quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Líderes criticam ameaça do Reino Unido de deixar bloco

FOLHA DE SÃO PAULO

União Europeia não pode ser 'diminuída', diz França; alemães também condenam
Como previsto, premiê britânico propôs votar saída do bloco até 2017; parlamentares veem campanha antecipada
BERNARDO MELLO FRANCODE LONDRESA ameaça do premiê britânico, David Cameron, de convocar um plebiscito até 2017 para definir se o Reino Unido ficará ou não na União Europeia provocou ontem fortes reações de líderes europeus.
Em discurso esperado desde o ano passado, Cameron disse que promoverá a consulta caso o bloco não aceite fazer concessões em troca da permanência do país.
Os governos da Alemanha e da França, as duas maiores economias do continente, afirmaram que o Reino Unido não pode escolher apenas o que convém para ficar.
A chanceler alemã Angela Merkel aceitou negociar com o britânico, mas disse que outros países do bloco também têm seus interesses. "Precisamos buscar um compromisso justo", afirmou.
O presidente francês François Hollande disse que a União Europeia não pode ser "diminuída" em troca da permanência de um país.
"A Europa tem que ser aceita como ela é. Nós podemos evoluir no futuro, mas não podemos prometer reduzi-la ou diminuí-la."
O ministro de Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, afirmou que o plebiscito é uma ideia "perigosa".
"Imagine que a Europa fosse um clube de futebol. Depois que você entrou no clube, não pode sair dizendo que agora vai jogar rugby."
EQUILÍBRIO
No discurso, Cameron cobrou a "renegociação do pacto" com a UE, mas não deixou claras as condições que garantiriam a permanência.
Ele voltou a se equilibrar entre as críticas ao bloco e a afirmação de que defende a presença britânica numa Europa "reformada".
"Se não encararmos os desafios, o risco é a Europa fracassar e o povo britânico ser empurrado para a porta de saída. Eu não quero que isso aconteça", disse.
Ao ser questionado se defenderia a saída da UE caso as mudanças não o satisfaçam, o primeiro-ministro desconversou. "Não entro numa negociação para perder."
O gesto de Cameron foi recebido como pontapé inicial das eleições britânicas de 2015, quando ele tentará se manter no poder e ampliar a bancada do Partido Conservador no Parlamento.
O primeiro-ministro aposta no sentimento antieuropeu do eleitorado. Segundo pesquisas, a maioria dos britânicos culpa os vizinhos pela crise e votaria hoje a favor de uma saída do bloco.
Cameron também tenta blindar seu partido contra o crescimento do Ukip, sigla nacionalista que defende a ruptura total com a Europa.
A promessa de plebiscito, no entanto, contraria o Partido Liberal-Democrata, do vice-premiê Nick Clegg.
A oposição trabalhista também é contra a consulta.

    ANÁLISE
    Proposta de premiê é exemplo de política feita na corda bamba
    PHILIP STEFFENSDO “NEW YORK TIMES”Não há nada inevitável sobre a saída do Reino Unido da União Europeia. Mas a história pode bem vir a registrar que David Cameron colocou o país no curso para isso.
    Não era esse seu propósito quando decidiu fazer o discurso, muito postergado, sobre o futuro do país na Europa.
    Embora prometesse uma renegociação rigorosa dos termos de adesão, suas palavras foram um argumento em defesa da permanência.
    Ele estava fazendo política na corda bamba -com um discurso para manter unido o Partido Conservador, cada vez mais fragmentado e cético quanto à integração europeia, e não para expressar uma visão de Estado audaciosa.
    O discurso tinha elementos que não dão margem a controvérsia. Quem não quer uma Europa mais flexível e aberta, e com melhor prestação de contas, capaz de concorrer contra os melhores?
    É evidente, também, que uma integração econômica mais profunda no seio da zona do euro vai exigir um novo acordo entre os países participantes e os que optarem por não usar a moeda única.
    Cameron ofereceu argumentos vigorosos em defesa da manutenção. Reconheceu publicamente o que Barack Obama vinha lhe dizendo em particular -que abandonar a UE reduziria a influência de Londres em Washington, Pequim, Nova Déli e além.
    Reconheceu ainda que o país tampouco poderia escapar aos impactos das decisões do continente: ele pode deixar a UE, mas não a Europa.
    A esperança de Cameron é que seu discurso impeça uma ruptura histórica em seu partido comparável às acontecidas nos séculos 19 e 20. A resposta inicial foi encorajadora.
    A linha dura da base conservadora, que se opõe à UE, viu positivamente o anúncio de que a decisão final caberia ao público, via plebiscito.
    Resta saber se Cameron conseguiu dirimir as dúvidas a longo prazo. Por enquanto, ele resiste a apresentar exigências aos parceiros europeus. Mas é difícil imaginar que a ala antieuropeia do partido seja igualmente paciente.
    A posição dos parceiros do Reino Unido é bem clara: querem que o país fique, mas se este buscar concessões que desafiem a estrutura básica da UE, seria melhor que parta.

      Líder da Itália critica quem "não quer ficar" na Europa
      Mario Monti reagiu à proposta do premiê britânico de discutir permanência no bloco
      Primeiro-ministro italiano, contudo, vê necessidade de dar prioridade ao crescimento econômico
      MARIA CRISTINA FRIASENVIADA ESPECIAL A DAVOSA proposta de plebiscito de David Cameron, a política monetária e a guerra cambial foram os temas que mais chamaram atenção no Fórum Econômico Mundial, que efetivamente começou ontem em Davos, na Suíça.
      Aqui e ali ouviram-se comentários de apoio e contrários à ideia do britânico, mas a manifestação mais forte veio do primeiro-ministro italiano, Mario Monti.
      "Queremos desesperadamente que fiquem na União Europeia europeus que queiram nela permanecer. Não precisamos de europeus que não queiram ficar", disse Monti, que foi em seguida interrompido por aplausos.
      O premiê italiano disse que concordava com Cameron no ponto em que "prosperidade e crescimento têm de ser prioridades número um", mas que estava confiante.
      "Tenho confiança que, se houver um referendo no Reino Unido, os britânicos votarão por ficar."
      Após Monti, subiu ao principal palco do Fórum Christine Lagarde, diretora do FMI.
      Ela alfinetou de leve, ao afirmar que a Europa passa por um processo histórico de integração -o Reino Unido incluído.
      BRASIL
      A presidente Dilma Rousseff se reunirá hoje, no Palácio do Planalto, com os presidentes da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, e do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, num encontro cujo desfecho mais provável será a formalização de parcerias entre o bloco e o governo na área de ciência e tecnologia.
      O programa Ciência sem Fronteiras, considerado pela própria presidente uma "obsessão" em seu mandato, será a vitrine do governo durante a reunião. A intenção é conseguir apoio institucional da União Europeia na concessão de bolsas de estudos a alunos brasileiros.
      Hoje, o Ministério da Educação firma parcerias com países europeus individualmente. Dos quase 18 mil bolsistas do programa, 11 mil estudam em instituições europeias, diz o governo.
      A pauta de discussões entre Brasil e União Europeia é extensa: abordará a gestão de conflitos no Oriente Médio, a coordenação do G20 (grupo dos 20 países mais ricos) e desembocará no impasse de mais de uma década sobre o tratado de comércio entre Mercosul e o bloco europeu.

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