segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Crônica de um amor louco

folha de são paulo

Bruno Barreto retoma forma com história de amor visceral entre Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares, recebido com aplausos em Berlim
RODRIGO SALEMENVIADO ESPECIAL A BERLIMMARCO AURÉLIO CANÔNICODO RIO
Bruno Barreto, 57, reencontrou sua sensibilidade. Após uma década produzindo comédias ("Voando Alto", "O Casamento de Romeu e Julieta") e denúncias disfarçadas de drama ("Caixa Dois" e "Última Parada 174"), o cineasta de "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1976) volta a realizar um bom romance para o cinema com "Você Nunca Disse Eu Te Amo", que teve première mundial anteontem, no 63º Festival de Berlim.
A história de amor visceral entre a poeta americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto) e a arquiteta e paisagista brasileira Lota de Macedo Soares (Gloria Pires) no Rio dos anos 1950 e 1960 foi recebida com aplausos na mostra Panorama (e com risos, por causa do excesso de patrocínios estampados na abertura).
Num festival menos engajado (o tema do ano em Berlim é a sobrevivência da comunidade no mundo moderno), o longa disputaria o Urso de Ouro, se estivesse participando da competição oficial.
Bruno recebeu o projeto da mãe, Lucy Barreto, fã do livro "Flores Raras e Banalíssimas", de Carmem Lúcia de Oliveira, de quem comprou os direitos de filmagem em 1997.
Mas o cineasta nunca foi grande entusiasta da ideia. Somente quando separou-se da atriz Amy Irving, em 2005, que percebeu a atração pelo projeto. "Fiz dois filmes, mas este ficou comigo o tempo todo. Eu entendia aquela história sobre perda. Lota 'c'est moi' [sou eu]", brinca.
Entendia tanto que batizou a produção de "A Arte de Perder" -inspirado nos versos de "One Art", poema de Bishop que abre o filme. Mas os outros membros da produtora (familiar) LC Barreto preferiram apostar em "Flores Raras", que, duas semanas antes da estreia em Berlim, foi mudado para "Você Nunca Disse Eu Te Amo" (frase dita por Lota para a amante).
"O primeiro nome ainda é meu preferido, mas não acharam comercialmente bom. Não quis ir contra, pois, se algo der errado, não queria que me culpassem", graceja Barreto.
O cineasta não deveria se preocupar. O longa, que deve estrear no Brasil em 24 de maio e é quase todo falado em inglês, é seu melhor trabalho em duas décadas.
PERSONAGENS REAIS
Apesar da mão pesada no final, reforçando de forma redundante as palavras da poeta, Bruno Barreto se vale do roteiro escrito por Carolina Kotscho ("2 Filhos de Francisco") e Matthew Chapman ("O Júri") para criar emoções e personagens reais, com virtudes e defeitos palpáveis, interpretadas com vigor por Gloria Pires e Miranda Otto.
Gloria constrói Lota (1910-1967), responsável pela criação do Aterro do Flamengo e que morreu de overdose de tranquilizantes quando a relação com Bishop já estava arruinada, como uma mulher de sexualidade acentuada e personalidade forte, com direito a cenas picantes.
"Falei para a Gloria que ela pode ter uma carreira como a da Juliette Binoche ou da Marion Cotillard", exalta Lucy.
Já a australiana Otto compõe Bishop (1911-1979) com uma fragilidade comovente, seja quando ela se entrega ao alcoolismo seja ao vencer o prêmio Pulitzer de poesia em 1956 por "North & South".
"Por tudo que já exibimos, confiamos muito nele", diz a produtora Paula Barreto, irmã de Bruno.

Acidentado em 2009, irmão ainda se recupera
DO RIO
"Ele tinha uma atuação muito grande aqui, dirigia, produzia, tinha ideias para vários projetos. A ausência dele é muito difícil."
Lucy Barreto se refere ao filho Fábio, 55, cujo último trabalho na produtora da família -o longa "Lula, o Filho do Brasil"- foi lançado menos de um mês após acidente de carro, em dezembro de 2009, que o deixou em coma desde então.
Após meses de internação sem qualquer reação, hoje o diretor de "O Quatrilho" (1995), que disputou o Oscar de filme estrangeiro, está "se desenvolvendo", segundo seus pais. "Não há mais dúvida de que ele ouve tudo e compreende", diz Lucy.
Há dois meses, Fábio passou a usar uma droga receitada por médicos de Boston (EUA) cuja função é a de "organizar os neurônios", segundo seu pai.
"Os neurônios estão lá, mas são como uma orquestra sem maestro. A droga faz esse papel", diz Luiz Carlos. Como resultado, o filho passou a fazer movimentos de cabeça, braços e pernas, que não fazia.
A recuperação do cineasta -que vive em sua casa, no Rio, com a mulher e o filho do casal-, é acompanhada pelo Hospital das Clínicas de São Paulo.
Sua rotina inclui fisioterapia e audição de músicas em diversos momentos do dia -o despertar, o banho, o momento de dormir.
Os pais o visitam "quase diariamente". Cada sinal de evolução é comemorado. "Eu tenho fé. Se ele não morreu, é porque tinha de ficar. E vai voltar", afirma Lucy.

Clã lança braço da produtora dedicado à TV
DO RIOA pré-estreia em Berlim precede a nova investida do clã mais poderoso do cinema brasileiro. Assim que voltar da Alemanha, a família Barreto deve se dedicar ao lançamento da LCTV, o braço da produtora voltado à televisão.
O anúncio oficial será no primeiro dia do RioContentMarket, feira de negócios do setor, de 20 a 22 de fevereiro.
"Nós somos especialistas em contar histórias e nos demos conta de que, hoje em dia, a melhor dramaturgia está na TV", diz Paula. Sua mãe completa: "Cinema é muito caro, eles não querem arriscar. Na TV, como é mais barato, arrisca-se mais, você encontra mais originalidade".
A decisão de investir mais nesse mercado também está ligada à vigência da nova lei da TV paga, que obriga os canais a reservar espaço para o conteúdo brasileiro (atualmente, 70 minutos por semana, em horário nobre).
Os Barreto estimam que a LCTV responderá por 40% dos negócios da produtora, mesmo percentual da parte de cinema -os 20% restantes ficam por conta de filmes institucionais.
O primeiro produto, já pronto e negociado com um canal aberto (que eles não nomeiam, por questões contratuais), é a minissérie "Rondon", de cinco capítulos, com Rui Ricardo Diaz, protagonista de "Lula, o Filho do Brasil", de Fabio Barreto.
A obra seguirá um formato em voga: além da TV, será adaptada para os cinemas. Este intercâmbio entre os dois meios se repetirá com "João ou O Milagre das Mãos", longa seguinte de Bruno Barreto sobre o maestro e pianista João Carlos Martins.
Selecionado para receber R$ 3 milhões do Fundo Setorial do Audiovisual, o filme começa a ser rodado em 2014; posteriormente, será adaptado para a TV, em capítulos.
Segundo Lucy, a Globo os sondou para fazer o mesmo com "Você Nunca Disse Eu te Amo", transformando o longa em minissérie "para o horário das 23h, em quatro capítulos, como fizeram com o 'Xingu' e 'Gonzaga'", conta.
A matriarca acredita que a proposta seja viável ("Temos material para isso, muita coisa boa ficou de fora"), no que discorda o seu filho: "Não dá, ia ficar uma encheção de linguiça", diz Bruno.

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