sábado, 25 de janeiro de 2014

Poesia solta no ar‏ - Ailton Magioli

Poesia solta no ar
 
A poeta curitibana Alice Ruiz participa, amanhã, de sarau literário em Belo Horizonte. Escritora defende a ampliação da literatura, em diálogo com os códigos sonoro e visual



Ailton Magioli
Estado de Minas: 25/01/2014


A poeta Alice Ruiz é conhecida por suas parcerias com os compositores Itamar Assumpção, Chico César e  Alzira Espíndola (Rogério Alonso/Divulgação )
A poeta Alice Ruiz é conhecida por suas parcerias com os compositores Itamar Assumpção, Chico César e Alzira Espíndola


Espalhar a poesia em outros veículos além do livro. A proposta é de Alice Ruiz, que vê em paredes, muros, utensílios, camisetas e pontos de ônibus espaços adequados para veicular a arte que produz. “Assim, mesmo quem não pode comprar livros, pode ler/ver/ouvir/viver poesia”, justifica a poeta curitibana, cuja própria manifestação mantém ritmo adequado à prática dos versos.

Artista convidada do Sarau do Memorial, em sessão dupla amanhã, no Memorial Minas Gerais Vale, na Praça da Liberdade, Alice diz que gosta “muito, muito mesmo”, de ler/declamar os próprios poemas. “Quando se ouve a obra na voz de quem a escreveu, percebe-se muito mais nitidamente as nuances do texto, mesmo que a pessoa não tenha lá grandes dons vocais”, afirma. Ela lembra que tem – e gosta de escutar – discos de vários poetas lendo os próprios textos.

“O do Mário Quintana, por exemplo: ele já estava com bastante idade quando gravou e há grandes pausas, alguma rouquidão e até falta o ar às vezes. Mas tudo isso se incorpora ao significado e sentimento dele, que é imenso”, elogia Alice Ruiz. Com mais de 20 livros publicados, a poeta diz que tem sentido uma nova linguagem no ar. “Tenho gostado de muitos autores novos, mas sou só poeta, não sou crítica e nem me arvoro a ser. Então, não me sinto no direito de avaliar a criação”, avisa.

Alice tem participado de vários projetos que mostram possibilidades de ampliar a relação da poesia com outras artes. “Aí também dependo dos parceiros, pois não domino nenhuma dessas tecnologias. A iniciativa é sempre deles, mas acho perfeito esse namoro da poesia com outras artes. Até porque, é mesmo da natureza da poesia se relacionar com outros códigos, como o visual e o sonoro”, acrescenta.

Para ela, é difícil dizer quando a literatura, sobretudo a poesia, entrou em sua vida. “Mesmo não tendo livros em casa, quando era menina sempre fui apaixonada pela palavra. Então, quando me defrontei com a primeira biblioteca, já na pré-adolescência, fiquei totalmente tomada por aquilo. Foi um deslumbramento”, recorda. Alice repara, no entanto, que naquela época não havia nada de poesia em sua vida. “Achava que não gostava de poesia, porque não entendia muito bem aquela que era ensinada em sala de aula.”

ZEN-BUDISMO O haicai, formato de poema japonês que se tornou uma das formas de expressão mais conhecidas da artista, vem da ligação com a natureza. “É nela que me recolho para recuperar as energias. E muito cedo comecei a escrever pequenas observações sobre a natureza, mas não sabia o que era aquilo e nem pretendia que fosse poesia. Só aos 22 anos, quando li o primeiro livro de haicai, é que me dei conta de que aquilo que eu escrevia era muito parecido com essa forma”, salienta.

Desde então, Alice Ruiz diz que começou a ler tudo, inclusive sobre o zen-budismo, pois o haicai pode ser considerado uma prática zen. “E para aprender mais profundamente essa forma comecei a traduzir. Depois a ensinar e, por fim, a dar oficinas. Estou sempre sendo provocada a criar, o que faz que essa seja minha maior produção. Mas não abro mão dos poemas maiores e nem das letras de música”, conta.

