sábado, 25 de janeiro de 2014

O despertar para a pesquisa

Inúmeras escolas brasileiras incentivam, por meio de projetos pedagógicos, estudantes do ensino médio a se interessarem pela ciência e tecnologia, na chamada iniciação científica.


Marcus Celestino e Cristiana Andrade
Estado de Minas: 25/01/2014



O incentivo à formação de novos pesquisadores nasce nas salas de aula de milhares de escolas brasileiras, em aulas de ciência, geografia, matemática, física e outras tantas disciplinas. Em parte, as iniciativas são impulsionadas pelas semanas de ciência e tecnologia realizadas geralmente no fim do ano, mas grande parte delas é investimento pessoal de muitos professores e dos próprios estudantes, principalmente os mais curiosos, que estão sempre atrás de respostas para suas inúmeras dúvidas. A importância de incentivar estudantes ainda nos ensinos fundamental e médio para esse olhar para a pesquisa é tão grande que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) trabalha com três programas de financiamento de iniciação científica no país voltados para alunos nessa faixa etária.

Um deles é o PIC-OBMEP, que atende alunos dos ensinos fundamental e médio premiados na Olimpíada Brasileira de Matemática nas Escolas Públicas; o outro é o IC-Jr/FAPs, desenvolvido em parceria com as fundações de apoio à pesquisa (FAPs) estaduais e voltado para estudantes de ensino médio das escolas públicas. Nessa modalidade, as FAPs selecionam os projetos e indicam os bolsistas. O outro programa é o PIBIC-EM, voltado para estudantes do ensino médio, cujas bolsas são concedidas diretamente às instituições.

Em 2013, o CNPq concedeu 17.799 bolsas de iniciação cientifica júnior, sendo a grande maioria para a Região Sudeste, com 9.559 estudantes contemplados. Em seguida veio o Nordeste, com 3.373; Sul, com 2.406; a Região Norte, com 1.258; e o Centro-Oeste, com 1.204. As bolsas têm valor de R$ 100 mensais e duram um ano. Podem se candidatar estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública, mediante sua participação em atividades de pesquisa científica ou tecnológica orientada por pesquisador qualificado. Segundo o conselho, não há, até agora, previsão de criação de novos programas em 2014, bem como aumento no número de bolsas a serem concedidas.

O legal é que, com apoio ou não, há muitas instituições que incentivam os estudantes a despertarem o olhar para a ciência. Em Minas Gerais, alunos do Colégio Cotemig, impulsionados pelo exercício de trabalhar com pesquisa e inovação, tomaram como desafio o desenvolvimento de ferramentas que pudessem ajudar as pessoas a explorar melhor o universo de sua alimentação. Para isso, criaram aplicativos e websites focados no balanceamento do cardápio diário. Os projetos criados por eles, todos de baixo custo, foram apresentados em um evento realizado há 20 anos em Belo Horizonte, a Tecnofeira, com o intuito de aproximar estudantes, educadores, profissionais da área de informática e investidores.

O grupo liderado pelo aluno Artur Marcos, de 17 anos, por exemplo, partiu de um exemplo real para criar um aplicativo para lá de útil – a mãe do jovem é diabética. Partindo dessa informação, Artur apresentou aos companheiros o conceito que pretendia desenvolver no aplicativo: o paciente cadastra todos os seus medicamentos e os horários que tem de tomá-los e também gerencia o cardápio diário, adicionando todos os alimentos ingeridos. Assim, o programa é capaz de calcular quantas calorias são absorvidas e, principalmente, os carboidratos. O “Leve Vida” permite que a pessoa tenha acesso a relatórios e gráficos sobre tais índices. Os diabéticos têm de ficar sempre atentos ao nível de glicemia no sangue, pois a doença metabólica tende a aumentar os índices de glicose. Outro ponto positivo do aplicativo é permitir cadastrar um número de telefone celular para que receba mensagens via SMS avisando sobre os horários determinados para a pessoa tomar seus medicamentos.

Com o desenvolvimento do “Leve Vida”, Artur e seus colegas criaram não somente uma ferramenta para auxiliar a mãe do rapaz, mas também milhões de pessoas acometidas pelo diabetes. “Médicos também podem usar o aplicativo, é uma forma de eles controlarem a rotina dos pacientes”, diz o jovem. Só no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, mais de 1,5 milhão de cidadãos recebem medicamentos para a doença por meio da rede pública. “Muitas pessoas se interessaram (pelo projeto) e nos ofereceram estágios, além de se disporem  a comprar ou investir no aplicativo. O grupo quer seguir adiante com o projeto”, afirma Artur. Ademais, o estudante ressalta que o programa está recebendo os últimos ajustes e estará disponível para download nos celulares com Android ainda no primeiro semestre. Caso se torne sucesso, o próximo passo é disponibilizá-lo na Apple Store.

LANCHE CONTROLADO NA ESCOLA É certo que a maioria dos pais se preocupa com a alimentação dos filhos, especialmente no âmbito escolar. Pensando nisso, o grupo coordenado pelo estudante do Cotemig Matheus Henrique Santos, de 17, desenvolveu um sistema de compras controlado. Os pais têm acesso ao cardápio da lanchonete do colégio do filho e decidem quanto será gasto e o que será ingerido pela criança, que recebe um cartão com a quantia monetária específica a ser gasta. Na lanchonete há um sistema de controle, fazendo com que os funcionários saibam qual é o cardápio do aluno. O cartão pode ser recarregado on-line e o design é um diferencial. Num estilo semelhante a um chaveiro, ele seria lido por um código de barras presente na lanchonete. De acordo com Matheus, dessa maneira a leitura seria mais rápida, evitando grandes filas e com uma manutenção mais barata. “Temos, ainda, a intenção de implementar o sistema em celulares, facilitando ainda mais a vida de todos. O legal foi que na Tecnofeira recebemos elogios e sugestões para melhorar o sistema. Além disso, conversei com uma nutricionista, mostrei para ela o trabalho e ela o considerou revolucionário no mundo da nutrição”, disse o estudante.

