sábado, 21 de setembro de 2013

Doenças raras - João Gabriel Daher

Estado de Minas: 21/09/2013 


Estima-se que existam entre seis e oito mil doenças raras, caracterizadas por sintomas diversos, que variam não só de doença para doença, como também entre os indivíduos afetados por uma mesma condição. São patologias pouco conhecidas, que acometem menos de uma em cada 2 mil pessoas, segundo definição da Organização Mundial de Saúde (OMS). A maior parte delas tem origem genética e causa consequências severas, entre deficiências físicas e comportamentais. Apesar de raras, essas doenças, juntas, atingem cerca de 15 milhões de pessoas apenas no Brasil.

As dificuldades enfrentadas por portadores de doenças raras começam já no diagnóstico. A falta de informações específicas, o desconhecimento dos profissionais de saúde e a inexistência de centros especializados transformam o diagnóstico em uma verdadeira peregrinação entre especialistas e laboratórios. A falta de protocolos para atendimentos específicos compromete a identificação precoce da enfermidade, atrasando o início do tratamento e levando, muitas vezes, ao agravamento do quadro clínico. Além disso, a falta de estrutura em espaços coletivos como escolas, empresas e centros de lazer leva muitos pacientes a se isolarem socialmente. A ausência de uma política nacional voltada para a construção de uma rede de cuidados aos pacientes afetados por doenças raras e a falta de investimentos em pesquisas científicas para tais enfermidades são obstáculos adicionais que os pacientes sofrem para ultrapassar.

A inexistência de estudos epidemiológicos para estimar a prevalência dessas doenças torna o desafio ainda maior. Algumas consequências da falta de um mapeamento nacional são o desconhecimento em relação à real incidência dessas doenças e a dificuldade em determinar questões regionais e taxas de mortalidade, fatores importantes para determinar a localização de centros especializados, por exemplo. Diante de tal cenário, foi importante a recente consulta pública realizada pelo Ministério da Saúde a respeito do documento que estabelece diretrizes para a atenção integral e acolhimento às pessoas com doenças raras na rede pública.

Os textos submetidos abordam como deve ser o cuidado de pacientes com doenças raras, incluindo prevenção, tratamento e reabilitação, além do tratamento multidisciplinar. A política abrange, ainda, o atendimento aos cuidadores e familiares dos portadores dessas enfermidades. É importante reconhecer que a iniciativa do governo é uma vitória, mas também é preciso lembrar que estamos apenas no começo da caminhada. É um trabalho demorado que envolve também a criação de programas educativos em todo o território nacional para conscientizar e informar os futuros profissionais de saúde.

Vale destacar que, apesar da percepção geral de que não há interesse em pesquisar e desenvolver tratamentos para doenças que atingem poucas pessoas, a indústria farmacêutica tem investido cada vez mais em estudos de terapias para doenças raras. É o caso das terapias-alvo, que revolucionaram o tratamento oncológico e hematológico. Focados no combate de moléculas específicas, eles têm ação exclusiva – ou quase exclusiva – nas vias que desencadeiam a proliferação da doença, proporcionando uma abordagem terapêutica mais efetiva tanto para controle dos sintomas quanto para sobrevida e manejo de eventos adversos. Outro exemplo significativo na área de doenças raras é a chamada terapia de reposição enzimática. Determinadas patologias incapacitam a produção de enzimas específicas pelo corpo, impossibilitando a degradação de certas substâncias. O acúmulo delas no organismo pode provocar danos irreversíveis aos tecidos e órgãos. A terapia de reposição ajuda a degradar determinadas substâncias, favorecendo o funcionamento adequado do corpo.

As evoluções constantes da ciência ajudam a compreender cada vez mais as doenças raras. Os investimentos em medicina personalizada estão possibilitando uma melhor qualidade de vida para um número cada vez maior de pacientes. No entanto, mudanças efetivas no sistema público de saúde são fundamentais para mudar de vez o quadro das pessoas com doenças raras no Brasil. Precisamos acompanhar a velocidade da inovação em nossas políticas de saúde, oferecendo aos pacientes a possibilidade e a esperança de terapias novas, mais efetivas e seletivas. Inovação e cuidado multidisciplinar são fundamentais para vencer o estigma das doenças raras.

João Gabriel Daher
Médico, especialista em doenças raras do Centro de Doenças Raras do Hospital Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro, diretor cientifico da Associação Maria Vitória de Doenças Raras de Brasília (Amavi)

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