sábado, 18 de janeiro de 2014

ENTREVISTA/SHANE SALERNO » Sem retoques‏

ENTREVISTA/SHANE SALERNO » Sem retoques Biógrafo e autor do documentário Salinger quis revelar um homem real, com qualidades e defeitos 
 
Mariana Peixoto
Estado de Minas: 18/01/2014


 (Jim Spellman/WireImage)

Aos 41 anos, Shane Salerno traz um currículo respeitável no circo de Hollywood. Com apenas 24 anos, escreveu o roteiro de Armageddon, filme-catástrofe de Michael Bay que se tornou a maior bilheteria de 1998. No cinema e na televisão, esteve envolvido em outros projetos vencedores, seja como produtor ou roteirista: a série Hawaii Five-0 e o longa Selvagens, de Oliver Stone, estão entre os mais recentes. Em agosto, James Cameron anunciou três sequências do blockbuster Avatar. Salerno foi escolhido para escrever a última delas, com lançamento previsto para 2018. Mas nenhum desses produtos envolveu tanto o escritor de Memphis quanto seu projeto pessoal, que lhe tomou nove anos e US$ 2 milhões. Salinger, filme e livro que chegam agora ao Brasil, são resultado da paixão de Salerno por uma obra que o arrebatou na infância. Dono de uma biblioteca de 15 mil volumes, o escritor, roteirista e agora documentarista retornava, a cada quatro anos, ao clássico O apanhador no campo de centeio. Com os dois projetos complementares, Salerno trouxe à tona a história de Salinger. “Não um recluso como muitos acharam, apenas um homem muito reservado e um grande observador das pessoas e do mundo”, como afirma em entrevista ao Pensar.


Como começou a paixão por Salinger?
Quando tinha 9, 10 anos, minha mãe me deu O apanhador... e disse: ‘Está na hora de você ler esse livro’. Fiquei completamente arrebatado, era como se aquele autor tivesse roubado as ideias que eu tinha na cabeça. Pouco depois li todos os outros livros de Salinger até que perguntei para minha mãe: ‘Agora que acabei, quero mais. Quando conseguimos um novo livro?’. Ela disse: ‘Não há mais nenhum’. ‘Ele morreu?’, continuei. Daí ela começou a me contar a história daquele homem misterioso que teve o mundo a seus pés e disse simplesmente: ‘Não, obrigado’, virou as costas e foi embora. Não pensei mais naquilo por muito tempo até que 11 anos atrás encontrei numa livraria o livro de Paul Alexander (Salinger, uma biografia). Vi ali que não sabia nada sobre o homem que participou do Dia D; que perdeu o amor de sua vida para Charlie Chaplin; que esteve internado num sanatório; que encontrou sua primeira mulher, uma alemã, em circunstâncias misteriosas. Era uma vida muito fascinante da qual eu não sabia nada.

Vocês entrevistaram cerca de 200 pessoas. Como foi lidar com tanto material na hora de editar o filme e escrever a biografia?
Essa foi uma das razões pelas quais o projeto levou quase 10 anos e US$ 2 milhões. A pesquisa que fizemos foi absolutamente notável, tanto que livro e filme são diferentes e complementares. Não havia nenhuma foto de Salinger na guerra; encontramos várias. Não havia foto dele escrevendo O apanhador...; encontramos apenas uma. Seus registros militares tinham sido dados como perdidos; nós os encontramos. Não havia foto de sua primeira mulher, a espiã alemã. Encontramos imagens até do dia do casamento. Pessoas que nunca haviam falado contaram suas histórias pela primeira vez em 65 anos.

Houve pessoas difíceis de serem convencidas a participar do projeto?
Jean Miller (que foi namorada do escritor) nos levou mais de um ano. Ela nunca havia aparecido em nenhum livro ou artigo sobre Salinger, porque havia prometido a si própria que nunca falaria sobre ele enquanto o escritor estivesse vivo. Tivemos que esperá-la, estabelecer uma relação de confiança.

