domingo, 9 de dezembro de 2012

Teorias, fatos, indícios - Marcelo Coelho


QUESTÕES DE ORDEM
MARCELO COELHO ccoelhofsp@uol.com.br
Teorias, fatos, indícios
O ponto polêmico recai sobre a qualidade das provas usadas para incriminar José Dirceu
Corre na internet, em especial nos meios favoráveis a José Dirceu, a tese de que ele foi condenado sem provas, com base unicamente na teoria do domínio do fato, desenvolvida pelo jurista alemão Claus Roxin.
Em entrevista à Folha, Roxin disse uma obviedade: a de que ninguém pode ser condenado sem provas. A frase, que terminou indo para o título da reportagem, não se referia, é claro, ao julgamento do mensalão -caso de que Roxin não tinha o menor conhecimento. Mas serviu para fortalecer a ideia de que o Supremo Tribunal Federal, aplicando erradamente a teoria, condenou José Dirceu com base em meras suposições.
Nenhuma teoria é capaz de condenar ninguém. Pelo menos desde que se abandonou a concepção medieval da "responsabilidade objetiva". A saber, a ideia de que alguém deva ser punido não pelo que fez, mas sim pelo que é. Nesse gênero de retaliação, qualquer judeu poderia pagar pelos supostos "crimes dos judeus", apenas pelo fato de ser judeu.
A teoria do domínio do fato não se confunde com a tese da responsabilidade objetiva: isso foi dito e repetido nas sessões de julgamento do mensalão.
Na névoa que se criou em torno do assunto, o fato de Claus Roxin ser alemão contribuiu até mesmo para que se jogassem suspeitas sobre a legitimidade de sua teoria.
No caso de José Dirceu, vale lembrar que as alegações finais do Ministério Público, pedindo sua condenação, nem sequer citaram a teoria do domínio do fato. Considerou-se haver provas suficientes de que era o mandante do esquema, nada mais do que isso.
O problema é que os ministros do Supremo gostam de embelezar seus votos com citações a doutrinas que, por vezes, apenas reiteram o senso comum.
Luiz Fux e Celso de Mello, nos seus votos sobre José Dirceu, estenderam-se bastante sobre o pensamento de Claus Roxin; Ricardo Lewandowski, inocentando o ex-chefe da Casa Civil, manifestou sobretudo sua preocupação de que a teoria do domínio do fato venha a ser aplicada indiscriminadamente, nas instâncias inferiores, a partir do prestígio que estava ganhando no STF.
Suponha-se, disse Lewandowski, que aconteça um vazamento de petróleo num terminal da Petrobras. O risco é que, com base na teoria do domínio do fato, terminem condenando o presidente da empresa por causa disso.
Não faz sentido, respondeu Luiz Fux. Seria preciso provar que o presidente desejou, ordenou, o tal vazamento; que tinha poder de interrompê-lo, mas não quis que isso acontecesse.
É o bom senso.
O maior problema teórico na condenação de José Dirceu, se é que podemos chamar de teórico, não está na questão do domínio do fato; a teoria nem precisaria ser invocada, ressaltou o ministro Ayres Britto, e sua condenação viria do mesmo jeito. Nem o STF inova, insistiu Celso de Mello, nesse ponto. A teoria vem sendo aplicada no Brasil há décadas, disse ele em seu voto.
O ponto polêmico, na verdade, recai sobre a qualidade das provas utilizadas para incriminar José Dirceu. Não houve nenhum e-mail, nenhuma transcrição de conversa telefônica, nenhuma filmagem, provando claramente que ele deu ordens a Delúbio Soares para corromper parlamentares.
Houve declarações de testemunhas, segundo as quais os envolvidos diretos no esquema sempre telefonavam a José Dirceu para "bater o martelo".
Houve a circunstância de que Marcos Valério se encontrou com Delúbio Soares, José Dirceu e o presidente de um banco português, na Casa Civil. O encontro seria para tratar de investimentos turísticos na Bahia, alegou-se. Investimentos turísticos? Com Marcos Valério e Delúbio? Difícil de acreditar.
Houve a circunstância de que a ex-mulher de José Dirceu obteve, por intermédio de Marcos Valério, facilidades na compra de seu apartamento. Isso coroou o conjunto probatório contra José Dirceu, disse Luiz Fux. Não teve maior importância, avaliou por outro lado a ministra Cármen Lúcia.
Cada ministro expôs suas convicções. Para a minoria, os fatos não comprovavam de forma indubitável a culpa de José Dirceu. Para a maioria, duvidoso seria achar que Delúbio Soares sozinho tivesse organizado tudo, que a negociação da emenda sobre a reforma da Previdência tivesse sido conduzida apenas pelo ministro específico da pasta, que José Dirceu teve encontros com a presidente do Banco Rural, Kátia Rabello (intermediados por Marcos Valério) e não conversou sobre empréstimos ao PT.
Quando alguns juristas reprovam a condenação por "sinais e presunções", disse a ministra Rosa Weber, há de se entender que devem ser descartados os "sinais e presunções" que deixam lugar à dúvida. Mas quando as circunstâncias estão intimamente ligadas com o crime, chegando a formar convencimentos, a ressalva não se coloca; os indícios, as inferências, têm a claridade da luz.
Não para todos, evidentemente.

