sábado, 25 de janeiro de 2014

ENTREVISTA/ANA LUÍSA ESCOREL » Memória e invenção‏

ENTREVISTA/ANA LUÍSA ESCOREL » Memória e invenção 
 
Escritora paulistana fala de seu primeiro livro de ficção, Anel de vidro, e do trabalho à frente da Ouro sobre Azul 

 
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 25/01/2014



"Queria sentir se o interesse despertado pelo livro se devia ao que era contado, apenas, ou também à maneira como as coisas eram contadas"

Talvez tenha sido a experiência adquirida como designer gráfica, profissão à qual vem se dedicando há muitos anos – 12 deles como editora da Ouro sobre Azul –, que tenha incentivado a paulistana Ana Luísa Escorel a lançar-se como escritora. Seu primeiro livro, de tom memorialístico, O pai, a mãe e a filha, que teve ótima repercussão junto à crítica, com certeza a encorajou a aventurar-se como ficcionista, com a recente publicação de Anel de vidro, com o qual faz sua estreia no romance. “A trama do livro, sem novidade nenhuma, gira em torno do batidíssimo tema da infidelidade conjugal”, conta Ana Luísa Escorel. Em entrevista ao Pensar, ela fala de literatura, dos projetos da Ouro sobre Azul e da convivência com o pai, o pensador Antonio Candido, de quem Ana Luísa editou, com grande capricho, a obra completa.


Depois de atuar durante muito tempo como designer gráfica, há 12 anos você fundou a Editora Ouro sobre Azul. Como tem sido a experiência?
A Ouro sobre Azul surgiu no momento em que, no meu modo de ver, o mercado brasileiro para o design gráfico começou a mudar drasticamente de aspecto, dificultando a prática de profissionais, como os da minha geração e formação semelhante à minha, que sempre o viram como ferramenta para a produção de cultura e bem-estar social. Houve como que um abastardamento dos princípios básicos da atividade, tais como os entendemos aqueles que nos sentimos herdeiros da tradição humanista da Bauhaus. Nesse contexto houve a necessidade da busca de alternativas. E, permanecendo dentro de meu campo profissional, elegi esse que é o objeto gráfico, por excelência, o livro impresso, como foco em torno do qual iria concentrar os esforços e o interesse. Agreguei a editora à empresa já existente, de prestação de serviços em design gráfico, desejando, com isso, que, nesse novo setor da Ouro sobre Azul, as iniciativas de trabalho pudessem depender mais das minhas intuições e valores, me protegendo, assim, da limitação inerente à encomenda, circunstância que costuma tolher o gesto do designer.

Qual tem sido a área de abrangência da Ouro sobre Azul? Vocês recebem muitos originais? Quais são os principais lançamentos programados para este ano?
Cumprido o compromisso de trazer para o leitor a obra completa de Antonio Candido (crítico literário, autor de Formação da literatura brasileira e Parceiros do Rio Bonito) – empenho que tomou cerca de seis anos – e continuando na produção de livros ilustrados, defini um propósito mais preciso para a Ouro sobre Azul: editar apenas coisa boa. Isso valendo para os textos que me caíssem na mão, na área das ciências humanas e, mais recentemente, na área da literatura, independentemente da época em que tivessem sido escritos ou do grau de projeção do autor. Para este primeiro semestre, estão programados dois livros: Introdução ao pensamento político de Maquiavel, de Lauro Escorel, texto de 1958, que sai numa co-edição da Ouro sobre Azul com a Editora da FGV (Fundação Getulio Vargas), livro que, para alguns especialistas, junto com o Maquiaval republicano, de  1991, de Newton Bignotto, exprime o que de melhor se escreveu no Brasil sobre o pensador renascentista. E o outro será A palavra afiada, organização, introdução e notas de Walnice Nogueira Galvão para um conjunto de entrevistas, textos inéditos e cartas dirigidas a Mário de Andrade, todos de Gilda de Mello e Souza, minha mãe.

Por falar na sua mãe, a editora tem algum projeto de editar seus livros?
A obra da minha mãe está editada, e muito bem editada, pela Editora 34 e pela Companhia das Letras. Tenho sim o propósito de fazer com ela, algum dia, o mesmo que fiz com o meu pai, juntando os dois na Ouro Sobre Azul. Mas isso bem mais para a frente, não é projeto para agora.

Como você sentiu a repercussão do seu livro O pai, a mãe e a filha? E como se deu a elaboração deste texto?
Fiquei muito surpresa com a repercussão do livro, que nasceu de uma brincadeira com meus primos irmãos, pelo lado paterno, e minhas duas irmãs. Graças aos recursos da internet todos nós, seis ao todo, participamos de um encontro eletrônico no qual escrevíamos, de maneira sequente, cada semana um de nós, sobre as temporadas na casa de férias da família, em Poços de Caldas, vendida havia algum tempo e da qual todos sentiam muita falta. Os textos eram o meio de trazer a casa de volta. No meu caso o efeito foi adiante. Passei a lidar com a palavra de maneira até ali desconhecida e, dessa experiência, resultou O pai, a mãe e a filha .
A experiência adquirida com O pai, a mãe e a filha incentivou-a a escrever Anel de vidro?
Justamente dada a recepção positiva a O pai, a mãe e a filha, que me espantou muito, resolvi testar a escrita escolhendo, para outro projeto, um tema banal, o contrário do que ocorrera com o anterior, já que, de banal, o universo da menina que conduz a narrativa em O pai, a mãe e a filha não tinha nada. Queria sentir se o interesse despertado pelo livro se devia ao que era contado, apenas, ou também à maneira como as coisas eram contadas. Daí o formato do novo texto: uma só situação vista de maneiras diferentes por quatro pessoas, e tudo isso girando em torno do assunto batidíssimo da infidelidade conjugal. Então me veio à lembrança o filme Rashomon, de Akira Kurosawa, baseado no primeiro conto de Rynosuke Akutagawa, escritor japonês muito talentoso, que se matou em 1927, jovem ainda, com 37 anos. Em Anel de vidro a intenção foi polir a escrita e tentar urdir bem a trama, para dar interesse a uma situação, no fundo, sem interesse nem novidade nenhuma.

Como é ser filha de Antonio Candido, dono de obra monumental e que já está caminhando para os 100 anos?
Ser filha de um homem como meu pai tem seus prós e tem seus contras. Os prós decorrem do privilégio de estar tendo essa longa convivência com uma pessoa de temperamento alegre, otimista e que mostrou, pela vida afora, a tendência de extrair do próximo o que o próximo tem de melhor, característica que acaba por protegê-lo um pouco do lado turvo da existência. Esses traços, no plano familiar, resultam numa atmosfera de equilíbrio, de serenidade que nos alimenta a todos, filhas, netos e bisnetos, dando alento ao grupo para os embates de todos os dias. Os contras ficam por conta do efeito um pouco inibidor que uma personalidade tão bem dotada, intelectual e humanamente, pode acarretar de maneira involuntária naqueles que estão à volta. Há que se ter algum tutano para varar essa camada espessa de inteligência, erudição, realização pessoal e reconhecimento público que o envolve, e tentar, ao lado disso, construir uma identidade própria, descolada da identidade dele.


ANEL DE VIDRO
. De Ana Luísa Escorel
. Editora Ouro sobre Azul

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