Como vocês chegaram à descoberta do conteúdo do baú de inéditos de Salinger? O leitor vai se surpreender muito com o que vem por aí?
Isso levou um bom número de anos. Tivemos que estabelecer relações com essas pessoas, muitas delas se recusaram a falar na frente das câmeras. Realmente acho que só vimos uma pequena porção da produção dele. Não há dúvida de que ele continuou escrevendo por 45 anos, houve várias testemunhas disso. E ficamos excitados de encontrar respostas para essas pessoas.

A ligação d’O apanhador... com o assassinato de John Lennon e outros atentados ainda é um tabu. Como foi trabalhar com essa situação?
Muito complicado, porque não existe na história outro romance que tenha sido associado a uma série de crimes. O apanhador... foi lido e carregado pelos criminosos quando cometeram seus atos. Fomos criticados por incluir isso, o que para nós era essencial, pois representa também uma maneira de compreender Salinger e até a forma como ele reagiu. Pouco antes do assassinato de John Lennon, por exemplo, houve uma conversa de que voltaria a publicar.

A crise de valores apontada por Salinger parece ter se cumprido como um pesadelo: consumismo, materialismo, cultura da celebridade, espionagem e guerras sem fim. Ele se tornou uma espécie de profeta de nossos defeitos morais?
Acho que ele conseguiu enxergar para onde o mundo estava indo. Salinger era um grande observador das pessoas e do mundo. Muitos acreditam que ele tenha sido um recluso. Não o foi, de maneira alguma. Recluso foi Howard Hughes. Um recluso não viaja o mundo e Salinger sempre esteve muito presente, ele só era uma pessoa muito reservada. E isso ocorria porque ele era obcecado por garotas jovens. Não estou dizendo algum ruim a respeito dele, apenas a verdade sobre aquela pessoa. Não é um julgamento, somente uma apresentação. Temos a obrigação de contar a verdadeira e completa história. Dessa maneira, mostramos tanto coisas positivas quanto negativas. Cinco meses depois do lançamento do documentário e do livro nos Estados Unidos não houve uma pessoa sequer que tenha feito alguma afirmativa de que mostramos alguma coisa errada. Há gente que pode dizer que não deveríamos ter tratado certos assuntos, mas isso não é dizer que está errado. Tínhamos que fazer um perfil completo de Salinger, não poderíamos fingir que ele foi um ser humano perfeito.



SALINGER...

...na música

Bandas menos e mais conhecidas utilizaram Salinger e sua principal obra como inspiração. Chinese democracy (2008), mais recente álbum do Guns n’Roses, tem uma faixa com o título Catcher in the rye. A letra cita inclusive versos de Comin’Thro the rye, poema de Robert Burns de onde Salinger tirou o título de seu romance. Já o Green Day, em seu segundo álbum, Kerplunk (1992), gravou Who wrote Holden Caulfield? (Quem escreveu Holden Caulfield?).

Banda de pop-punk, The Ataris gravou, em 2001, a canção If you really wanna hear about it... (Se você realmente quer ouvir sobre isso), a frase inicial d’O apanhador. Mais obscura, a banda The Winona Ryders lançou um único álbum, J. D. Salinger (1995), cuja capa é uma cópia da versão clássica, vermelha, da edição norte-americana do romance. Francesa, a banda Indochine, com sotaque new wave, fez sua homenagem na canção Des fleurs pour Salinger (Flores para Salinger).

...no cinema
Algumas das histórias de Salinger foram adaptados para o cinema. A maioria delas são produções em curta-metragem pouco conhecidas, como The catcher (2001), que conta a história de Holden Caulfield. A primeira vez que Salinger foi ao cinema foi em 1949 (dois anos antes da publicação d’O apanhador...) com o longa Meu maior amor, adaptação de um conto dele.No entanto, O apanhador... já foi citado muitas vezes pelo cinema contemporâneo. O personagem de Mel Gibson não lê o livro, mas coleciona edições do romance em Teoria da conspiração (1997). Lançado 10 anos mais tarde, Capítulo 27 traz Jared Leto como Mark Chapman, o assassino de John Lennon (o livro pelo qual o criminoso era obcecado tem 26 capítulos).

