terça-feira, 13 de agosto de 2013

"rentrée sociale" - Vinicius Torres Freire

folha de são paulo
Manifestações, segundo tempo
Até a eleição de 2014, vai ser muito difícil saber do destino, das causas e das consequências de junho
NA FRANÇA, setembro é o mês da "rentrée sociale". Depois das férias de verão, vêm a volta ao trabalho, a volta às aulas ("rentrée scolaire") e a volta [do protesto] social. "Rentrée sociale" é quase intraduzível não apenas pela dificuldade idiomática mas também porque não temos algo semelhante às férias quase coletivas da França nem a tradição de protesto social.
Teremos "rentrée sociale" de agosto a setembro, após as férias dos estudantes, grupo maior das grandes passeatas de junho? Há manifestações "grandes" marcadas de amanhã até 7 de setembro, ao menos.
A pergunta é especulativa ou mal posta. Especulativa pelo motivo óbvio. Mal posta porque os protestos de junho parecem ter suscitado autodescobertas sociais e políticas. Não está em questão apenas uma re-volta da estudantada.
Em junho, a maioria dos manifestantes e simpatizantes não sabia que queria ir às ruas, que aprovaria as "manifs" e desaprovaria governantes em massa. O povo era "infeliz e não sabia", na frase do cientista político André Singer em coluna nesta Folha.
Depois da detonação maior do protesto, a coisa mudou. Grupos de manifestantes reconheceram suas diferenças políticas e sociais e até se estranharam. Grupos de interesse muito específico passaram a fazer manifestações quase diárias. Movimentos sociais da periferia fizeram "manifs" mas margens da cidade rica. Centrais sindicais e outras organizações mais antigas e politizadas tentaram espanar a poeira da sua burocratização.
Enfim, parte da massa amorfa de junho coalhou em novos blocos. Grupos tradicionais querem aproveitar o momento. Governo e oposição partidária calculam como lidar com os "seus" manifestantes.
Todos viram que o sistema político pode balançar. Quase ninguém parecia saber bem o que estava fazendo (para não dizer que havia burrice mesmo). Mas muita gente viu que "causou", como diz a gíria.
A incógnita maior é a maioria menos engajada, para quem junho pode ter sido apenas um destampatório, uma explosão similar à dos antigos quebra-quebras de bonde e ônibus do século passado. Não quer dizer que tenham ficado indiferentes ou intocados pelos gritos de junho. No entanto, podem não estar dispostos a voltar para a rua, mas para a inércia do repouso.
A maioria menos engajada talvez esteja à espera dos discursos de quem convoca novos protestos, de sua capacidade de organização e de criar um projeto político de fôlego.
A princípio, gatilhos e motivos de irritação não faltam, da crescente preocupação com o emprego a escândalos, como o metrô tucano ou os finalmentes do mensalão.
O que não se pode dizer é que "acabou". Dois meses é um tempo ínfimo em política maior. As pessoas aprendem com os protestos; recusam, aceitam ou criam identidades políticas, refazem o cálculo dos seus interesses. Sempre o fizeram, e podem fazê-lo de modo ainda mais intenso agora, com tantos meios de comunicação disponíveis, tanta oportunidade de se afirmarem e reivindicarem reconhecimento público (ou apenas narcísico, de "sub da sub da subcelebridade").
Até pelo menos a eleição do ano que vem, e olhe lá, vai ser muito difícil estimar causas e consequências de junho.
vinit@uol.com.br

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