sábado, 18 de janeiro de 2014

Novo Canal do Panamá em crise - Vitor Gomes Pinto

Novo Canal do Panamá em crise 
 
Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional

Estado de Minas: 18/01/2014


A primeira vez em que visitei o Canal do Panamá para apreciar o espetáculo das eclusas fazendo subir e descer os enormes barcos que trafegavam entre o Atlântico e o Pacífico, a administração ainda era norte-americana e o restaurante, que recebia em primeira mão insumos de todos os recantos do mundo, oferecia jantares inesquecíveis. O país abandonou a Gran Colombia e ganhou independência em 1903, quando iniciou a construção do canal de 81 quilômetros de extensão que só foi transferido para a administração nacional em 1999 no governo de Mireya Moscoso. No século 19 o projeto francês comandado por Ferdinand de Lesseps (que construíra o Canal de Suez) fracassou após 22 mil óbitos causados pela febre amarela, malária e outras doenças tropicais. Como recorda o mais conceituado especialista brasileiro em saúde e segurança do trabalho, professor René Mendes (prestou assessoria inicial às obras do novo Canal), foi graças a William Gorgas – logo viria a presidir a Academia Americana de Medicina –  que na inauguração do Canal em 1914 o “pior foco de pestilências do mundo” se havia transformado em uma região extremamente saudável.

Pouco menos de 100 anos mais tarde o fluxo do comércio internacional por essa via chegou ao ponto de saturação e a licitação para abertura de um novo canal, paralelo ao original, foi ganha pelo consórcio liderado pela empresa espanhola Sacys Villahermosa com um lance de US$ 3,12 bilhões, inferior até mesmo à cotação mínima do edital, que era de US$ 3,48 bilhões, e superando em US$ 1 bilhão as propostas dos concorrentes, entre os quais o Consórcio FBC, constituído por empresas brasileiras, francesas e chinesas. À época o primeiro ministro espanhol José Zapatero interferiu, forçando a concessão para a Sacys, que agora, ao iniciar as escavações para a gigantesca terceira eclusa (orçada em US$ 3,2 bi), ameaça paralisar toda a obra a partir do final deste mês, caso não receba mais US$ 1,6 bi, sob a alegação de falhas geológicas e despesas extraordinárias. Como um aumento de 50% nos custos não tem outra justificativa que não a imprevidência ou esperteza dos construtores, fizeram-se tentativas infrutíferas de subcontratar um pool de empreiteiras menores, afora as ameaças de submeter o caso à Corte Internacional. No momento, o cenário é de desespero e não só no Panamá. As novas eclusas, permitindo a passagem de navios post-Panamax com até 13 mil TEU (unidade equivalente a 20 pés que é o comprimento médio de um contêiner) contra as atuais 5 mil, são uma revolução no mercado marítimo do lado do Atlântico e os portos que pretendem ser terminais concentradores de carga estão trabalhando a pleno vapor. É o caso da dragagem da baía de Miami para aprofundá-la e das reformas nos portos americanos de Norfolk, Nova York, Baltimore, Charleston, Jacksonville, Savannah. O mesmo se faz na Colômbia, Bahamas, Costa Rica, Jamaica, El Salvador, República Dominicana e até em Cuba. A interrupção das obras pela Sacys seria um desastre econômico impressionante.

 O Brasil também poderá ser grandemente beneficiado, caso faça o dever de casa, ou seja, habilite rotas de transporte e locais de transbordo conectando a Região Norte ao novo canal panamenho. Há que reformar os portos de Itaqui no Maranhão (o Ibama concedeu em novembro a licença), Pecém no Ceará, Suape em Pernambuco e Vila do Conde no Pará, ademais de tornar operacionais as ferrovias Norte-Sul, que chegou só a Palmas, e Transoceânica e a BR-163 (3.467 km ligando Tenente Portela/ RS a Santarém/PA, dos quais 1 mil quilômetros ainda em terra batida). Os atrasos e a precariedade geral tiram competitividade do Brasil, ao menos no médio prazo. Ultimamente, as únicas notícias que por aqui circularam a respeito do Panamá foram as referentes à empresa fantasma de consultoria do ex-ministro José Dirceu.

 Por fora corre o megaprojeto do canal três vezes maior da Nicarágua (286 km de extensão ao custo de US$ 40 bilhões – quatro vezes o PIB nicaraguense), já aprovado pelo Congresso Nacional. Correram mundo as imagens do presidente sandinista Daniel Ortega sorridente apertando a mão do bilionário e magnata das comunicações chinês Wang Jing ao assinarem o termo de previsão de início das escavações para dezembro. O contrato prevê a concessão da exploração à empresa de Jing, a HKND, com sede em Hong Kong, por até 100 anos. Embora o governo chinês não esteja diretamente envolvido, é certo que obterá enorme vantagem competitiva, considerando que o país acaba de se tornar o líder mundial em comércio exterior e que já é, ao lado dos Estados Unidos, o principal cliente do Canal do Panamá.2

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