domingo, 11 de novembro de 2012

CASO BRUNO » Fora do tribunal, o jogo já começou-Landercy Hemerson‏

Ofensiva do Ministério Público e posicionamento da defesa do goleiro e demais réus deixam claro que jogadas para ganhar opinião pública tiveram início muito antes do enfrentamento diante do corpo de jurados. Saiba como será o júri que promete entrar para a história e por que a Justiça de Minas se inspira no julgamento do casal Nardoni, em São Paulo, para se preparar 

Landercy Hemerson
Estado de Minas: 11/11/2012 
O início do julgamento do goleiro Bruno Fernandes de Souza e dos demais quatro acusados da morte de Eliza Silva Samudio, um dos júris mais aguardados da história da Justiça mineira, só está previsto para o dia 19, mas o embate entre defesa e acusação começou muito antes, não diante do corpo de jurados, mas de toda a opinião pública. Um dia depois de o promotor Henry Wagner Vasconcelos de Castro anunciar que a principal testemunha do caso foi dispensada, fato confirmado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o advogado Rui Pimenta ameaça recorrer para garantir o depoimento do rapaz – o primo do goleiro que relatou detalhes do sequestro da ex-namorada de Bruno. “Esse jovem, quando menor, denunciou um crime com requintes de crueldade, que não existiu. A dispensa dessa testemunha beneficia a acusação”, alega Pimenta, já antecipando que mudará a estratégia e passará a negar o assassinato da jovem. 

O defensor do goleiro afirmou que vai entrar com recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para garantir o depoimento de J. L. L. R., hoje com 19 anos, que contou em detalhes como sequestrou Eliza e a levou para o cativeiro e para a morte. “Se ele contou tal versão e depois desmentiu tudo perante o juiz, é claro que é uma peça importante para inocentar meu cliente”, disse o advogado. Já Francisco Simim, advogado de Dayanne do Carmo, ex-mulher do jogador, disse que desistiu de entrar com recurso para adiar o julgamento. Estratégias, pressões, avanços e recuos à parte, o fato é que o Fórum de Contagem e todos os envolvidos já se preparam para o julgamento que promete entrar para a história da Justiça brasileira.

Segundo o promotor Henry Wagner de Castro, o jovem J.L., incluído em setembro no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCaam), manifestou o desejo de não ser ouvido no julgamento. O documento com a decisão do rapaz foi recebido na quinta-feira pela promotoria. “J. L. está sendo ameaçado. Não é por Eliza, porque ela está morta, nem por Bruninho (filho dela), que é apenas uma criança”, ironizou o representante do MP.

Já Francisco Simim e Pimenta devem levar ao júri uma tese que promete tumultuar ainda mais o já confuso caso Bruno: a de que Eliza Samudio não morreu e está no Leste Europeu. Ideia que contradiz o que o próprio Rui Pimenta inicialmente anunciou, quando admitiu o assassinato, apesar de negar que seu cliente tivesse conhecimento dele. “Houve um erro de avaliação mas, conhecendo melhor os autos, estou certo de que não houve tal crime. Se antes alguns indícios sugeriam uma trama de assassinato, do qual meu cliente não tinha qualquer conhecimento, tenho, agora, convicção de que não houve o tal homicídio e que o depoimento de J. L. é fundamental para provarmos isso”, justificou o defensor de Bruno.

Se os advogados do goleiro e da ex-mulher dele estão afinados, o mesmo não ocorre em relação à defesa dos outros três envolvidos que serão levados a júri. Os advogados de Luiz Henrique Romão, o Macarrão, amigo e funcionário de Bruno, do ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, e de Fernanda Gomes, ex-namorada do jogador, formam um bloco próximo a Ércio Quaresma, que incialmente esteve à frente da defesa do próprio Bruno. 

A recente vitória do grupo, ao absolver Bola da acusação de um outro homicídio, deu força para que o grupo de Quaresma vislumbre a possibilidade de agir para destituir Pimenta e Simim da defesa de Bruno e Dayanne. Porém, qualquer pedido nesse sentido tem que partir dos réus. Por isso os próximos dias podem ser de puro assédio a eles, e de “tiroteiro” contra a acusação e a juíza Marixa Fabiane.

Para o advogado e mestre em ciências penais Warley Belo, a mobilização dos advogados deve ser considerada sob o ponto de vista da busca da proteção do réu e não interpretada como um conjunto de manobras para prejudicar o processo. A legislação, destaca ele, garante o direito de ampla defesa. “É uma garantia constitucional.”


