sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

CIÊNCIA » Poderosa mordida [piranha-negra da Amazônia]

Cientistas analisam a piranha-negra da Amazônia e concluem que ela tem a mordedura mais potente dos rios e mares. Força do ataque chega a ser 30 vezes superior ao peso do animal 

Roberta Machado
Estado de Minas: 04/01/2013 

Brasília – Entre os 3 mil dentes organizados em fileiras na boca de um tubarão de sete metros e uma única fileira de sete dentes em formato de flecha de um peixe de 40 centímetros, parece ser fácil saber qual é o mais poderoso. Mas a ciência mostra que a resposta não é tão simples. A piranha pode ser muito menor que um tubarão ou uma barracuda, mas é a mandíbula do peixe tropical que ganha o prêmio de maior força no mundo animal. Quando se leva em conta a proporção entre peso e força, a piranha tem a mordida mais devastadora, seja entre criaturas vivas ou extintas: os dentes do bicho superam até mesmo a temida boca do Tyrannosaurus rex.

O surpreendente fato foi apontado por um grupo de pesquisadores norte-americanos que estiveram em 2010 na Amazônia para medir as mordidas desses peixes. Eles capturaram 15 piranhas-negras no Rio Iriri, afluente do Xingu. “Na verdade, capturar as piranhas não foi tão fácil quanto eu achava. Perdemos muitas devido às linhas quebradas, mesmo usando peças de metal. Então, já podíamos dizer que as piranhas-negras têm mordidas fortes”, descreve Justin Grubich, autor do experimento e pesquisador da Universidade Americana do Cairo, no Egito. O grupo chegou a receber a ajuda de comunidades indígenas para colher os peixes.

A medição foi feita com um aferidor à prova d’água e adaptado, equipado com sensores de carga e velocidade. Os peixes morderam as iscas por conta própria e não tiveram de ser provocados para mostrar a verdadeira força. De acordo com Grubich, as piranhas-negras encontradas na floresta amazônica mostraram um comportamento à altura da reputação da espécie. “Assim que colocamos os aferidores de força em suas bocas, elas começavam a mastigar agressivamente, mesmo que fosse basicamente uma placa de metal. Conseguimos ótimos dados, mas tivemos de ser muito cuidadosos para não perder os dedos.”

A força desses animais, de acordo com a pesquisa, permite que eles arranquem pedaços inteiros de presas maiores que eles, num movimento rápido e certeiro. O artigo publicado na revista Scientific Reports mostra que uma piranha-negra de menos de 40 centímetros  morde com uma força 320 newtons (320N), uma força mais de 30 vezes maior que o próprio peso. O valor é três vezes mais potente que a mordida de um crocodilo do mesmo tamanho. Para os autores do trabalho, o segredo desses dentes de aço está na grande massa de músculos adutores da mandíbula da piranha. “A arquitetura das mandíbulas é modificada para produzir uma força de alavanca tremenda durante o movimento de mordida, como um quebra-nozes”, ilustra Grubich.

Simulações Essa foi a primeira vez que a mordida das piranhas foi traduzida em números. Com base nos dados recolhidos, os pesquisadores simularam em um programa de computador qual seria a força da mandíbula de uma espécie há muito extinta, a Megapiranha paranensis. Esse animal da época do Mioceno (entre 23 milhões e 5 milhões de anos atrás) foi descoberto em 2009 a partir de um fóssil parcial encontrado na Argentina. A análise dos dentes do peixe, que teve o tamanho estimado em 71 centímetros, já apontava que ele tinha a anatomia perfeita para cortar carne macia ou mesmo esmagar presas duras.

A conclusão da comparação matemática foi que esse peixe antigo teria uma mordida entre 1.240N e 4.749N, colocando-o no topo da lista mundial. De acordo com a simulação, os dentes da megapiranha eram fortes o suficiente para perfurar a camada exterior de um fêmur bovino, mesmo tendo menos de 1 metro de comprimento. Esses dados fazem supor que ela se alimentava de tartarugas, répteis com duras carapaças, e de membros inteiros de mamíferos. 

“Todos sabíamos da força mandibular das piranhas. Contudo, o que impressionou foi posteriormente usarmos cálculos matemáticos e demonstrar que, comparativamente, a piranha tem uma força de mordida superior a qualquer peixe ósseo ou cartilaginoso”, comenta Jorge Porto, geneticista brasileiro do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que colaborou com o estudo. Se comparada com base no tamanho, a força da megamordida tem uma potência que supera a do antigo tubarão branco gigante, o megalodonte, e que chega a ser três vezes maior que a boca do temido Dunkleosteus terrelli, um peixe pré-histórico que tinha o corpo coberto de grossas placas protetoras.

Sem perigo Os resultados do experimento confirmam a piranha como dona da mandíbula mais forte de todos os tempos, mas não dizem respeito ao comportamento do animal. “É motivo para respeitar as piranhas, não temê-las. Elas têm seus dentes afiados, mas nem todas têm comportamento agressivo. As piranhas atuam principalmente como carniceiros, comendo peixes moribundos ou mortos”, explica Jorge Porto.

De acordo com especialistas, esses peixes costumam atacar somente quando suas ovas estão ameaçadas ou quando há sangue na água. “A piranha é uma carnívora voraz, mas são raros os ataques por cardume. Aquela coisa de Hollywood não existe. Ela come nadadeiras de outros peixes, tira o pedaço e não mata para ter sempre”, esclarece Vidal Haddad Júnior, dermatologista especialista em animais aquáticos potencialmente perigosos.

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