sábado, 10 de novembro de 2012

Signo de Minas - Angelo Oswaldo‏

Matriz de Nossa Senhora do Pilar, a catedral do barroco mineiro, vai se tornar basílica. Erguido na década de 1700, o templo sintetiza a história de Ouro Preto 

Angelo Oswaldo
Estado de Minas: 10/11/2012 


Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto ganha reconhecimento eclesiástico, que sempre foi expresso pela população da cidade


Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar é a morada da padroeira de Ouro Preto. De uma palhoça construída pelos primeiros mineradores, na alvorada do século 18, transformou-se no esplêndido templo que recebe do papa Bento XVI a dignidade de basílica, primeira da cidade patrimônio mundial e quinta da Arquidiocese de Mariana. Dom Geraldo Lyrio Rocha, ao lado do pároco do Pilar, padre Marcelo Santiago, realiza a dedicação da nova basílica em 1º de dezembro. O templo torna-se sede de vários privilégios eclesiásticos e se liga diretamente ao pontífice romano. 

Ergueu-se a capela no Fundo de Ouro Preto, assim chamada a parte baixa do primitivo arraial, no qual se aglomeraram os reinóis chegados ao território dominado pelos paulistas pioneiros. Cresceu como referência na história da arte pela originalidade e riqueza de sua ornamentação. É centro de forte devoção. Os moradores de Ouro Preto, no exato momento da criação de Vila Rica, em 8 de julho de 1711, reunindo os diversos arraiais da região, pediram ao governador Antônio de Albuquerque fosse a Virgem do Pilar declarada padroeira da nova vila, conforme se registrou no termo então firmado.

O poeta e ensaísta Affonso Ávila afirma que o Pilar representa, “na sua monumentalidade, a marca de um contingente humano, de um conglomerado cristão que veio para apropriar-se social e economicamente de uma extensão dadivosa da colônia, para nela trabalhar, construir uma vida e uma descendência, enfim, para nela permanecer: a igreja magnífica é um signo religioso e cultural de um desejo coletivo de fixação”. O historiador português Jaime Cortesão percebeu a referência das origens na definição da velha capital das Minas: “Ao vê-la assim tão genuinamente setecentista, pareceu-me que havia fundido em si, com perfeita harmonia, para melhor beleza da cidade, a severidade transmontana de Vila Real, a opulência religiosa de Braga e a majestade senhoril de Coimbra”.

Ao escrever sobre “a arte em Ouro Preto”, o historiador Diogo de Vasconcellos sublinha o fato de que, “sertão bravio, longe de recursos, disputado ousadamente às brenhas e às feras”, o território das minas de ouro “começou por não ter que dar aos invasores abrigo outro que as cabanas grosseiras de ramos enlaçados”. Mas, acrescenta, “as construções de madeira aparelhada não se fizeram esperar, sendo antes de tudo substituídas as palhoças, que se destinaram a oratórios, por edifícios mais regulares”. Diz, ainda, que, “fundadas todas as casas por portugueses incultos, trouxeram de suas aldeias o tipo desproporcionado e sombrio das velhas construções”.

A taipa de pilão (barro e pedras socados) é percebida em “janela” praticada na parede do corredor da sacristia, sendo, portanto, parede da capela-mor do Pilar. A construção da década de 1720, concluída em 1733, quando das festas opulentas do Triunfo Eucarístico, o célebre festival barroquista, deixou esse remanescente original, recorrente nas primeiras edificações de Ouro Preto. O exterior do templo teve sua estrutura de taipa substituída por alvenaria de pedra, um século mais tarde, nos anos de 1820, quando a deterioração ameaçava o edifício por inteiro. Isso ocorreu sem afetar a harmonia do conjunto.


