sábado, 10 de novembro de 2012

O jeito é rir(o papel do humor na obra de Nelson Rodrigues)-Ângela Faria

Estudo discute o papel do humor na obra de Nelson Rodrigues, dramaturgo que é mais identificado por seu conteúdo dramático 

Ângela Faria
Estado de Minas: 10/11/2012 
“Um dos elementos mais presentes no meu teatro é a simultaneidade do patético com o humorístico”, avisava Nelson Rodrigues, há 38 anos, em depoimento ao Serviço Nacional do Teatro. Ele não perdoou diretores por negligenciarem o humor de suas peças para reforçar apenas o aspecto dramático delas.

Professor do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília, Fernando Marques vem ao encontro das apreensões do dramaturgo. Ele acaba de lançar o livro A comicidade da desilusão – O humor nas tragédias cariocas de Nelson Rodrigues (Editora UNB/Ler Editora). As peças A falecida (1953) e Toda nudez será castigada (1965) são abordadas à luz das ideias de Luigi Pirandello, Sigmund Freud e Henri Bergson sobre o riso, o chiste, a piada e o cômico.

Marques se propõe a discutir a missão do humor na obra de Nelson. E chama a atenção para o talento desse autor em desordenar verdades estáveis – inclusive do ponto de vista especificamente dramatúrgico, ao misturar gêneros. O criador das tragédias cariocas, lembra ele, explorou habilmente o confronto de dois códigos dramáticos aparentemente irreconciliáveis: o melodrama e a farsa.

“Da comédia ao drama e do drama à comédia, Nelson instaura situações terríveis para, logo após, pô-las em dúvida, tirar-lhes o crédito; ou desenha a circunstância leve, ligeira, e pouco depois a faz desabar perversamente no drama sinistro. A dança de convenções garante a originalidade de seus textos e pode explicar o motivo do impacto destes sobre o público”, defende o autor de A comicidade da desilusão.

Nos escritos do “Anjo Pornográfico”, o cômico e o farsesco se mostram vulneráveis às ressonâncias trágicas, ressalta Antonio Cadengue, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e autor do prefácio do ensaio.

Fernando Marques afirma que o humor rodriguiano tem o dom de revelar quão ingênuas e inócuas são as expectativas de felicidade alimentadas pelas personagens: “De modo semelhante, a comicidade não anula o vigor do drama. Graça e desgraça, dor e riso são, aqui, genuínos”.

Subterrâneos 

Nelson é mestre em trazer à tona forças subterrâneas que movem o ser humano. Sua obra busca civilizar o espectador, defende Marques. “Esse teatro o induz a se reconciliar com sua natureza dupla, simultaneamente apolínea e demoníaca; induzindo-o, quando menos, a reconhecê-la. Ao mesmo tempo, teima em assinalar a impossibilidade de acordo entre razão e instintos, entre consciência e inconsciente. O sexo, o desejo, alheio a conveniências e a argumentos convencionais, será frequentemente o índice, ou a metáfora, das dificuldades de acordo entre os polos”, ressalta.

A ficção, para ser purificadora, precisa ser atroz, bem avisou o próprio Nelson. “O personagem é vil para que não o sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de cada um de nós. (...) Para salvar a plateia, é preciso encher o palco de assassinos, de adúlteros, de insanos e, em suma, de uma rajada de monstros. São os nossos monstros, dos quais eventualmente nos libertamos, para depois recriá-los.” Só um mestre como ele nos brindaria com o riso, mesmo amarelo, diante de espelho tão fiel. 

A COMICIDADE DA DESILUSÃO

. De Fernando Marques
. Editora UNB/Ler Editora, 199 páginas, R$ 35
. Informações: www.fernandomarques.art.br

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