terça-feira, 18 de dezembro de 2012

CIÊNCIA » Faraó assassinado - Paloma Oliveto‏

Cientistas concluem que Ramsés III, governante do Egito entre 1187 a.C. e 1155 a.C., foi morto por um corte na garganta. Mulher e filho seriam os responsáveis pelo crime 

Paloma Oliveto
Estado de Minas: 18/12/2012 
Brasília – Os ingredientes são dignos de um best-seller: o domínio de um império ultramarino, uma conspiração no harém, a traição da famíla e, por fim, um rei morto, levado para a tumba com um segredo que permanece guardado por 3 mil anos. O último capítulo não poderia ser mais incrível: passados 32 séculos, o mistério é solucionado – um ferimento no pescoço e um amuleto encontrado dentro da múmia revelam que o último grande faraó do Egito foi assassinado em um complô pelo trono. Essa, porém, é uma história verdadeira, cujo epílogo foi publicado ontem na revista científica British Medical Journal.
Historiadores, paleoantropólogos, geneticistas, radiologistas e especialistas em múmias aliaram documentos antigos à tecnologia moderna para descobrir a causa da morte de Ramsés III, cujo reinado, de 1187 a.C. a 1155 a.C., foi o derradeiro antes que o país perdesse sua supremacia. Os pesquisadores esperam encerrar um amplo debate entre egiptólogos que, até hoje, não sabem se o faraó teria sido assassinado ou morrido naturalmente. Uma forte pista aponta para a primeira opção: o Papiro Judicial de Turim, escritura oficial da época, revela o desmonte de uma conspiração contra o governante. O texto não deixa claro, contudo, se os rebelados conseguiram matar o rei ou se ele ainda estava vivo quando os envolvidos no complô foram julgados.
Imagens Um exame de tomografia computadorizada realizado na múmia de Ramsés III, que fica no Museu do Cairo, reforça a ideia do assassinato. As imagens identificaram um corte no pescoço do faraó, feito enquanto ele ainda estava vivo. “O ferimento só pode ser visto através da tomografia”, diz Zahi Hawass, ex-ministro de Antiguidades do Egito e um dos autores do estudo. Hawass, egiptólogo que usou a mesma técnica para estudar a causa da morte de outro faraó, o jovem Tutancâmon, conta em um comunicado à imprensa que o corte estava escondido pelas bandagens da múmia. “Estava claro que Ramsés (III) morreu em 1155 a.C., por volta dos 65 anos, mas só agora sabemos como”, afirma.
O Papiro da Justiça de Turim, guardado pelo Museu Egípcio da cidade italiana, é o único da história antiga egípcia que relata um julgamento criminal. Outros dois papiros sobre o complô, o de Lee e o de Rollin, ajudam a recontar a trama, que inclui entre os principais protagonistas a segunda esposa de Ramsés III e seu filho Pentwere, que ela teve com o rei. Tiye, único nome pelo qual a mulher é conhecida, contou com a ajuda de outras pessoas, incluindo o chefe de seus aposentos, um copeiro, um general, um sacerdote e um feiticeiro. Todos foram julgados e, provavelmente, condenados à morte. Um dos trechos do Papiro da Justiça lembra que os sentenciados “tiraram suas próprias vidas”, ao se envolverem na conspiração.
Sucessão Foi no Palácio Real das Mulheres, onde o faraó mantinha suas duas esposas e seu harém, que Tiye começou a tecer as intrigas que, de acordo com o estudo publicado ontem, culminaram no assassinato de Ramsés III. Tiye tinha motivos para querer matar o marido. Ela não era a primeira esposa, posto ocupado por Iset Ta-Hemdjert, cujo filho era mais velho que Pentwere. O faraó cometeu um erro grave: depois da morte do primogênito e da criança que nasceu em seguida, ele não coroou os demais filhos como príncipes. Também jamais nomeou Iset nem Tiye como Grande Esposa Real. Ramsés III, portanto, deixou brechas na sucessão, pois não havia um nome oficial para ocupar o trono depois de sua morte, cada vez mais iminente. Na Antiguidade, quando a expectativa de vida média não chegava aos 30 anos, uma pessoa com 65 era considerada muito velha.
