domingo, 11 de novembro de 2012

Música que pulsa - Eduardo Tristão Girão‏

Instrumento que já fez história na música brasileira, o acordeom atrai novos aficionados e pode ser ouvido em bandas de rock, rodas de choro e em trabalhos de trupes de teatro 

Eduardo Tristão Girão
Estado de Minas: 11/11/2012 
Em termos de sanfona, Minas Gerais pode não ter o mesmo prestígio do Nordeste ou do Rio Grande do Sul, mas tem lá seus encantos. No ano do centenário de Luiz Gonzaga é possível dizer que o instrumento vive boa fase por aqui. Além dos acordeonistas que atendem a enxurrada de duplas sertanejas e forrozeiros, há gente encaixando o fole em bandas de rock, rodas de choro, grupos instrumentais e até trupes teatrais. Fora os alunos de diferentes perfis que procuram aprendê-lo. O Rei do Baião aprovaria. 

Convencionou-se dizer que até os anos 1950 toda casa brasileira tinha alguém que soubesse tocar acordeom e que a popularidade dele diminuiu a partir da popularização da bossa nova, que teve como principal instrumento o violão. De lá para cá, nenhum gênero musical foi criado por um sanfoneiro e as grandes referências continuam as mesmas (Brasil, Itália, França, Argentina, Leste Europeu, mundo árabe etc.), mas novos talentos continuaram a surgir, expandindo pouco a pouco os domínios da sanfona. 

“O acordeom é um instrumento nobre, apesar de ter sido colocado no fundo do palco. Poucos têm a chance de fazer papel de solista no Brasil, como Toninho Ferragutti, Borghetinho, Bebê Kraemer, Oswaldinho do Acordeom e Dominguinhos”, diz Célio Balona, de 73 anos, veterano da cena instrumental de Belo Horizonte. O acordeom foi seu primeiro instrumento e “paixão” absoluta: “É tão completo como o piano, pois proporciona fazer solo e acompanhamento, além de registros que alteram a sonoridade”.

Um dos cruzamentos mais curiosos feitos com a sanfona na cidade é realizado por Sarah Assis, de 34 anos, que atualmente desenvolve trabalhos com as bandas de rock Dead Lover’s Twisted Heart e Proa. “Gosto do gênero e passei a fazer experimentos. Como o acordeom tem captação interna e o plug é igual ao da guitarra, por que não? Ligo distorção, delay e hoje uso também um antigo pedal russo de efeito phaser”, conta ela.

“Tenho observado o retorno do acordeom com bandas como Beirut e também por conta da trilha sonora do filme O fabuloso destino de Amélie Poulain. Há também muitos interessados em usar o instrumento no teatro”, observa Sarah. Nesse último caso, ela se refere a músicos como Gabriel Coupe, de 26 anos, membro da trupe teatral e circense Caras Pintadas. Sem estar ligado exclusivamente à música, ele ajuda a manter o público interessado no velho fole. E, por falar em teatro, a velha sanfoninha do Grupo Galpão, que marca presença em Romeu e Julieta, já foi ouvida até mesmo na terra de Shakespeare.

Elementos teatrais, circenses, musicais e poéticos estão na pauta desse grupo, formado por ele e outros três integrantes há cinco anos para atuar em espaços públicos, bares, restaurantes e eventos. “O acordeom tem muito volume sonoro, tanto que pode ‘falar’ para muitas pessoas, mesmo se for numa praça. Além disso, como ele fica no peito, é impossível olhar para ele enquanto se toca, o que nos coloca sempre em contato com o espectador. Isso é precioso para o teatro”, analisa Gabriel.

Já Lucas Viotti, 30 anos, perpetua o acordeom atacando em várias frentes musicais. No início do mês, por exemplo, participou da gravação do espetáculo Valencianas, do cantor e compositor pernambucano Alceu Valença com a Orquestra Ouro Preto, no Palácio das Artes, em BH. Paralelamente, toca choro com o cavaquinista Warley Henrique e forró com o grupo Baião Caçula – mas nem sempre um forró qualquer. “É um forró contemporâneo”, ressalta ele, que começou como DJ de forró e zabumbeiro. 

“Tocamos para o público dançar ou para os que preferem ouvir. Depende da proposta, mas é bem na onda do Dominguinhos”, explica Lucas. O famoso sanfoneiro pernambucano é referência central para ele e o inspira a criar sotaque próprio no instrumento. Ele teve vários professores particulares de acordeom e, num segundo momento, resolveu aprofundar seu conhecimento estudando harmonia com pianistas e guitarristas. “O acordeom enfeitiça as pessoas e é preciso ter cuidado, pois é muito expressivo”, diz.
Artesão de sons

Para manter a sanfona em ordem é preciso quem saiba compreender seu complexo funcionamento. Entre os mestres na sua manutenção, conserto e reforma em Belo Horizonte, está Antônio Fortunato de Oliveira, conhecido por sua freguesia como Toninho dos Oito Baixos. Quase metade dos seus 66 anos é dedicada ao ofício, que exerce na pequena oficina mantida em casa. Trabalha com o filho, Antônio Fortunato da Silva, de 27 anos, que segue os passos do pai por pura identificação.