Adaptação da arena de Contagem



Várias reuniões têm sido feitas entre assessores do TJMG e a equipe da juíza Marixa Fabiane para preparar o julgamento no fórum de Contagem. Os protestos da defesa dos cinco réus com relação à realização do júri do caso Bruno na cidade da Grande BH não foram capazes de mudar o endereço do julgamento. “A juíza viu dificuldades em levar toda a sua equipe para outro local, sem prejudicar o andamento dos trabalhos de rotina”, revelou uma assessora.

Definido o palco do julgamento, a preocupação com a melhoria do espaço físico se tornou prioridade. Obras para ampliação da rede elétrica, manutenção do ar-condicionado e até vedação de goteiras, entre outras, estão em fase final. No auditório com capacidade para 100 pessoas, foram destinados 42 lugares a órgãos de imprensa. Cada réu poderá ter dois familiares na plateia, num total de 10 pessoas. Os demais lugares serão destinados ao público em geral. Senhas serão distribuídas por ordem de chegada. Há ainda detalhes em estudo, como instalação de um telão. 

“A juíza Marixa Fabiane tem demonstrado especial preocupação em evitar que esse caso ganhe ar de espetáculo. Ela está empenhada em realizar o júri como os tantos outros que fazem parte de sua rotina de presidente do Tribunal do Júri de Contagem”, explicou um assessor. Por esse motivo, Marixa teria inclusive vetado a proposta de transmissão do julgamento por uma emissora de televisão oficial do sistema judiciário. 

Entenda o caso


De acordo com a denúncia do Ministério Público, em 4 de junho de 2010, Macarrão e um primo de Bruno sequestraram Eliza e o filho dela com o goleiro Bruno, a agrediram e a levaram com o bebê para a casa do goleiro no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. No dia seguinte, Eliza e a criança foram levadas para Contagem, na Grande BH, e depois para o sítio do goleiro, em Esmeraldas, também na região metropolitana, onde teria sido mantida em cativeiro até ser morta, em 10 de junho. O homicídio teria ocorrido à noite, em Vespasiano, no imóvel do ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, que teria estrangulado a vítima. O ex-policial também teria sumido com o corpo. Sempre segundo a denúncia, o filho de Eliza foi levado de volta ao sítio. Lá, Bruno, Macarrão, Sérgio Sales e o adolescente queimaram a mala e as roupas da vítima. Os acusados foram para Ribeirão das Neves e de lá para o Rio de Janeiro, em um ônibus que transportava o time mantido por Bruno. Dayanne, ex-mulher do goleiro, ficou com o bebê no sítio. Em 18 de junho, ela viajou e deixou a criança com Elenilson da Silva, caseiro do sítio, e Wemerson Souza, amigo de Bruno. O garoto foi entregue para uma mulher, que o repassou para outra. O bebê foi localizado pela polícia depois da denúncia da morte de Eliza. Todos os envolvidos foram presos e denunciados à Justiça. Atualmente, apenas Bruno, Macarrão e Bola aguardam o julgamento presos.

Caso Isabella será usado como modelo 
Publicação: 11/11/2012 04:00

Os procedimentos adotados no júri do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, acusado de matar a filha de Alexandre, Isabella, em março de 2010, em São Paulo, estão servindo de modelo para as equipes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais planejarem a atuação no caso Bruno. Uma espécie de cartilha, que destaca erros e acertos do episódio, foi montada para ser estudada, revelou uma assessora do TJ mineiro. No júri dos Nardonis, além do grande esquema para cobertura jornalística, houve aglomeração diante do fórum de Santana, Zona Norte da capital paulista. Durante cinco dias, de 24 testemunhas convocadas, sete prestaram depoimento. Os jurados decidiram pela culpa dos dois por homicídio triplamente qualificado e fraude processual. Ele foi sentenciado a 31 anos de prisão. Ela, a 27.

No julgamento do caso Bruno, a previsão é de pelo menos duas semanas de duração. Serão 30 testemunhas para prestar depoimento, cinco de cada réu e cinco da acusação. Isso porque foi negada petição em que a advogada de Fernanda Gomes solicitou que as nove testemunhas favoráveis à sua cliente fossem ouvidas.

A estrutura do julgamento segue o determinado pela Lei 11.689, de 9 de junho de 2008, relativa ao tribunal do júri. Aberta a sessão, a juíza Marixa Fabiane fará a chamada dos 25 jurados escolhidos do mês. São representantes de várias camadas sociais, que se inscreveram para integrar a lista anual de jurados e participarão de sorteio que vai selecionar os sete integrantes do corpo de sentença. A cada escolha, Ministério Público e a defesa podem recusar o jurado, sem ter que dar explicações. O número de recusas será de três para a acusação e três para a defesa de cada um dos réus. Com isso, pode-se chegar ao total de 18 recusas.