Outro projto criado por estudantes do Cotemig foi o portal Foconutri, objetivando melhorar a interação entre pacientes e médicos. Pelo site, clientes podem trocar mensagens com o profissional para tirar dúvidas sobre seu tratamento, receber o arquivo (tanto em formato de texto quanto em pdf) com sua dieta e outras ferramentas interessantes. Segundo Vágner Resende, de 18, integrante do grupo que criou o portal, a ideia inicial era oferecer um serviço via mensagem de celular. “A falta de patrocínio não nos permitiu contratar o serviço de obtenção de SMS. Além disso, estávamos com medo de o serviço falhar na Tecnofeira”, comenta Vágner. Vale destacar que o grupo, assim como os outros, ainda não tem apoio, mas está aberto a parcerias com investidores.

Experiências BRASIL AFORA

» Açaí para tratar a água

Os bairros da periferia e regiões ribeirinhas do município de Moju, no Pará, não têm tratamento de água adequado e o consumo é feito diretamente das torneiras. Com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população, que constantemente sofre com doenças relacionadas à falta desse serviço, o estudante Edivan Nascimento Pereira, de 19 anos, resolveu aproveitar o caroço de uma fruta típica da região, o açaí, para desenvolver um tipo de carvão capaz de filtrar e purificar a água, tornando-a apropriada para consumo. Com orientação do professor de física e química Valdemar Carneiro Rodrigues Júnior, da Escola Estadual de Ensino Médio Profª. Ernestina Pereira Maia, o trabalho ficou em 1º lugar na categoria Ensino médio da 27ª edição do Prêmio Jovem Cientista no ano passado.

» Lixo como tema

Lixo urbano foi o tema atribuído ao grupo do estudante Emerson Alves da Silva, que cursa o ensino médio. O jovem deveria desenvolver uma pesquisa de iniciação científica, dentro do Projeto Critice, desenvolvido na Escola Estadual Professora Odila Leite dos Santos, em Itaquaquecetuba, São Paulo. Engajado em descobrir mais sobre o assunto, Emerson consultou livros na Sala de Leitura da escola, leu blogs na internet e foi para a rua observar os hábitos das pessoas quanto ao descarte de lixo. “Entramos em contato com outras situações, muito além do que é estabelecido na escola. No meu projeto, por exemplo, concluí que parte das pessoas não sabe descartar o lixo de forma adequada. Nos locais que visitei não é comum reciclar”, disse. Todas as impressões foram passadas para o papel. A tarefa de redigir o relatório final contou com a orientação do professor de geografia Luiz Henrique Aguilar. Em sala de aula, o educador ensinou os passos para dominar a linguagem acadêmica e estruturar o trabalho segundo as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “A experiência fez com que eles aprimorassem a escrita e o senso crítico, objetivos principais do projeto Critice. O exercício
fez com que eles aprendessem a escrever seus próprios textos”, conta o professor, que também
o idealizador do projeto.

» Contato com a academia

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolve um programa de iniciação científica júnior para integrar estudantes de ensino médio de escolas públicas em atividades de pesquisa sob a orientação de professores ou pesquisadores com vínculo empregatício com a Unicamp. O projeto tem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Entre os objetivos estão despertar jovens talentos para as áreas de pesquisa científica, envolvendo o aluno com os desafios atuais da ciência e com a metodologia do trabalho científico e oferecer aos docentes, estudantes de graduação e pós-graduação da universidade a oportunidade de interagir com o ensino médio, possibilitando a oportunidade de praticar diferentes maneiras de transmissão do conhecimento aos alunos.

Fontes: CNPq, Secretaria de Estado de Educação de São Paulo e Unicamp

Palavra de especialista
Carla Taís Dias Mendes, nutricionista, pós-graduada em gestão da qualidade em serviços de alimentação

Criações interessantes

“Todos os aplicativos propostos pelos alunos do Cotemig são novidades. O sistema de compras, por exemplo, parece ser bem significativo, principalmente em se tratando de crianças e jovens no ambiente escolar. No entanto, pais e moderadores necessitariam ter total conhecimento da dieta, com acompanhamento de um nutricionista, inclusive para liberar com responsabilidade certos "abusos" quando se trata do público infantil. Quanto ao aplicativo voltado para diabéticos, acho válido por ser personalizado, com todos os dados sendo colocados pelo usuário. Diabetes é muito pessoal e toda a dieta é traçada de acordo com o gasto energético, estilo de vida, inclusive a medicação, insulina e seus horários. Resumindo, se não fosse personalizado não valeria absolutamente nada, mas como é, a iniciativa é excepcional por parte do grupo. Por fim, sobre o Foconutri, o nutricionista, com a anamnese e todos os dados do paciente em mãos, e este alimentando o portal com  os dados de sua alimentação 24 horas, teriam uma relação mais estreita. Seria uma agenda on-line, onde ambos estariam cientes do que está sendo feito. Assim, as correções e dicas ganhariam mais agilidade, não dependendo de consultas mensais para isso.” 

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