PT recusa proposta de ir às ruas contra STF
Decisão frustrou Dirceu, condenado no mensalão
DE BRASÍLIAO diretório nacional do PT recusou anteontem proposta de um de seus membros para não reconhecer o resultado do julgamento do mensalão e empreender uma campanha de rua contra o STF (Supremo Tribunal Federal).
A recusa frustrou José Dirceu, ex-ministro condenado pelo STF, e tornou tenso o clima da reunião do diretório petista, em Brasília, como informou o jornal "O Globo".
A proposta foi feita por um dirigente de Santa Catarina, Serge Goulart, após conversar reservadamente com Dirceu. De acordo com interlocutores, foi necessário que o presidente da sigla, Rui Falcão, convencesse os demais a nem sequer votar a requisição do colega.
Motivo: se a proposta fosse aprovada, a sigla assumiria para si um ataque institucional contra STF; se rejeitada, pareceria um veto a Dirceu e aos demais condenados no julgamento do mensalão.
Três dirigentes petistas relataram a frase de Falcão quando Goulart se recusou, pela primeira vez, a retirar a proposta: "Manifestamos sempre nossa solidariedade, mas não podemos associar o partido a uma campanha contra o Supremo. Nossa campanha em 2013 tem de ser pela reforma política".
Diante da falta de apoio para iniciar a votação, o próprio Dirceu convenceu o colega a desistir da pauta. Goulart retirou a proposta e o ex-ministro deixou a reunião antes que ela acabasse. Disse a colegas que precisava buscar a filha de dois anos na escola.
Em entrevista concedida depois, Falcão desconversou sobre a falta de apoio explícito a Dirceu após a condenação.
"O PT está manifestando sua solidariedade. Inclusive já ouvi que colegas irão se cotizar para ajudar a pagar as multas [impostas aos réus do mensalão condenados]."
Há uma decisão interna, apoiada pela presidente Dilma Rousseff e por seu antecessor, Lula, de não transformar a batalha dos condenados no julgamento do mensalão em uma guerra do PT.


    MENSALÃO O JULGAMENTO
    Advogados apostam em renovação de ministros para diminuir penas
    Defesas aguardam fim do julgamento para entrar com recursos que podem mudar punições
    Publicação do resultado final do caso, que dura mais de quatro meses, é esperada para depois de fevereiro de 2013
    DE BRASÍLIAO destino de 15 dos 25 condenados do mensalão pode ficar nas mãos do mais novo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Teori Zavascki, e do substituto do ex-ministro Carlos Ayres Britto, que ainda não foi escolhido.
    Isso porque os advogados aguardam o fim do julgamento e a publicação do acórdão (resultado do julgamento), que é esperado para depois de fevereiro do ano que vem, para apresentar o chamado embargo infringente.
    Esse recurso é previsto para o réu que reuniu pelo menos quatro votos de ministros a favor de sua absolvição. Com isso, poderia ocorrer um novo julgamento desses réus.
    A aposta dos advogados é que a troca de cadeiras no Supremo pode diminuir penas.
    Ao longo do julgamento, Ayres Britto e Cezar Peluso deixaram a corte ao completar 70 anos. Há ainda chance de o decano Celso de Mello se aposentar no próximo ano.
    Com isso, os advogados avaliam que pode surgir um novo entendimento sobre as condenações de lavagem de dinheiro e quadrilha.
    No mensalão, o placar de 6 votos a 4, que permite esse tipo de recurso, se repetiu na condenação de 13 réus por formação de quadrilha, entre eles o ex-ministro José Dirceu e o empresário Marcos Valério, e de outros dois por lavagem, como o deputado João Paulo Cunha (PT-SP).
    FECHADO X SEMIABERTO
    Uma revisão do mérito teria efeito no cumprimento das penas. No caso de Dirceu, por exemplo, se o crime de quadrilha fosse revisado e rejeitado, ele deixaria de cumprir a punição em regime fechado e passaria para o semiaberto, em que trabalharia de dia e dormiria na prisão.
    O petista foi condenado a dez anos e dez meses de prisão, por formação de quadrilha e corrupção. Também foi multado em R$ 676 mil.
    O mesmo aconteceria com João Paulo, que sairia do regime fechado para o semiaberto. Acusado de receber R$ 50 mil para beneficiar as empresas de Valério em uma licitação na Câmara, o deputado foi condenado a penas que, somadas, chegam a nove anos e quatro meses de reclusão, mais multa de R$ 370 mil.
    Pelo regimento do tribunal, porém, a análise desse tipo de recurso não é automática pelos ministros.
    Depois de ser apresentado, o STF determinará um novo relator para o caso, que não pode ser o mesmo do mensalão, para avaliar se submete a questão ao plenário.
    Se for negado pelo relator, os advogados podem entrar com o chamado agravo regimental para forçar que o recurso seja apreciado pelos integrantes da corte.
    A ideia da revisão do julgamento enfrenta resistência entre os ministros. O argumento é que a análise do caso já dura quatro meses e respeitou o devido processo legal. Desde 1988, só 1 dos 54 recursos pedindo revisão de decisão da corte teve êxito.
    O ministro Marco Aurélio Mello disse que ainda é cedo para analisar a questão e que a prioridade é saber se cabe o embargo infringente.
    "Veja que cada cabeça é uma sentença. Se houver outro entendimento, como fica a segurança jurídica?", questionou.

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