segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Tendências/Debates

folha de são paulo

DÉCIO GOMES, PAULO ROBERTO MELLO CUNHA E CELINA MENDES DE ALMEIDA
TENDÊNCIAS/DEBATES
São Gonçalo, bom exemplo para São Paulo
Depois que o serviço de resgate passou a ser acionado para socorrer vítimas, o número de "autos de resistência" caiu 70%
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo tomou um passo importante para coibir a violência policial ao editar a resolução nº 5, em janeiro. Algumas das medidas previstas foram adotadas a partir de 2008 em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, e se mostraram bem-sucedidas.
Depois que o serviço de resgate dos bombeiros passou a ser acionado para socorrer as vítimas em confronto com a polícia, o número de "autos de resistência" diminuiu quase 70%, passando de 53 e 62 casos em 2007 e 2008 para 20 e 21 casos em 2009 e 2010, respectivamente.
Essa mudança foi liderada pelas Promotorias do Júri que, ao detectarem que grande parte dos "autos de resistência" (invenção acadêmico-policial para as mortes cometidas por policiais em supostos confrontos) eram de fato execuções sumárias, passaram a denunciar os policiais envolvidos por homicídio.
Desde 2008, foram apresentadas 56 denúncias contra mais de cem policiais militares do batalhão local. Tal iniciativa só foi bem sucedida por contar com o apoio da juíza Patrícia Acioli, que cumpria seu papel durante a fase de investigação e, quando necessário, deferia os pedidos de prisão preventiva contra os policiais acusados, feitos pelo Ministério Público.
Em 2009, o Ministério Público assinou acordo com o comando local da Polícia Militar e com delegados de polícia pretendendo melhorar a apuração dos "autos de resistência" e impedir que "falsos socorros" desfizessem o local do crime ao remover, indevidamente, o cadáver da vítima.
Seguindo essa linha, o Ministério Público adotou o entendimento de que, após um confronto com vítimas, a Polícia Militar deveria preservar o local do crime, acionar o atendimento médico e comunicar a Polícia Civil. Diferentemente de São Paulo, no entanto, não se proibiu a Polícia Militar de realizar o socorro: determinou-se que esse fosse prestado, prioritariamente, pela equipe de resgate dos bombeiros.
No entanto, caso o exame cadavérico comprovasse tecnicamente que a vítima, supostamente socorrida pela polícia, já se encontrava morta, os policiais envolvidos responderiam pelo crime de fraude processual ou mesmo homicídio qualificado.
Medidas como essas se aplicariam a todo Estado do Rio de Janeiro, que possui um dos mais altos números de mortes em confronto com a polícia. Só no ano de 2011, foram 524 vítimas, segundo dados oficiais do governo. A única medida tomada foi em resposta à morte do menino Juan de Moraes, morto por policiais em junho daquele ano.
A chefe da Polícia Civil editou resolução para que os delegados de polícia tomassem medidas antes de registrar o caso, automaticamente, como "auto de resistência". Registre-se que todas as medidas já estão previstas no Código de Processo Penal.
O paciente trabalho realizado em São Gonçalo acabou por revelar a forma automática como execuções são encobertas por atores do cenário criminal. Nesse ponto, louvável a iniciativa da Secretaria da Segurança Pública de SP ao eliminar esse procedimento anômalo como opção ao registro do crime em sede policial.
Espera-se que essa nova determinação de São Paulo seja cumprida e que não surjam outras maneiras de se encobrir execuções sumárias, lamentavelmente praticadas por alguns maus policiais.



FABIANO ANGÉLICO, WAGNER PRALON MANCUSO E ANDRÉA OLIVEIRA GOZETTO

TENDÊNCIAS/DEBATES
Lobby e Lei de Acesso à Informação
Diante do novo quadro de transparência, não é mais possível fingir que lobistas não existem: é necessário publicizar seus interesses
Há diversos vasos comunicantes entre Estado e sociedade. Um deles são os partidos políticos, organizações que oferecem aos eleitores candidatos à gestão do poder público. Outros são espaços formais de diálogo entre governo e cidadãos, tais como as audiências e consultas públicas e os conselhos e conferências de políticas públicas. Esses canais são amplamente conhecidos, debatidos e criticados.
Há, porém, outro canal de comunicação que o Brasil finge inexistir. Trata-se do lobby, que ocorre quando agentes sociais tomam a iniciativa de procurar membros do poder público capazes de fazer decisões, a fim de apresentar seus interesses.
Visto com desconfiança por muitos setores, o lobby não é lícito ou ilícito por definição -sua licitude ou ilicitude depende da obediência ou desobediência ao ordenamento jurídico existente.
A regulamentação do lobby é uma medida sempre lembrada quando se trata de banir o lobby ilícito e estimular o lobby lícito. Há muitos anos, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que tratam do tema. Basicamente, regulamentar o lobby significa levantar e publicizar informações sobre os lobistas e as interações que mantêm com os decisores, além de estabelecer padrões para essas interações.
A prestação de informações seria precondição para que os lobistas pudessem requerer as credenciais para o acesso aos agentes públicos. Informações omitidas ou falsas seriam punidas pela negação de credenciamento ou de sua renovação, bem como pelo encaminhamento do caso ao Ministério Público.
Dentre as informações que hoje não existem, mas podem ser criadas a partir da regulamentação, estão a identidade dos lobistas e de quem os contrata, as matérias de interesse dos empregadores dos lobistas, as atividades realizadas pelos lobistas para a promoção de interesses e o montante aplicado na realização dessas atividades.
Você leu acima que regulamentar o lobby envolve "publicizar informações". Também já deve ter lido, em algum lugar, que o Brasil agora conta com uma Lei de Acesso à Informação. Essa lei (12.527/11) obriga o Estado a disponibilizar informações sob sua guarda, salvo poucas exceções. Chegamos, então, ao ponto do título deste artigo.
Diante da Lei de Acesso à Informação, a discussão sobre a regulamentação do lobby pode ser redimensionada. Um dos principais obstáculos era justamente a definição dos órgãos responsáveis por recolher e divulgar as informações prestadas pelos lobistas. Mas a nova Lei de Acesso à Informação já determina que as organizações públicas tenham órgãos incumbidos de disponibilizar aos cidadãos as informações referentes às suas atividades. A regulamentação do lobby produziria informações novas e de relevante interesse público, que os órgãos determinados pela Lei de Acesso à Informação deveriam reunir e publicizar.
Embora não seja uma panaceia, pois a regulamentação não cobriria a defesa informal de interesses, nem aquela que mobiliza laços pessoais -de amizade ou de outra natureza- entre lobistas e decisores, convém retomar as discussões sobre a regulamentação do lobby no Brasil diante do novo quadro de transparência.
Não é mais possível fingir que o lobby não existe. A uma democracia madura, num país plural, convém conhecer as múltiplas formas de influência sobre o Estado e zelar para que elas se deem de modo legal e transparente. Deixar o "faz de conta" pode ser um processo duro. Mas é inevitável.

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário