua autonomia. Com o ECA, a criança passou a ser reconhecidamente titular de direitos.
    Mas com a pessoa maior de idade, como é o caso do jovem tal como definido no novo estatuto, não se passa o mesmo. Todo o rol de direitos nele reiterados não serve de nada além do que repetir o que já era certo, ao menos no plano da lei. Quem sabe sua entoação repetitiva, como um mantra, sirva para nos alçar a um país melhor.
    A novidade da lei foi, finalmente, trazer alguma regulação em nível federal da meia-entrada. Garantiu-se o pagamento de meia-entrada para espetáculos esportivos, de lazer e de entretenimento aos jovens estudantes ou de famílias de baixa renda, limitando o benefício a 40% dos ingressos disponíveis.
    Em que pesem as críticas que se possa fazer ao estatuto, ao menos ele traz alguma objetividade e segurança para essa questão antes objeto de controvérsias e conflitos. Estabeleceu-se definição clara dos beneficiários --jovens de baixa renda e estudantes-- e como se dará a comprovação dessa condição.
    Ainda mais: ao estabelecer que será disponibilizado um banco de dados para consulta dos nomes dos estudantes beneficiários, garantiu-se um mínimo de transparência e possibilidade de fiscalização de um benefício que era, até então, objeto de notória e disseminada fraude.
    Ao regular aspectos básicos, o estatuto obriga Estados e municípios a adequarem suas legislações sobre o tema. Desde logo, fica suspensa a eficácia das leis que tragam disposições que lhe sejam contrárias.
    Exemplo do cipoal legislativo nacional, as diversas leis existentes, nos níveis federal, estadual e municipal, contribuíam para as controvérsias acerca do benefício ao estabelecer diferentes formas de comprovação de titularidade, de limitações ao número de ingressos a serem disponibilizados, de percentuais de desconto etc.
    O estatuto assenta pelo menos algumas dessas questões. Já dizia Thomas Jefferson, e aqui cabe a lembrança, que a aplicação das leis é mais importante que a sua elaboração. Resta saber o que nos aguarda.

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