domingo, 11 de novembro de 2012

Gringolândia - Narrativas - Chico Mattoso


GRINGOLÂNDIA
CHICO MATTOSO, de Chicago
Narrativas
Fechadas as cortinas, fica mais fácil analisar, do ponto de vista narrativo, as estratégias dos candidatos
E não é que acabou? Depois de meses de ação, pancadaria e efeitos especiais, não é que os letreiros finalmente subiram e o público voltou pra casa? Fechadas as cortinas, fica um pouco mais fácil analisar, do ponto de vista narrativo, as estratégias de cada lado -e entender por que uma delas deu certo e a outra não. A equipe de Obama apostou no feijão com arroz.
Cientes de que não podiam ressuscitar o super-herói de 2008, capaz de reescrever a história e cicatrizar feridas sociais centenárias, os roteiristas democratas preferiram pintar seu protagonista como um homem comum, capaz de se conectar com as necessidades da classe média e enfrentar os interesses dos vilões de Wall Street, personificados em seu abastado rival.
Uma historinha correta, manjada, com alguns furos de roteiro aqui e ali, mas com a vantagem de ser simples e de fácil assimilação.
Auxiliados por um plano de distribuição eficiente e um conhecimento profundo da demografia local, os democratas abraçaram o óbvio: se não dá pra reinventar a roda, vamos pelo menos fazê-la girar direitinho.
Os republicanos, por sua vez, tentaram algo diferente. Pode-se acusá-los de tudo, menos de falta de ousadia. Sua revolucionária estratégia fugiu de toda a tradição narrativa ocidental. Aristóteles deve ter se revirado na tumba, mas eu não duvidaria que Buñuel achasse o conceito interessante.
O herói republicano, uma mistura de Zelig e Tony Stark, apresentou-se como um ciborgue implacável, disposto a dizimar tudo, da crise econômica às obstruções no Congresso, passando pela história, pela aritmética, pelo progresso da ciência e pela emancipação feminina. Consta que, numa primeira versão, também pisoteava o Estado laico e a lei da gravidade, mas isso acabou ficando de fora do corte final.
O público fez bastante esforço pra gostar do herói conservador. Com sua cara de galã dos anos 50 e seu indestrutível topete, ele ecoava o ideal romântico de um país mais "puro", um tempo em que as geladeiras eram brancas, os telefones eram pretos e os pardos eram realmente minoria.
Mas o feitiço voltou-se contra o feiticeiro. Tenho a sensação de que a esperança dos produtores republicanos era que a combinação de incoerência e falta de carisma de seu herói tivesse um efeito estético anestesiante, criando um campo magnético capaz de hipnotizar o público e fazê-lo esquecer das demais opções. Não funcionou, evidentemente.
Ao fim, venceu a história que fazia sentido, o que ao menos sinaliza que o público não enlouqueceu de vez. A narrativa obamista, ainda que meio pálida e sem graça, foi suficiente pra fazer vibrar o nervo ficcional da maioria dos americanos. Mas que espécie de final feliz é esse em que o herói herda US$ 13 trilhões em dívida pública?

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