domingo, 6 de janeiro de 2013

Minha história: Vovô aviador

FOLHA DE SÃO PAULO

Vovô aviador
O tcheco Zdenek Volf, 82, pilota desde os 15; ele saiu da então Tchecoslováquia num avião do Exército, fugindo da Guerra Fria
JULIANA COISSIDE RIBEIRÃO PRETORESUMO O tcheco Zdenek Peter Vaclav Volf, 82, é o mais idoso piloto a voar sozinho no Brasil com um planador -avião sem motor-, segundo a Federação Brasileira de Voo a Vela. Ele fugiu da então Tchecoslováquia em 1953, com um avião roubado do Exército. No Brasil, participa de campeonatos em planadores.
Vi um planador pela primeira vez aos quatro anos, em Klatovy, na então Tchecoslováquia [atual República Tcheca].
Quando os alemães ocuparam meu país [na Segunda Guerra (1939-45)], eles ampliaram o aeroporto, construíram hangares e colocaram uns 50 planadores de treinamento. Pegavam meninos de 15 anos e botavam dentro. Hitler precisava de milhares de pilotos.
Quando eu tinha 15 anos, com o fim da Segunda Guerra, eram os soviéticos que estavam no meu país. Eles chamavam os jovens: "Quem quer voar?" Todo mundo queria.
Como piloto, fiz quatro recordes tchecos em distância percorrida. Ganhava um campeonato atrás do outro. Voava todos os dias. Quando não, ficava triste no chão.
Para mim, política tanto fazia. Eu queria era voar. Se eu tivesse continuado lá, ia morrer. Eu não me conformava. Por que, diabos, se o cara não gostava de política, deveria ser perseguido? Tinha de fugir daquela opressão [do regime comunista na Tchecoslováquia] para um país livre.
Decidimos fugir, eu e meu colega Jorge. Roubamos um avião do Exército Tcheco. Era dezembro de 1953, um dia com muitas nuvens, temperatura de zero grau. Péssimo tempo para voar. E, justamente por isso, ótimo tempo para fugir.
Eu era o oficial do dia. Mandei abastecer o avião. O mecânico estranhou, porque não havia voo programado.
Ordenei: "Tira os calços". Eu acelerei com toda a força e fui raspando o chão. Quando eu decolei, saíram caças atrás.
Voamos baixíssimo, entre as árvores. Olhei para a frente e vi uma montanha, bem na nossa cara. Aí o motor congelou. Ele pipocava. O avião começou a subir até o topo.
Quando cheguei lá, apareceu uma tora de madeira com dois ou três homens com submetralhadora. Vi um apontando para a minha cara.
A tora era uma das colunas da cortina de ferro [que separava os comunistas do Ocidente]. Voamos bordeando o arame farpado. Quando vi a torre do lado direito, pensei: "Já estou na Bavária [Alemanha Ocidental]. Estou livre!".
Pouco depois de passarmos a fronteira, o motor fez: pla-la-la-...Pof. Parou. Fim da gasolina. "Pronto, agora virou planador", pensei. Mas eu sou piloto de planador, tanto faz. Só deu tempo de puxar o manche. Quando íamos parar, capotamos.
Pousamos em Pfarrkirchen, na Alemanha Ocidental. Quando perguntaram para qual país queríamos ir, escolhi o Brasil, porque tinha um tio em São Paulo. Desembarcamos em Santos, em 1954.
Foi uma fase triste, porque passei longos anos sem voar. Foi só quando me mudei para Ribeirão Preto, com tráfego aéreo mais limpo, que voltei a competir com planador.
Eu tenho 82 anos. Ninguém acredita que voo na minha idade. Você me pergunta qual é a sensação de voar? Façamos o seguinte. Estou agora me recuperando de saúde, mas daqui a três meses, quer fazer um voo comigo?

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