quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Exame de Papanicolau ampliado - Marcela Ulhoa‏

Grupo de cientistas internacionais, que inclui brasileiros, mostra que procedimento usado para detectar câncer de colo do útero pode ajudar a identificar também tumores no ovário e no endométrio 

Marcela Ulhoa
Estado de Minas: 10/01/2013 

Criado em 1940, o exame de Papanicolau é dos procedimentos mais rotineiros nos consultórios ginecológicos de todo o mundo. O teste preventivo do câncer de colo do útero é a principal estratégia para detectar lesões e fazer o diagnóstico precoce da doença. Em países onde ele é realizado com ampla cobertura populacional, os casos desse tipo de tumor em estágio avançado chegaram a cair em mais de 70%. Em estudo publicado na revista científica Science Translational Medicine, uma equipe internacional de pesquisadores, que inclui brasileiros, defende que o já difundido exame, apenas com pequenas adaptações, pode ganhar mais uma importante função: detectar também os cânceres de ovário e de endométrio.

De acordo com um dos autores do estudo, o ginecologista Jesus Paula Carvalho, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), atualmente não existe nenhum método eficiente para rastrear esses dois últimos tipos de câncer, principalmente, o de ovário. Ontem, o Estado de Minas mostrou estudo desenvolvido pela Fundação Ezequiel Dias e a UFMG que busca desenvolver biomarcadores para detectar o mais precocemente possível o tumor de ovário. 

Devido à dificuldade no diagnóstico precoce e à demora no aparecimento de sintomas que sinalizem o problema, cerca de 90% dos casos do mal, quando descobertos, já estão em estágio avançado. “O câncer de ovário evolui em semanas, ele é o mais agressivo nas mulheres. Nós temos pouco tempo para fazer qualquer intervenção, e os métodos atuais, baseados em testes de imagem ou marcadores tumorais, nunca conseguem oferecer uma solução para os nossos problemas”, avalia Carvalho.

O estudo liderado pela Johns Hopkins Medicine, nos Estados Unidos, sugere que o mesmo material coletado no colo do útero das mulheres durante o exame de Papanicolaou pode recuperar informações das células do ovário e do endométrio. Isso porque as células cancerígenas oriundas dessas partes são transportadas pelo canal endocervical, onde são alcançadas pela escova utilizada pelo médico na escamação da superfície externa e interna do colo do útero, procedimento padrão para o exame de rotina.

O grande diferencial do novo estudo, no entanto, está na etapa posterior à escavação. No exame de citopatologia tradicional, as células colhidas são colocadas em uma lâmina para análise em microscópio. Já no estudo, os pesquisadores transferiram o conteúdo da escova para um fixador líquido, no qual puderam isolar o DNA de 46 pacientes com câncer. “Hoje, do ponto de vista molecular, existe uma assinatura de mutações em alguns genes que levam ao processo tumoral e à formação do câncer. Com o advento do sequenciamento em larga escala, tornou-se possível detectar o tipo de mutação presente em cada paciente com câncer”, explica Suely Kazue Nagahashi Marie, pesquisadora do Icesp que também participou do estudo. Segundo ela, a evolução das metodologias para sequenciamento genético de largo espectro possibilitou que o material coletado durante o exame de Papanicolaou fosse examinado em seu nível molecular.

Detecção precoce Para atestar a possibilidade de detecção de células cancerígenas por meio do exame de rotina, os pesquisadores primeiro pegaram o fragmento congelado de câncer de ovário e endométrio das pacientes já diagnosticadas em estágio avançado e realizaram o sequenciamento de todo o exoma. Eles então descobriram 12 principais genes mais frequentemente mutáveis nos dois tipos de câncer. 
A partir de um perfil genético das mutações, os cientistas procuraram os mesmos marcadores no material de DNA coletado no Papanicolaou e conseguiram 100% de compatibilidade para os casos de câncer de endométrio e 41% para os de ovário. “Os dados são muito fortes. Para quem não tem nada, 41% é muito. Esse é o melhor resultado até hoje. E isso é só o começo, o próximo passo será refinar os resultados”, defende Carvalho.

Segundo o pesquisador, o grande salto do estudo é a possibilidade de analisar fragmentos cada vez menores e, portanto, identificar qualquer mutação ainda em seu início. “Não estamos mais procurando nódulos, tumor, ou células, mas moléculas, que é uma estrutura infinitamente menor. Se nós formos capazes de encontrar o tumor por meio do estudo de moléculas, é muito mais provável que a doença seja detectada precocemente. Não se trata de tecnologia inacessível, mas o uso de conhecimentos consolidados de forma inovadora”, destaca.

Só o começo Apesar de considerar a pesquisa relevante, Carlos Gil, coordenador de pesquisa clínica do Instituto Nacional de Câncer (Inca) pondera que é preciso cautela nas expectativas. “A gente costuma dividir os achados científicos entre cientificamente interessantes e medicamente interessantes. Acho que esse artigo, nesse momento, é cientificamente interessante, mas não posso dizer ainda que ele vai se tornar um método de diagnóstico precoce.” Segundo ele, com o advento da genômica, a oncologia vive hoje um boom de lançamento de novos testes, entretanto, o grande desafio é torná-los viáveis clinicamente. “Os métodos que eles utilizam são de sequenciamento de largo espectro, e, por isso, têm o custo muito alto. Transformar isso em um exame recorrente vai demorar.”

Agnaldo Silva Filho, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ressalta que, apesar de ser preliminar, o estudo sinaliza uma possibilidade de preencher uma importante lacuna na ginecologia oncológica. “Hoje, nós não temos nenhum método eficaz, por isso, todo investimento em pesquisa e em desenvolvimento de técnicas para um diagnóstico precoce pode ter um grande impacto na saúde feminina.”

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