domingo, 9 de dezembro de 2012

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Estórias com Moacyr‏


Estado de Minas: 09/12/2012 
Moacyr Scliar estava preocupado porque seu filho adolescente não lia. O menino vivia no computador. Mas ler que era bom, nada. O pai escritor, volta e meia, insistia: “Filho, você precisa ler”. Não tinha jeito. Um dia, Moacyr resolveu radicalizar: escreveu um livro e lascou lá que era dedicado ao filho. Chegou em casa com o exemplar saído do forno da editora, entrou pressuroso, bateu na porta do quarto do filho… Lá estava o adolescente diante do computador. O pai então anuncia o presente:

– Filho, olha o livro que teu pai acabou de publicar, é dedicado a ti.

O garoto nem tirou os olhos do computador e disse ao pai:

– Tu não podias fazer um resumo, tchê?

Contava eu esse caso, que me fora narrado pelo próprio Scliar, no lançamento de seu livro póstumo A poesia das coisas simples. Ali no Midrash/Leblon estavam a viúva do escritor, Judith, mais Antônio Torres e João Ubaldo, que, como eu, fizeram vários depoimentos curiosos sobre o colega falecido no ano passado. Havia um público fraterno e numeroso. E todo mundo tinha estórias sobre Moacyr. Alguns atores leram algumas de suas melhores crônicas.

O que contamos e ouvimos daria outro livro. Como na oportunidade descobri que Judith é escritora e narradora em potencial, quem sabe ela nos surpreenda com tal livro?

Na ocasião, tive que confessar, diante da viúva, que dormi com Scliar. Num desses congressos, nos colocaram no mesmo quarto. E Judith, ouvindo essa confissão, indagou: “E ele roncou muito?”. Roncou, respondi. Tão bom de ronco quanto de escrita. E estávamos todos de acordo sobre a facilidade que ele tinha para escrever. Não enjeitava encomendas, sempre solícito. A própria Judith narrou que, certa vez, ele tinha que mandar uma crônica para o jornal. Finalmente achou uma lan house. Quando chegou lá, o gerente disse que a loja ia fechar em 15 minutos. “Não tem importância”, disse Scliar. “Qual é o computador?” Sentou-se e escreveu de uma assentada a crônica. Em 13 minutos.

Dizia eu que Moacyr pertence a uma geração diferente que surgiu nos anos 70. Embora tenha estreado em 1968, a partir da década seguinte o Brasil conheceu os escritores viajantes. E isso é um fato histórico relevante. Poderia até analisar essa geração de outros ângulos, pois entre 1975 e 1976 fui crítico literário da Veja e pude cravar os nomes dos que surgiam: Antônio Torres, Raimundo Carrero, Roberto Drummond, Sérgio Sant’Anna, Luiz Vilela, Adélia Prado, Leminski, João Antônio – enfim, uma horda de desbravadores que se diferenciavam das gerações anteriores.

Os modernistas eram pacíficos funcionários públicos. O Rio era a capital e às seis da tarde os escritores se reuniam na Livraria José Olympio, na São José ou no Amarelinho. Nos anos 70, não sei se apareceram mais aeroportos e universidades ou se surgiram projetos de viagem e programas como O encontro marcado. Fato é que aeroporto e hotel passaram a ser lugares de encontrar escritor. Uma vez, Marina encontrou Moacyr de cócoras num aeroporto, procurando a tomada para abastecer seu computador.

No dia daqueles depoimentos, vi no jornal uma reportagem sobre games e literatura. Um dos sites prometia cruzar histórias mais variadas e localizar narrativas por temas. Lá estava aquele livro A vida de Pi, do canadense Yann Martel, que ganhou o Book Prize. Era a estória de um náufrago menino e de um tigre, inspirada (tirada?) do livro de Moacyr, Max e os felinos. Houve polêmica na época e o canadense acabou reconhecendo que a obra de Moacyr lhe deu a “fagulha” para seu livro.

Escritor bom é assim, solta fagulhas para todo lado.

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