No interior do templo, se destaca a riqueza da ornamentação e a força arquitetônica e simbólica dos elementos religiosos

Zimbório 
Detalhe curioso foi a breve existência de um zimbório sextavado na capela-mor. Implantado em 1754, foi eliminado em agosto de 1770, devido a problemas causados pela infiltração de águas pluviais. Elemento usado para permitir a luz zenital, aparece no cimo de abóbadas, cúpulas e telhados, e assim foi no Pilar. Em seu lugar, “para cobrir-lhe decorosamente o vão”, encomendou-se o painel da Santa Ceia (1772), pintura sobre madeira, que ali se vê. Rodrigo Almeida Bastos, arquiteto, engenheiro e professor da UFMG, focaliza o tema em sua tese de doutorado na USP, “A maravilhosa fábrica de virtudes: o decoro na arquitetura religiosa de Vila Rica, Minas Gerais (1711-1822)”. De outro zimbório ouro-pretano encontra-se registro no camarim do altar-mor da Igreja do Carmo.

Nas densas discussões sobre o destino do zimbório, ornamentação e fábrica da matriz ouro-pretana, pode-se identificar o fenômeno que o historiador da arte francês Germain Bazin constatou nas Minas Gerais do Ciclo do Ouro: “Pela primeira vez, assistimos a puras especulações estéticas, geradoras de formas criadas ‘para a arte’ (...) o que poderíamos chamar de o nascimento do sentimento estético no Brasil”.

Segundo Rodrigo Almeida Bastos, em nenhuma das antigas matrizes de Minas Gerais “o modo de efetivação da eloquência arquitetônica é tão engenhoso” como no Pilar de Ouro Preto. A “máquina engenhosa” integra pés-direitos, retábulos laterais, púlpitos, tribunas, cimalha real e forro apainelado numa “figura ovada por dentro” de outra, resultando em esplendoroso ambiente cenográfico. O primeiro dos altares laterais à esquerda da nave contém partes do primevo altar-mor entalhado em madeira, por ser encimado pela figura de Deus Pai, o que contraria o princípio teocêntrico e denota a procedência e a reutilização. 

Festa para os olhos, o espetáculo proporcionado pelo delírio da talha dourada é sustentado pelo precário acabamento das partes posteriores dos retábulos, cuja exuberância frontal jamais deixaria pressupor tanto desalinho. Quando se passa por pequena porta, no corredor da sacristia, tem-se acesso a essas estruturas que revelam o desinteresse dos mestres da arte barroca por tudo que não estivesse ao alcance do olhar. 

O prestígio da sede paroquial e a liturgia tridentina explicam a imponência da sacristia, com o forro artezoado policromado, o lavabo em pedra-sabão, o admirável arcaz, o oratório aleijadiano e a elegante mesa que, desmembrada, havia virado dois consoles, durante remoto período. O amplo coro acolheu orquestra regida pelo grande compositor José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, autor da Salve Regina, sempre executada nas festas do Pilar. Depois de ter atuado em Diamantina e antes de seguir para o Rio de Janeiro, onde morreu em 1805, Lobo de Mesquita participou ativamente da vida musical do Pilar, na qual também se destacaram Francisco Gomes da Rocha, Marcos Coelho Neto e Inácio Parreira Neves.

Antônio Francisco Pombal, tio paterno do Aleijadinho, foi um dos construtores da matriz. Manuel Francisco Lisboa, o pai, também se fez presente. A talha joanina (estilo dom João V) do grande Francisco Xavier de Brito, a partir do projeto de Francisco Barrigua, distingue o retábulo-mor, num dos mais altos momentos do barroco mineiro. O forro da nave e suas belas pinturas em painéis, de autoria de José Carvalhaes, a balaustrada de jacarandá, os púlpitos, o tapa-vento e o batistério somam-se na harmonia dos detalhes que compõem o todo esplendoroso do Pilar. Daí a confidência de Affonso Ávila de ser ela a igreja ouro-pretana que “prende mais que todas os olhos afetivos do contemplador e a atenção ao mesmo tempo lúcida e comovida do estudioso”. 

A Unesco inscreveu Ouro Preto no patrimônio da humanidade, em 1980. No ano do tricentenário da criação da paróquia da padroeira, o papa insere o Pilar na relação dos templos maiores do catolicismo. O arraial minerador se fez monumento mundial e sua velha matriz, catedral do barroco, agora é basílica. 

Angelo Oswaldo de Araújo Santos é jornalista e prefeito de Ouro Preto

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