terça-feira, 18 de dezembro de 2012

'Estou no meu auge artístico', diz Tarantino

Folha de São Paulo

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'Estou no meu auge artístico', diz Tarantino
Diretor de "Django Livre" fala sobre o sonho de filmar um faroeste, sua aversão ao cinema digital e aposentadoria
No set do longa, em uma fazenda na Louisiana, o cineasta revela por que elegeu Leonardo DiCaprio como vilão
Divulgação
O cineasta Quentin Tarantino planeja uma tomada de "Django Livre", seu novo longa, em uma fazenda na Louisiana
O cineasta Quentin Tarantino planeja uma tomada de "Django Livre", seu novo longa, em uma fazenda na Louisiana
DO ENVIADO A NOVA ORLEANSQuentin Tarantino está sentado em sua cadeira no meio da estrada de pedregulhos do interior da Louisiana que serve de entrada para Candyland, apelido da fazenda de Calvin Candie, o vilão de "Django Livre" vivido por Leonardo DiCaprio.
De chapéu e protetor solar, Tarantino, 49, parece uma criança com um brinquedo novo. Dirige com entusiasmo, fala rápido, cita referências e nem liga quando uma aranha cai em seu ombro.
No susto, afasto o aracnídeo do diretor com um tapa. "Está tudo bem. Você está se divertindo?", brinca ele.
(RODRIGO SALEM)
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Folha - Seus filmes flertam com elementos de faroeste. Era um sonho fazer um western tradicional?
Quentin Tarantino - Sempre quis fazer um faroeste. Gosto da ideia de tentar diferentes gêneros. Já meti meu nariz em filmes de guerra, de gângsteres e de artes marciais. Meus longas sempre tiveram elementos do faroeste de forma disfarçada. É bom fazer um longa do gênero de verdade, mas estou bagunçando tudo.
"Django Livre" se diferencia de seus filmes por ser um épico com muitas tomadas fora do estúdio?
Sim, mas essas lindas cenas com o pôr do sol, montanhas ao fundo e cavalos correndo na grama podem ser uma armadilha. No fim dos anos 1970 e início dos 1980, os faroestes se perderam nessa beleza poética e se esqueceram de trabalhar a história. É por isso que as novas gerações acham que westerns são chatos. "Django Livre" é diferente. Temos muita merda para falar e pessoas para matar (risos).
Você gosta de algum faroeste mais recente?
Eu gosto de "O Assassinato de Jesse James" [de Andrew Dominik] e de "Bravura Indômita" [dos irmãos Coen]. Mas, dos anos 1980, amo "Annie e os Bandidos", de Lamont Johnson.
Batizar o escravo caubói de Django é uma forma de homenagear o longa "Django", de 1996. Por quê?
É uma forma de tirar meu chapéu para Sergio Corbucci [diretor de "Django"]. Django é o nome mais cool que existe. Há mais de 40 filmes picaretas baseados no personagem, que acabou virando o arquétipo do western spaghetti. E tenho orgulho de fazer parte dessa grande tradição de imitações baratas de "Django" (risos).
Franco Nero, ator do "Django" original, atua em "Django Livre". Como planejou isso?
Seria apenas uma participação, mas acabou crescendo e virando um papel. Ele interpreta um italiano, dono de um "mandingo" [um escravo, neste caso, usado para lutas violentas, homenagem ao longa "Mandigo - O Fruto da Vingança", de 1975], que é amigo de Candie. Os dois Djangos aparecem juntos.
Não ficou relutante com o tema da escravidão?
Não tive nenhuma hesitação. Eu sei que algumas pessoas falarão sobre o tema do filme, mas isso não é nada. Ninguém tem o poder de parar o que eu estou fazendo.
Seu produtor, Harvey Weinstein, é considerado um dos mais temidos de Hollywood. Mas você parece ter toda a liberdade criativa...
Harvey é meu pai cinematográfico. Eu não estaria aqui se não fosse por ele. Minha filmografia seria diferente. Eu não teria sido capaz de seguir minha musa sem o apoio dele. Agora, eu dirijo um longa violento e com um tema difícil, e os estúdios disputam a sua compra.
Isso quer dizer que você está no momento ideal da carreira?
Eu estou no meu auge artístico. Trabalhei para alcançar esse nível de habilidade e ambição. "Django Livre" é meu monte Everest.
E a sequência de "Kill Bill", não vai mais acontecer?
Não por um bom tempo. É sobre a filha da personagem de Vivica Fox, que foi morta pela Noiva [Uma Thurman]. A menina busca vingança. Mas ela precisaria ter 18 anos, então temos tempo.
Você não filma em digital?
Eu chamo de vídeos esses filmes rodados em digital. Não são filmes de verdade. Apenas cineastas preguiçosos gostam desse lance digital. Lembro que falei para um chefe de estúdio: "Você gastou US$ 120 milhões em um vídeo. Não se sente enganado?". Ele me respondeu: "Um pouco". (risos)
DiCaprio era sua escolha inicial para Calvin Candie?
Eu tinha em mente alguém mais velho para o papel. Mas ele leu o roteiro e quis me encontrar. Foi quando comecei a pensar que Calvin poderia ser mais jovem, parte de uma longa linhagem de donos de plantações de algodão. Naquela época, quem tinha muita terra e centenas de escravos podia ser um rei, um imperador louco. Calvin está tão entediado que investe em lutas de escravos.
Ainda há outros gêneros que você tem interesse de fazer?
Talvez um filme de terror de verdade com monstros. A lista está acabando.
Isso significa que a aposentadoria está perto?
Talvez. Não quero ser um diretor velho na ativa, me aposento nos próximos 20 anos.