Definido o conselho de sentença, há a possibilidade de leitura das peças, para melhor compreensão do caso pelos jurados. Até a sexta-feira, o processo já somava 59 volumes, com mais de 12 mil páginas. Se dispensada a leitura, a sessão segue com os depoimentos.

INFORMANTES No julgamento, os delegados da Polícia Civil Edson Moreira e Alessandra Wilke, que coordenaram os trabalhos na fase do inquérito policial, foram chamados como informantes. É possível que os dois sejam os primeiros a serem ouvidos, para que não precisem ficar à disposição do júri por vários dias.

As testemunhas são ouvidas antes dos acusados. Depois do começo da sessão, elas ficam isoladas em salas próprias no fórum. Se suspensa a sessão, assim como os jurados, aquelas que ainda não prestaram depoimento serão encaminhadas a um hotel, onde ficam incomunicáveis. Não há um período determinado para que uma testemunha seja ouvida. Iniciada, a oitiva não pode ser suspensa. Uma testemunha pode ser dispensada, pela acusação ou pela defesa, mas não pode se recusar a depor, nem faltar ao julgamento. 

Os réus só serão interrogados na fase seguinte. Acredita-se que esse processo tenha início no fim da primeira semana do julgamento ou no começo da seguinte. Os cinco acusados, diante da juíza, devem responder às perguntas dela, da acusação ou da defesa. Terminado interrogatório, segue o debate oral, que para muitos, principalmente estudantes de direito, revela um dos momentos mais dinâmicos do júri, e deve consumir nada menos que 14 horas de sessão.

Três perguntas para... 
MAURÍCIO FOSSEN, JUIZ DO CASO ISABELLA NARDONI
Publicação: 11/11/2012 04:00
1) Em júris de grande repercussão há o risco de prejulgamento com base na superexposição do caso?
 

A exposição do caso na mídia não gera, por si só, um prejulgamento. Vai depender da forma como a imprensa divulga as notícias sobre o caso: se de forma isenta, ou se tende a interpretar informações para incutir na população um sentimento favorável ou desfavorável ao acusado. De qualquer forma, trata-se de um caso que envolve pessoas famosas ou que, por algum motivo, chama a atenção da sociedade, e a divulgação das notícias constitui um direito da população, como corolário do direito constitucional à informação e à liberdade de imprensa. Qualquer restrição imotivada, simplesmente porque o juiz "acha" que essa divulgação pode influenciar no resultado do julgamento, constitui cerceamento da atividade jornalística, o que, num regime democrático de direito como o nosso, não tem como ser admitido. Por óbvio, o juiz pode, e deve, fazer respeitar o direito à inviolabilidade da intimidade do acusado e dos demais envolvidos no julgamento (jurados, testemunhas etc.), em relação aos aspectos voltados a suas vidas privadas, sob pena de, aí sim, vir a expô-los de forma indevida. 


2) Qual o maior desafio ao presidir júris de grande repercussão?

Talvez o grande desafio seja exatamente o de tentar conciliar o direito à informação a que a população tem direito com os limites que o juiz deve observar para preservar os direitos das partes e demais pessoas envolvidas, sem que, com isso, venha a cercear a liberdade de imprensa e o exercício da atividade jornalística. 


3) O Código Processual atende o amplo direito à defesa ou está carente de aperfeiçoamento? 

Essa pergunta nunca encontrará uma resposta única ou certa. Há alguns operadores do direito que consideram o tribunal do júri a forma mais justa de julgamento. Outros entendem que se trata de um procedimento ultrapassado, que deveria ser expurgado de nossa legislação. De qualquer forma, os direitos básicos das pessoas estão assegurados pela Constituição Federal, a qual permite interpretar a legislação processual segundo os princípios ali contidos, notadamente os direitos ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. Mais do que reformas legislativas, a população precisa começar a tomar consciência da necessidade de creditar o devido valor à atuação do Poder Judiciário e passar a exigir que o Poder Executivo lhe destine verbas mais condizentes com a importância desse poder da República, de forma que possa prestar um serviço de melhor qualidade à população. A independência financeira entre os poderes, prevista na Constituição Federal, até hoje não saiu do papel. E o salto de qualidade que a população espera do Judiciário acaba sempre adiado.

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