Em Por um sentido na vida (2002) Jake Gyllenhaal interpreta um jovem que está sempre lendo O apanhador... O nome do personagem? Holden. O protagonista de Salinger também dá nome ao filme Chasing Holden (2003), produção independente (a tradução literal é Perseguindo Holden). O protagonista é também um jovem que decide embarcar com a namorada para uma viagem a Nova York e tentar encontrar J.D. Salinger.



AFINIDADES ELETIVAS

. Joca Reiners Terron
. escritor e editor
Profundidade
“Li O apanhador... aos 23 anos e aquele ambiente de escola de rico não me pegou. Alguns anos depois fui ler Nove estórias e fiquei totalmente siderado. Os contos são muito superiores, tanto que acredito que a forma que O apanhador... é estruturada é como um romance de um escritor de contos. Cada capítulo tem um significado. O que gosto muito no Salinger é que ele tenta criar um mundo. Os personagens vêm e vão, às vezes estão em primeiro plano, às vezes em segundo, e o leitor vai descobrindo assim detalhes das características deles. Como contista, ele tem profundidade, uma tradição norte-americana que o conto brasileiro não conseguiu atingir. A nossa é a tradição do conto breve, mais sintético.”


. Luiz Brás
. escritor
Liberdade
“Arriscaria dizer que O apanhador... marcou a minha geração, aquela que começou a escrever nos anos 1990. Concordo que é um romance mais forte na adolescência, fui ler somente aos 30 anos. Mesmo assim fiquei encantadíssimo, principalmente com a liberdade que o romance promove. Depois li os contos, mas não fiquei muito impressionado com eles. Acho que está na hora de reler Salinger.”


. Ana Paula Maia
. escritora
Guia
“A leitura d’O apanhador... foi decisiva para que eu escrevesse meu primeiro romance, O habitante das falhas subterrâneas (2003). Antes dele, só havia lido a literatura do século 19, e logo me identifiquei com a linguagem do Salinger, muito diferente do que eu conhecia. Tanto que o livro acabou se tornando um guia para o que eu queria escrever (o romance trata de três dias na vida de um adolescente de 17 anos). Mas a influência morreu aí. Hoje estou no meu quinto livro, e minha literatura não tem absolutamente nada a ver com Salinger.”


. Miguel Sanches Neto
. professor de literatura e escritor
Excessivo
“Sou um discípulo de Dalton Trevisan, que tem o Salinger como uma espécie de deus. Tanto que ele recomendava para as filhas que lessem O apanhador... todo ano. Acabei, de alguma forma, sendo influenciado por Salinger. Não li O apanhador... na adolescência, foi somente mais tarde. Recentemente tentei relê-lo mas não consegui. Aos 50 anos, achei o livro um pouco excessivo. Mas gosto muito tanto do Nove estórias quanto do Franny e Zooey, livros que reli com muita emoção.”


. Marçal Aquino
. escritor e roteirista
Excelência
“Não sinto no que escrevo qualquer influência do Salinger, mas ele é dono de uma das literaturas a que sempre volto. Recentemente, dei para dois amigos Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira, livro de muita importância. A verdade é que li Salinger na idade errada. Todo o mundo fala d’O apanhador... na adolescência, só fui lê-lo aos 25 anos. Não gostei do livro, fiquei esperando que acontecesse alguma coisa, achei chato. Se tivesse lido aos 16, poderia ter mudado a minha vida. Por sorte li depois o Nove estórias. Aquilo é espetacular, tem um grau de excelência. Se você quiser saber o que é um conto, leia esse livro.” 

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