quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Tendências/Debates

FOLHA DE SÃO PAULO

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY
Um filósofo na prefeitura
Haddad deve ter como meta a erradicação da miséria extrema. Precisa localizar as quase 200 mil famílias com direito à renda mínima
Pouco antes da conferência de Philippe Van Parijs, professor de filosofia e economia das universidades de Louvain, Harvard e Oxford, sobre "A Perspectiva da Renda Básica de Cidadania", na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, o professor Luiz Carlos Bresser-Pereira disse ao conferencista que seria uma boa oportunidade para que transmitisse ao prefeito Fernando Haddad o que poderia fazer um filósofo à frente da Prefeitura de São Paulo.
Bacharel em direito, mestrado em economia e doutor em filosofia, o prefeito honrou-me com a sua participação na minha última aula regular, em dezembro, após 46 anos de docência desde que ingressei na Eaesp-FGV, em 1966. Muito atento, observei que assimilou o que disse o principal fundador da "Basic Income Earth Network", em 1986.
Philippe Van Parijs listou requisitos para que uma pessoa consiga melhorar o mundo. O primeiro é ter uma visão coerente e plausível do futuro, uma utopia, a exemplo da que foi explicada de forma brilhante por Thomas More, em "Utopia", em 1516.
Van Parijs assinalou que um dos problemas de Karl Marx foi a insuficiência ao desenvolver a utopia, para justamente poder resolver os problemas do sistema que substituiria o capitalismo.
O segundo requisito é a capacidade de executar. O terceiro é ser ativista e não perder a oportunidade de divulgar a visão do que considera ser o melhor.
Fernando Haddad concordou com Van Parijs que se tratava de uma questão de imaginação política. Observou que Marx deixou a melhor crítica do capitalismo, mas não a melhor solução. Ressaltou, entretanto, que as desigualdades, tais como as existentes em São Paulo, estimulam as transformações.
No discurso de posse de 1º de janeiro, o filósofo, economista e bacharel em direito mostrou o quanto está preparado, em pronunciamento muito bem construído. Lembrou recente evento na cidade, quando jovens, por meio de redes sociais, convocaram as pessoas para dizer que "existe amor em São Paulo". Foi um sinal de que é preciso cultivar a generosidade de uns para com os outros.
Daí para as metas principais. A primeira é diminuir a intensa desigualdade e erradicar a miséria extrema. Na prática, isso significa que o prefeito Haddad poderá realizar o que Philippe Van Parijs observou que poderia ser uma meta ao seu alcance.
Identificar onde estão as 46,3% das famílias de um total de aproximadamente 424.527 que, tendo uma renda familiar mensal per capita de até R$ 140, ainda não estão incluídas no programa Bolsa Família. Em janeiro de 2013, são 227.938 (53,7%) as beneficiárias e 196.589 as que faltam ser encontradas. É importante achá-las, inscrevê-las e proporcionar-lhes o que agora está assegurado pela Busca Ativa, pelo Brasil Carinhoso e pelo convênio do governo Dilma Rousseff com o governo Geraldo Alckmin para SP.
Assim, até data a ser definida pelo prefeito Haddad, nenhuma família, considerando seus rendimentos mais o complemento do Bolsa Família, terá menos do que R$ 70 por mês per capita.
As demais metas -repactuar a dívida com a União, melhorar os serviços públicos de educação e saúde, ampliar as oportunidades de moradia, em harmonia com o ambiente e fazer de São Paulo extraordinário centro cultural, esportivo e dinamizador do conhecimento, com uma preocupação solidária- indicam o caminho da esperança.
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RANDOLFE RODRIGUES
Navegar é preciso
Diante de um falso consenso, inspiro-me em Ulysses Guimarães para apresentar ideias que restaurem a credibilidade do Senado
Recente pesquisa mostrou que a maioria do povo brasileiro não acredita nos partidos políticos. Esse fenômeno é provocado pelos sucessivos escândalos de corrupção e pela falta de resolução dos principais problemas da população. E a postura do Parlamento reforça essa percepção negativa.
No dia 1° de fevereiro, o Senado Federal elegerá mais um presidente, que será também o presidente do Congresso Nacional; ou seja, o escolhido será um dos pilares da democracia representativa brasileira.
Dias atrás, em consenso com outros senadores, apresentei um conjunto de ideias para restaurar a credibilidade do Senado. Dentre as sugestões, destaco a necessidade do resgate ético e da garantia de sua independência frente aos demais Poderes da República.
Em uma democracia, o Parlamento tem três funções: representar, legislar e fiscalizar. Deixamos muito a desejar no cumprimento dessas atribuições. A conduta do representante tem sido distante da vontade do representado; nos omitimos em legislar por uma agenda nacional, agindo como correia de transmissão do Executivo e nos omitimos na função fiscalizadora.
Nossa Constituição Federal prevê a igualdade entre os Três Poderes. Mas os últimos anos mostram que o Parlamento tem sido um Poder subalterno.
Em primeiro lugar, por causa do rolo compressor das medidas provisórias. O Executivo usa esse instrumento sem critério, forçando o Congresso a aprová-las sem debate e em prazos vergonhosamente curtos.
Depois, em função da "judicialização" da política, com a clara intervenção da Justiça, que impõe legislações e contesta decisões tomadas no Parlamento, muitas vezes respondendo a iniciativas dos próprios parlamentares descontentes com o resultado das votações.
Mas a principal causa da perda de credibilidade do Senado é a nossa ineficiência. Nos últimos anos, a Casa acumulou posicionamentos que desgastaram sua imagem perante o povo brasileiro, especialmente pela falta de transparência, pela não punição exemplar de desvios éticos e pela perda da capacidade de agir com independência.
Alguns exemplos: depois de três anos de prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal, não conseguimos definir o funcionamento do Fundo de Participação dos Estados (FPE), jogando as finanças de alguns Estados em um abismo.
Na mesma época, passamos pelo ridículo pela forma vergonhosa como terminamos a CPI do Cachoeira, com um relatório pífio e nenhum indiciamento, passando a ideia de que preferimos jogar para debaixo do tapete os escândalos que maculam a imagem do Parlamento.
Inspirado em Ulysses Guimarães, que, em 1973, lançou sua "anticandidatura" à Presidência contra Geisel, fazendo avançar o processo de redemocratização, eu decidi apresentar meu nome para a disputa no Senado. Fiz isso porque estava se consolidando um falso consenso e também porque não compactuo com uma casa de representantes com hábitos tão distantes do sentimento de seus representados.
Minha candidatura pretende resgatar a esperança dos cidadãos de que o Senado Federal fiscalize o Executivo, aprove leis em favor das maiorias, respeite o pacto federativo, especialmente garantindo tratamento diferenciado para as regiões mais pobres do país.
Há 39 anos, ao lançar sua "anticandidatura", Ulysses disse o seguinte: "Nossos opositores, com sua voz de Cassandra e seu olhar derrotista, sussurram as excelências do imobilismo e a invencibilidade do establishment. Conjuram que é hora de ficar e não de aventurar".
Assim como Ulysses, recordo o brado de Fernando Pessoa, tão atual para o momento de hoje: "Navegar é preciso. Viver não é preciso".
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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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