Em seu processo de composição na área da música popular, Alice admite ser muito raro ela colocar letra em melodia. “O que mais ocorre é o contrário, alguém musicar o que escrevo. Ou, em alguns momentos abençoados, acontece de compor junto, que é o jeito que mais gosto”, revela. “Faço questão de que minhas letras sejam poéticas, ou seja, que assim como nos poemas, tenham uma ideia significativa, muita verdade e trama na linguagem.”

A letra de canção, repara Alice Ruiz, precisa ser rimada, estar dentro da métrica e ser mais coloquial. “Tem que fluir como uma fala. E nisso ela é diferente da poesia para o papel, que nos permite mais tempo de reflexão para assimilar. Acho que a principal diferença está no tempo das duas formas, porque se a letra não pegar imediatamente, dificilmente ela vai pegar”, conclui.


ALICE RUIZ – SARAU DO MEMORIAL

Amanhã, às 11h e às 13h, na Casa da Ópera do Memorial Minas Gerais Vale, Praça da Liberdade, s/nº, esquina de Rua Gonçalves Dias, Funcionários. Classificação livre. Entrada franca mediante retirada de um par de convites por pessoa. Capacidade do espaço: 30 lugares. Informações: (31) 3308-4000.




HAICAIS INÉDITOS DE ALICE RUIZ

tempo de seca
enfeitando janelas
sempre viva

***

balança ao vento
o trevo de quatro folhas
suas três flores

***

canto claro
corta a tarde
pássaro preto

***

que fantasia vestem
quando tocadas pelo vento
as roupas no varal?

***

canto de pássaro
atravessa a madrugada
até acordar o dia



PALAVRA DE POETA
GÊNERO
“Arte não tem gênero. O aspecto da inspiração parece um estado atribuído ao feminino e o aspecto da elaboração parece um estado atribuído ao masculino. Então, talvez quem faz arte tenha uma sensibilidade andrógina. Leio homens e mulheres, na prosa e no verso.”

CONTRACULTURA
“Como a literatura reflete muito uma época e as coisas mudaram muito de lá pra cá, ficaram e ficam os daquela geração que estão produzindo hoje e retratando esse novo estado de coisas. Mas mantendo algumas conquistas, como a coloquialidade em uns casos, a brevidade em outros, e ainda o compromisso com a linguagem.”

LEMINSKI
“Acho que a poesia e a prosa dele (com exceção do Catatau) sempre foram de fácil acesso para o público, mas ele escrevia para o futuro e o futuro dele chegou. Quem sabe ainda chegará o momento do Catatau, livro mais experimental que escreveu.”

O público e o privado

Ailton Magioli

Biografia de Paulo Leminski está sendo contestada pela família (João Urban/Divulgação)
Biografia de Paulo Leminski está sendo contestada pela família

Viúva do poeta Paulo Leminski (1944-1989), Alice Ruiz conta que foi por iniciativa dela que o jornalista Toninho Vaz escreveu a biografia Paulo Leminski – O bandido que falava latim (Editora Record), que recentemente foi contestada pela família, que vem impedindo nova edição do livro. “Achei que ele, como jornalista, ex-poeta e pessoa que nos frequentava, poderia traçar um perfil do Paulo. Para isso o assessorei por dois anos, enquanto ele escrevia, e dei uma entrevista a ele que rendeu 120 laudas transcritas. Mas no final ele escolheu apimentar temas controversos, que trouxessem mais sucesso comercial ao livro, em detrimento do seu próprio biografado”, critica.

Alice se sente incomodada em meio à polêmica sobre a necessidade de autorização para realização de biografias. Mas defende sua posição. “Sou da geração que foi vítima da censura e tenho horror a ela. Mas, também por ser uma pessoa pública e viúva de uma pessoa pública, conheço bem de perto o que é ter sua privacidade invadida.” Sobre a recusa da família em autorizar a reedição, explica: “Não nos sentimos confortáveis de assinar embaixo. No mínimo, não autorizamos o uso dos textos do Paulo Leminski no livro, e eles são muitos. Mas essa é uma questão complicada, porque coloca direitos importantes em conflito”, pondera.

Nenhum comentário:

Postar um comentário