    Filme gera debates antes da estreia nos EUA
    DO ENVIADO A NOVA ORLEANSPrestes estrear nos Estados Unidos, "Django Livre" começou a gerar debates acalorados antes mesmo de ganhar as telas.
    O principal é a respeito do uso exagerado da palavra "nigger" (a tradução politicamente incorreta seria "preto"), considerada nos EUA ofensiva aos afro-americanos.
    No filme, há mais de uma centena de diálogos com a expressão. Um deles, entre o caubói Django (Jamie Foxx, o herói negro do longa) e Calvin Candie (Leonardo DiCaprio, fazendeiro que se diverte promovendo brigas de vida e morte entre escravos) resume bem a discussão.
    Django está montado num cavalo observando um escravo recapturado.
    Candie diz a Django: "Você precisa desculpar o olhar do sr. Stonesipher [capanga de Candie]. Ele nunca viu um preto como você. Já que você não quer comprar esse negrinho, não se importa que eu trate esse preto da maneira que quiser, certo?".
    Django responde: "O preto é seu".
    Candie, então, ordena: "Sr. Stonesipher... Deixe suas cadelas enviarem D'Artagnan [o escravo] para o paraíso dos pretos".
    O blogueiro (branco) Matt Drudge, do site de notícias "Drudge Report", criticou com o uso exagerado do termo. "Não é limpo ou bonito", escreveu.
    O escritor (negro) Touré, coapresentador do programa "The Cycle", da NBC, discorda: "A linguagem do filme é precisa. Eles nem ao menos estão conscientes do racismo ou da gravidade [da palavra]. Se você tira apenas essa lição do filme, é uma reação babaca e pouco inteligente a toda a situação".
    "É assim que as pessoas falavam naquela época. O roteiro de Tarantino é um dos mais corajosos que já li", defende Jamie Foxx.
    "Usar a escravidão como se fosse 'Gladiador' violento ou um filme de gênero é algo inédito. É um faroeste com um escravo no papel principal. Pense nisso", completa o protagonista de "Django Livre."
    "O assunto é delicado", concorda o diretor Quentin Tarantino. "Trabalhamos com uma equipe com alta porcentagem de negros e um elenco de negros. Cada um deles lidou de uma maneira particular, mas o roteiro traz essas coisas à tona. Ficamos muito mais próximos."
    INDICAÇÕES
    O debate só não foi mais quente porque a Associação de Críticos Afro-americanos dos EUA elegeu o longa como um dos melhores do ano. A Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor também indicou o filme para seu prêmio de cinema.
    Com as indicações para o Globo de Ouro de melhor filme dramático, roteiro, diretor e ator coadjuvante (Christoph Waltz e DiCaprio disputam), "Django Livre" pode chegar ao Oscar enfrentando só um preconceito, o de ser um western, gênero que não ganha uma estatueta de melhor filme há 20 anos, desde "Os Imperdoáveis", de Clint Eastwood.

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