terça-feira, 13 de agosto de 2013

Fora da lei, 11 capitais negam tempo livre a professores

folha de são paulo
(FÁBIO TAKAHASHI, NATÁLIA CANCIAN, RAFAEL TATEMOTO E RAYANNE AZEVEDO)

Municípios ignoram exigência de horário para docente planejar aula
Prefeituras alegam falta de verbas; apenas Macapá ainda não paga o valor mínimo de R$ 1.567 de salário-base
DE SÃO PAULO
Cinco anos após ser aprovada no Congresso, a lei que fixa condições mínimas aos professores de escolas básicas públicas não é cumprida em 12 das 27 capitais. Uma delas não paga o piso salarial e as outras 11 não concedem jornada extraclasse mínima.
A regra determina piso salarial de R$ 1.567 no ensino fundamental e médio (jornada de 40 horas semanais).
Também exige que o docente fique 1/3 do período fora das aulas, para preparação de atividades, por exemplo.
Levantamento da Folha com secretarias municipais de Educação aponta que em 11 capitais o período extraclasse é inferior ao exigido (Belém, Campo Grande, Cuiabá, Florianópolis, Maceió, Manaus, Natal, Recife, Salvador, São Paulo e Vitória). Em relação ao valor do salário, Macapá paga R$ 1.345 --menos que o piso, portanto.
A lei visa melhorar condições de trabalho dos docentes em atividade e atrair mais jovens para o magistério.
A maior dificuldade para se cumprir a regra da jornada extraclasse é que ela requer contratação de docentes, pois os professores já em atividade teriam que dar menos aulas.
Segundo a Undime, que representa secretários municipais de Educação, gestores buscam cumprir a regra, mas alegam falta de verbas.
"Todo mundo vai ter de ceder nesse processo", disse a presidente da Undime, Cleuza Repulho, referindo-se a prefeituras e sindicatos.
SANÇÃO
A lei não prevê sanção automática ao gestor que descumpra a regra. Ao sancionar a norma, o então presidente Lula afirmou que só cabe punição se comprovada a desonestidade do administrador.
Pesquisador da USP em direito administrativo, Gustavo Justino de Oliveira entende que a própria legislação sobre improbidade prevê punição a quem desrespeita lei como a do piso do magistério. Um passo necessário é o pedido do Ministério Público.
Já Carlos Ari Sundfeld, pesquisador da PUC e da FGV, vê como exagerada uma ação de improbidade em casos que não se caracterizem má fé. Diz, porém, que há respaldo legal para que docentes peçam cumprimento da lei.
Resolução do Conselho Nacional de Educação estabeleceu 2015 como prazo final de transição. A regra, porém, não tem força de lei.
Há divergências sobre o alcance da lei do piso. "Atividade intelectual, principalmente como a docência, exige reflexão e preparação", disse o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara.
Já Ilona Becskeházy, consultora em educação, considera ser mais importante a definição de currículo claro para as escolas, melhoria nos materiais e infraestrutura.
OUTRO LADO
Redes municipais dizem que vão se adequar à norma
DE SÃO PAULOAs capitais que descumprem a lei do magistério dizem buscar a adequação, mas esbarram na falta de recursos.
Única capital que não paga o valor salarial mínimo, a Prefeitura de Macapá diz que o pagamento é compensado com gratificações, que podem aumentar "em até quatro vezes" o salário docente.
A lei do magistério, porém, fixa piso para o salário-base. "Há uma série de penduricalhos [gratificações]. Se formos pagar o piso-base, quebra a prefeitura", afirmou a secretária de Educação, Antônia Costa Andrade.
A rede paulistana diz que apenas parte dos professores não tem o 1/3 da jornada fora da aula (os com contrato de 30 horas semanais). Mesmo eles, afirma a prefeitura, podem migrar para jornadas que já cumprem o que prevê a lei.
Florianópolis e Belém dizem que, como não conseguem deixar todos os professores 1/3 da jornada fora da sala de aula, pagam gratificações para compensar.
A capital catarinense afirma que os professores dos anos finais do fundamental já estão enquadrados na lei. E que os demais estarão adequados até 2015.
Campo Grande, Maceió, Natal, Recife e Salvador dizem que também estão em processo de adequação.
A Prefeitura de Cuiabá afirma que seu percentual de jornada extraclasse ao menos cumpre lei municipal (20%).
As redes de Manaus e Vitória não explicaram por que descumprem a regra.
O Ministério da Educação afirma reconhecer a dificuldade de implementação da lei, mas diz que não tem o poder de fiscalizar as prefeituras, que têm autonomia.

