sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Tendências/Debates: Rogerio Meneghini e Ban Ki Moon

FOLHA DE SÃO PAULO

TENDÊNCIAS/DEBATES
Um passo para o intercâmbio internacional
Universidades brasileiras deveriam aproveitar a crise na Europa para estimular o intercâmbio de professores; a opção pelo inglês seria livre
A aspiração para promover ascensão da cultura e da ciência paulistas foi o detonador provido por uma elite do Estado de São Paulo dos anos 30. O combustível se constituiu na instabilidade política e econômica da Europa nessa época.
Uma comissão de busca foi ao continente para convencer cientistas da França, da Itália e da Alemanha a migrar para São Paulo e a ensinar numa universidade que veio a ser criada em 1934. É muito claro que, sem esta migração catalisada, o trajeto da USP seria outro e certamente ciência não teria sido uma atividade mor de seu ideário.
O atual cenário mundial traz similitudes ao dos anos 30: uma forte e duradoura crise econômica na Europa e uma aspiração das universidades a um Intercâmbio Internacional (IcIn) crescente.
Os rankings mundiais deixam claro a sofrível classificação no ensino e na pesquisa de nossas universidades, em grande parte devido à debilidade do IcIn.
Embora tardios, setores governamentais e instituições de fomento têm tido iniciativas intensas de IcIn; porém estas privilegiam mormente estágios no exterior, em sua maior parte por períodos que não ultrapassam um ano. Ainda é cedo para estimar os benefícios desses estágios relativamente curtos.
A outra mão, a de imigração para o Brasil, traz, sob vários aspectos, maior impacto. Há programas modestos e de curta duração da Capes e da Fapesp para a vinda de professores do exterior por períodos que não superam um ano.
Porém, não nos iludamos: iniciativas de agências de fomento criam estímulos, mas dificilmente mudarão o cenário se não houver uma política proativa das universidades visando a vinda de professores altamente qualificados do exterior, com vínculos para estágios longos, se não permanentes. Muitos deles se disporiam a deixar seus países.
Pode-se adiantar que poucas de nossas universidades têm condições para isso. O modelo meritocrático choca-se com vícios enraizados nas universidades públicas: uma forte endogenia favorecendo o ingresso na carreira docente dos graduados na própria instituição, uma isonomia salarial que não contempla a competência acadêmica e um caminho praticamente único de entrada na carreira pelo nível mais baixo.
Uma ruptura dessas tendências é quase impossível nas universidades públicas federais, onde a ausência de autonomia e a atuação sindical prevalecem. Há, porém, uma situação mais favorável nas universidades estaduais de São Paulo e talvez de outros Estados.
Nestas, poder-se-iam contemplar as seguintes iniciativas: professores universitários de várias áreas, com significativo prestígio internacional, seriam identificados por uma comissão de alto nível criada pela universidade local e com maioria de membros de fora desta universidade.
Esta entraria em contato com os elegidos a partir de um escritório próprio instalado na Europa, convidando-os para uma permanência mínima de três anos, com possibilidades plenas de extensão. A escolha pela comissão substituiria o concurso de praxe e o salário oferecido não teria que ser o estipulado pela carreira docente.
Os recursos, próprios, proviriam de uma fundação específica criada pela universidade, de dotações privadas. Uma vez aceito, o professor teria que ter um projeto de pesquisa aprovado por uma agência de fomento brasileira e/ou internacional.
A opção do professor por usar a língua inglesa em suas comunicações institucionais e didáticas seria livre e também um ponto de lança para o emprego da língua no ambiente acadêmico.
Esse seria efetivamente um passo expressivo para o IcIn e de certa forma uma cópia atualizada de uma iniciativa de 80 anos atrás.

    BAN KI-MOON
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    Proteção de toda a família humana
    É um ultraje que mais de 76 países sigam criminalizando a homossexualidade. Líderes deveriam enfrentar e não ceder ao preconceito
    Acabamos de comemorar os 64 anos de um documento que nasceu em dezembro de 1948 e mudou para sempre a visão de como tratamos os membros da família humana.
    A Declaração Universal dos Direitos Humanos provocou uma mudança fundamental no pensamento global, afirmando que todos os seres humanos, não alguns, não a maioria, mas todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
    A luta para concretizar os ideais da declaração é o cerne da missão das Nações Unidas. A comunidade internacional tem construído um forte histórico de combate ao racismo, promoção da igualdade de gênero, proteção das crianças e quebra das barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência.
    Enquanto alguns velhos preconceitos estão diminuindo, outros permanecem. Em todo o mundo, lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) são agredidos, às vezes mortos. Mesmo crianças e adolescentes são insultados por seus pares, espancados e intimidados.
    Pessoas LGBT sofrem no trabalho, em clínicas e hospitais e nas escolas -os mesmos lugares que deveriam protegê-los. Mais de 76 países continuam criminalizando a homossexualidade.
    Muitas vezes já falei contra esta trágica e injusta discriminação, e os desenvolvimentos positivos dos últimos anos me encorajam a seguir lutando. Foram realizadas reformas em muitos países. Na ONU, tivemos inovações históricas.
    Em 2011, o Conselho de Direitos Humanos adotou a primeira resolução da ONU sobre direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero, expressando "grave preocupação" com a violência e a discriminação contra as pessoas LGBT.
    A alta comissária publicou o primeiro relatório da ONU sobre o problema e o conselho discutiu os resultados em 2012 -a primeira vez que um organismo da ONU fez um debate formal sobre o assunto. Os ativistas ajudaram a abrir a porta. Não podemos deixar que se feche.
    É um ultraje que tantos países continuem criminalizando as pessoas só por amar outro ser humano do mesmo sexo. Em alguns casos, novas leis discriminatórias estão sendo criadas. Em outros, essas leis foram herdadas das potências coloniais. Leis enraizadas em preconceitos do século 19 estão enchendo o século 21 de ódio.
    Quando me encontro com líderes de todo o mundo, levanto a minha voz e peço igualdade para os membros LGBT de nossa família humana. Muitos líderes dizem que gostariam de poder fazer mais, mas apontam a opinião pública como uma barreira para o progresso. Eles também citam as crenças religiosas e os sentimentos culturais.
    Respeito plenamente os direitos dos povos em acreditar nos ensinamentos religiosos que escolheram. Isso também é um direito humano. Mas não pode haver desculpa para violência ou discriminação, nunca.
    Entendo que pode ser difícil se levantar contra a opinião pública. Mas só porque a maioria desaprova determinados indivíduos, não dá direito ao Estado de reter seus direitos básicos.
    A democracia é mais do que a regra da maioria. Ela exige defesa das minorias vulneráveis diante de maiorias hostis. Os governos têm o dever de desafiar o preconceito, não ceder a ele.
    Todos temos um papel a desempenhar. Desmond Tutu disse recentemente que a onda da mudança é feita de até um milhão de ondulações. Ao celebrarmos os direitos humanos, vamos mais uma vez lutar pela implementação da promessa da Declaração Universal: que eles sejam para todas as pessoas -como foi planejado.

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