Apesar da falta de um nome oficial, naturalmente, por ser mais velho, acreditava-se que o filho de Ramsés III com Iset deveria reinar sobre o Egito. De fato, depois da morte do pai, ele foi nomeado Ramsés IV. Era isso que Tiye queria evitar quando armou o complô contra o marido. Seus planos incluíam depor o faraó e, com a ajuda dos outros conspiradores, afastar Iset e coroar Pentwere. O rei pode ter morrido, mas a rebelião não deu completamente certo, pois foi descoberta pelos oficiais de Ramsés III.
A grande dúvida que surgiu sobre o paradeiro do faraó é que alguns trechos do papiro sugerem que ele conduziu pessoalmente o julgamento. “Os textos implicam que a corte recebeu instruções diretas do rei, que, portanto, teria sobrevivido ao ataque”, diz o artigo publicado no British Medical Journal. Ao mesmo tempo, algumas partes do documento se referem a Ramsés III como “o grande deus”, significando que ele havia morrido antes ou durante as deliberações. “A única linha interpretada especificamente pelos egiptólogos como uma possível metáfora para assassinato é ‘derrubada da árvore real’. Dada a natureza inconclusiva das evidências textuais e a falta de qualquer causa óbvia da morte detectada por estudos forenses prévios, acadêmicos têm listado uma variedade de possibilidades: o rei foi ferido e morreu em decorrência, o complô foi completamente derrotado ou a tentativa (de assassinato) foi bem-sucedida”, contam os autores do estudo.
Punições De acordo com Albert Zink, paleoantropólogo do Instituto de Múmias da Academia Europeia de Bolzano e principal autor do artigo, a tomografia computadorizada não deixa mais dúvidas de que Ramsés III foi assassinado, ainda que ele não tenha morrido na hora. “Ele foi morto por um corte profundo na garganta. Finalmente, foi solucionado o grande mistério do Egito antigo, pois agora sabemos o que realmente ocorreu na Conspiração do Harém”, garante. Zink apresenta outra evidência do crime: “As imagens mostraram também um pequeno amuleto inserido no ferimento. Viemos a saber que se tratava do olho de Hórus, que estava associado à saúde, e deveria curar o faraó na outra vida”, diz. O objeto foi colocado no corpo de Ramsés III durante os rituais de mumificação. “O Papiro de Turim indica que o complô falhou e que todos foram condenados, mas não estava escrito o que havia ocorrido com o próprio Ramsés III. Graças ao nosso estudo, agora sabemos com certeza.”
Os cientistas investigaram também uma múmia encontrada no século 19 no famoso complexo mortuário de Deir el-Bahri, que abriga o templo fúnebre de Ramsés III. Trata-se de um indivíduo sem identificação, o “homem E”. Quando desenrolada, a múmia revelou-se a mais tenebrosa já descoberta no Egito. Em primeiro lugar, o suave cheiro da cera usada no embalsamamento deu lugar a um odor putrefato, segundo testemunhas à época. Isso porque, em vez de perfumes e cremes, o indivíduo foi coberto com pele de bode, indicando uma grave punição.
O pior, contudo, é a expressão facial do homem de 18 a 20 anos, que está aterrorizado e parece ter forte dor. O tórax inflado e as marcas em volta de seu pescoço sugerem que ele foi estrangulado, embora há quem diga que a vítima tenha sido enterrada viva. Os autores do artigo disseram que não podem afirmar exatamente como ele morreu, mas têm quase certeza de que o “homem E” é Pentwere, o filho conspirador do faraó. Uma análise de DNA mostrou que a múmia compartilhava muitos traços genéticos com Ramsés III. Como o corpo de Tiye jamais foi encontrado – sinal de que a mulher foi punida e não mereceu funeral real –, não se pode definir exatamente a ascendência do “homem E”. Os cientistas, contudo, acreditam que ele é um “forte candidato” a filho de Ramsés III.

Crise
Ramsés III governou o Egito na 20ª Dinastia do Novo Reino (a dinastia durou um período que se estendeu de 1185 a.C. a 1070 a.C.). Depois de sua morte, o país começou a sofrer problemas econômicos e disputas internas, abrindo caminho para que outros povos, como assírios, persas, gregos e, por fim, romanos, assumissem a liderança mundial.

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