Jornada afeta professor e aluno, diz docente
DE SALVADOR
A baiana Ivone Anunciação Souza, 43, não se conforma. Ela trabalha na rede municipal de Salvador, que descumpre a lei dos professores e não lhe dá um terço de sua jornada para preparar aulas ou corrigir provas.
Ivone, que ensina em dois turnos (à noite, para jovens e adultos), diz que isso compromete a qualidade do curso e de sua vida.
"Nós também temos relações interpessoais e nosso futuro. Isso tudo fica prejudicado quando se tem uma pilha de provas para corrigir ou três empregos", diz.
Em 2011, o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou que a reserva do chamado terço extraclasse é constitucional.
"Assim como vocês, repórteres, precisam de tempo para apurar uma história e depois escrevê-la, o professor precisa para fazer seu planejamento pedagógico", diz.
O professor Arlindo César, 24, concorda.
"Por enquanto não tenho filhos e estou sem namorar. Como conseguirei ter uma vida normal no ritmo que levo?", questiona.
ANÁLISE
Da intenção à realidade, ainda há uma grande distância
MARCELO LEITEDE SÃO PAULOCom a adoção de um piso salarial nacional para professores de educação básica, há cinco anos, a sociedade brasileira emitiu sinal inequívoco de que deseja pôr termo à progressiva proletarização dessa profissão decisiva para o desenvolvimento do país e de seus cidadãos. Da intenção à realidade, todavia, vai uma grande distância.
A boa notícia do levantamento realizado pela Folha está na razoável obediência à norma salarial pelas redes municipais de ensino nas capitais. Só em Macapá se observa descumprimento.
O valor do piso também é respeitado pela maioria das secretarias estaduais de Educação, indicam levantamentos anteriores. Falta porém, uma pesquisa sobre as outras 5.544 cidades do país, que indicará se esse padrão mínimo de remuneração determinado pela lei "pegou" ou não.
Não seria arriscado dizer, tomando só as capitais e as redes estaduais de ensino, que a maioria dos alunos de educação básica no Brasil já conta com professores que recebem o piso. Embora acarrete um ônus e tanto para prefeitos e governadores, seria leviano concluir que está tudo bem. Longe disso.
Em primeiro lugar, o piso de R$ 1.567 não pode ser considerado alto. Equivale a 2,3 salários mínimos, é verdade, mas fica abaixo do salário médio nacional de R$ 1.793 (dado de 2011) divulgado em maio passado pelo IBGE, com base no Cadastro Central de Empresas (Cempre).
Se comparado com a média dos que têm diploma de nível superior (R$ 4.135), como se exige da quase totalidade de docentes de educação básica, o piso dá uma medida mais objetiva do prestígio social conferido à categoria: o trabalho do professor vale não muito mais do que um terço (38%) do que ganham outros profissionais com a mesma titulação.
QUALIDADE
De um ponto de vista qualitativo, então, a realidade é ainda mais preocupante.
O levantamento constatou também que só 16 das sedes de unidades da Federação cumprem outro dispositivo menos lembrado da lei 11.738: a obrigação de reservar um terço da jornada de 40 horas semanais para trabalho fora da sala de aula.
Para dar uma educação melhor, o professor precisa de tempo para preparar aulas, fazer cursos e atualizar-se sobre novos conhecimentos, livros didáticos e técnicas de ensino na sua área.
Se ficar oito horas por dia em classe, a tendência é que repita sempre a mesma aula. Ou, pior, que siga sem refletir as receitas prontas, sem adaptá-las aos alunos de carne e osso que tem diante de si.
O piso salarial representa um avanço importante para a educação brasileira. Mas o país ainda está muito aquém do teto do que é possível e necessário realizar para que se eleve acima do pântano de mediocridade em que afunda.

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