“Em 99% das vezes procuram a gente para afinar o instrumento”, conta Toninho. Isso é tarefa que requer, além de bom ouvido, paciência, habilidade manual e um bom estoque de material, entre botões, madeira, papelão, pelica e uma infinidade de pequenas peças de metal para as quais não há venda avulsa. Daí a importância de manter na oficina instrumentos que possam ser desmanchados para fornecer peças de reposição.

Para ter ideia da complexidade do serviço, uma sanfona de oito baixos requer, de acordo com ele, três meses de trabalho para ser montada desde o início. Cada serviço pode levar entre uma semana e, no caso de reforma, 90 dias. O pai e o avô de Toninho eram sanfoneiros, mas ele aprendeu esse trabalho com outros craques, entre eles Antônio Scarpelli, que consertava as sanfonas de Luiz Gonzaga.


GLOSSÁRIO

Sanfona
Designação genérica para instrumentos dessa família.

Acordeom
Bastante difundido pelo mundo, tem teclado de um lado e até 140 botões de baixo do outro, além de registros que alteram o som. 

Bandoneon
Apesar da origem alemã, tornou-se o instrumento símbolo da música argentina. Não tem teclado, com carreiras de botões dos dois lados.

Concertina
Geralmente pequena, também tem botões dos dois lados, úteis à formação de acordes. Ao pressionar o mesmo botão é possível obter notas diferentes de acordo com o movimento do fole.

Sanfona de oito baixos
 Também conhecida com gaita-ponto, é essencial às músicas nordestina e gaúcha e requer técnicas diferentes para ser tocada em cada região.

De Michel Teló a Beirut 
Aprendizado do instrumento atrai alunos de várias idades e preferências musicais. Acordeons chineses dominam o mercado, mas os italianos ainda são os mais prestigiados 

Eduardo Tristão Girão
Eunice viaja toda semana de Divinópolis para Belo Horizonte para ter aulas de acordeom. Sem qualquer conhecimento musical, Bruno mergulhou nas aulas de sanfona para relaxar da rotina de médico. Já Humberto aproveitou o gosto pelo sertanejo para fazer da sanfona seu terceiro instrumento. Três alunos de diferentes gerações e com objetivos distintos provam que o interesse pelo fole continua em alta.

“Comecei a aprender acordeom quando ainda era bem nova, sem professor. Não me desenvolvi muito, porque não tive o esclarecimento total como agora. A música e esse instrumento trazem alegria muito grande. Ainda não toco muito bem, mas sinto que sou artista”, revela a dona de casa Eunice Cunha, 61 anos, que mora em Divinópolis, a 120 quilômetros da capital mineira.

Ela e os outros dois alunos estão entre os 10 que estudam com a acordeonista Sarah Assis em BH. “Tenho aluno que procurou sanfona por causa do Michel Teló e hoje toca também Beirut e Piazzolla”, conta a professora. Ano que vem, ela abrirá espaço próprio que funcionará como escola e centro de referência do instrumento.

“O grande desafio do acordeom é o peso. O meu tem 12 quilos, por exemplo. O instrumento exige que se queira muito aprender. O ideal é iniciar com o de 80 baixos, que é leve e tecnicamente suficiente para o aprendizado”, aconselha. De preferência, continua, o primeiro instrumento deve ser comprado usado, já que o preço de um novo é muito mais alto e uma eventual revenda seria mais vantajosa.

Coordenação 


O médico Bruno Righi, 36 anos, seguiu o conselho dela e, há três meses, dedica-se a dominar o acordeom. “Por ser de tecla, achei que fosse mais fácil que instrumentos de corda ou sopro. Além disso, dá para tocar qualquer tipo de música nele. Para mim, é tudo novidade e até agora não consegui coordenar a mão direita com a esquerda. Não tenho pressa. Toco para me desligar da rotina, pois esse é um dos poucos momentos que tenho só para mim”, afirma.

Humberto Luiz Machado Filho, 24 anos, está há mais ou menos o mesmo tempo fazendo aula do instrumento, com a diferença de que já sabe tocar violão e teclado. “Gosto muito de sertanejo antigo e um pouco do mais recente, mas ouço de tudo um pouco”, conta ele. Prova disso é o sorriso que abre ao ouvir a execução de tema do filme O poderoso chefão na sanfona.

Sertanejos aquecem as vendas

Além de resistência e persistência, o interessado em aprender acordeom deve preparar o bolso, pois um instrumento usado de boa procedência custa em torno de R$ 3 mil. Entretanto há outras opções de preço em lojas especializadas. Na Serenata, em Belo Horizonte, por exemplo, há oito modelos (todos chineses) que custam entre R$ 350 e R$ 4,8 mil.

“O material desses instrumentos é diferente daquele dos acordeons italianos. Enquanto uma grande fábrica chinesa faz 2 mil unidades por mês, uma italiana faz 80. A diferença não é proporcional ao preço, pois um italiano de R$ 18 mil não é quatro vezes melhor que o nosso chinês mais caro. Nossos instrumentos são para profissionais, mas valores altos como esse são muito dinheiro para qualquer instrumento. Poucos artistas podem ter um”, diz Rogério Garcia Bousas, diretor da loja.

Atualmente, a Serenata vende aproximadamente 200 acordeons por ano em suas quatro lojas e por meio de comércio eletrônico – número muito inferior ao referente à venda de violões, que chega a 15 mil unidades anuais. “Hoje, a procura por acordeons é crescente, principalmente por causa da popularidade da música sertaneja. Quem compra geralmente são homens acima de 35 anos”, completa.

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