segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Fantasias rasgadas
O Carnaval volta com força às ruas de São Paulo, mas é ingênuo acreditar que ele possa ser isolado da influência comercial na festa
Após a ressurgência do Carnaval de rua no Rio de Janeiro, em anos recentes, São Paulo parece contagiada pela ideia de reviver a festa em suas vias e praças. Já na semana anterior aos festejos oficiais, a cidade experimentou uma alegre epidemia de blocos carnavalescos.
O brilho e a tradição do Carnaval carioca e de outras cidades, como Salvador e Olinda, sempre deixaram em segundo plano as comemorações nesta capital. Os próprios paulistanos pareciam conformados com a constatação de que não é essa uma especialidade sua -e, não por acaso, deixavam a metrópole em busca de diversão (ou de paz) noutras paragens.
Foi o carioca Vinicius de Moraes quem cunhou a expressão "túmulo do samba" para se referir a São Paulo. Há ao menos uma versão menos depreciativa, todavia: o poeta, autor de tantas e memoráveis letras de canções, teria pronunciado a sentença, numa boate paulistana, por irritação com o ruído de frequentadores durante apresentação do cantor Johnny Alf.
Seja como for, o epíteto se eternizou. De fato combina com o estereótipo de cidade laboriosa e marcada pela imigração europeia essa sugestão de que lhe falta algo da alegria e da "ginga" litorânea -características recorrentes na composição da imagem dos brasileiros.
São Paulo, não obstante, tem suas tradições carnavalescas. Paralelamente aos folguedos inspirados na Europa, o chamado samba rural paulista nasceu nas fazendas que usavam mão de obra escrava. Depois reciclado no espaço urbano, em bairros operários, ganhou cadência mais acelerada.
Curiosamente, isso veio a influenciar os desfiles do Rio de Janeiro. Premidas pela necessidade de cumprir horários rígidos, nas apresentações formatadas pela era do sambódromo e pela programação da televisão, as baterias cariocas passaram a tocar em ritmo mais rápido.
Além disso, com desfiles orçados entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões, muitas escolas buscam patrocínios que resultam em enredos inusitados -da história da fama (sob os auspícios de uma revista de celebridades) aos royalties do petróleo (no interesse de municípios produtores).
O sempre criticado entrelaçamento com interesses publicitários e turísticos é, sem dúvida, um dos fatores que mais provocaram mudanças no perfil do Carnaval. É ingênuo, contudo, crer que se pode preservar a folia numa redoma.
Mesmo a propalada redescoberta do Carnaval de rua, antes de se revelar uma idealizada e nostálgica volta ao passado, já se encaixou na engrenagem comercial da festa. É esta, goste-se ou não, a realidade dessa semana de fantasias.


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Obesidade contagiosa
Quando o assunto é epidemia, costuma-se associar a noção com a de doenças infecciosas, como a gripe. Portanto, era mais em sentido figurado que se falava em "epidemia de obesidade" em países como os Estados Unidos e o Brasil -até agora, porque descobertas recentes vêm emprestar um sentido mais literal à expressão.
O que aos poucos se revela é que esses germes parecem desempenhar algum papel no ganho anormal de peso por humanos. Pode ser o início de uma revolução no tratamento do problema, como se deu no caso da vinculação da bactéria Helicobacter pylori com o câncer de estômago, ou do vírus HPV com os tumores de colo de útero.
Um ser humano normal abriga cerca de 100 trilhões de bactérias (dez vezes mais que as células de seu próprio corpo). A maioria delas é inócua, ou mesmo benéfica, como centenas de tipos que colonizam o trato intestinal, onde atuam como auxiliares da digestão.
Ganha aceitação entre pesquisadores a hipótese de que tais microrganismos componham o análogo de um ecossistema. Em equilíbrio, a comunidade microbiana obtém nutrientes e ajuda o corpo a processar certos alimentos. Em desequilíbrio, pode desencadear patologias -como a obesidade.
A ideia foi reforçada quando se descobriu, anos atrás, que cada pessoa hospeda um tipo específico de flora intestinal, dos três até então identificados. Ou seja, uma combinação característica de bactérias (assim como a circulação de certas substâncias em suas veias e artérias a fez pertencer a determinado tipo sanguíneo).
A hipótese seguinte foi que uma das combinações tornaria portadores mais propensos a engordar. Partindo dela, um grupo de pesquisadores da Universidade Jiao Tong, de Xangai (China), se lançou na busca dos germes que seriam responsáveis pelo "ecossistema interior" propício à obesidade.
A equipe encontrou uma forte candidata: a cepa B2 da Enterobacter cloacae, cuja associação com a adiposidade se esteia em duas ordens de evidências, em seres humanos e também em roedores.
Primeiro, os cientistas chineses submeteram um obeso a dieta projetada para diminuir a população da bactéria suspeita em seu trato intestinal. O homem emagreceu 51,4 kg em 23 semanas, e o germe se tornou indetectável depois disso.
Em seguida, inocularam a bactéria num grupo de camundongos alimentado com a mesma dieta do grupo de controle. Os roedores infectados engordaram muito mais.
Não é uma prova definitiva, mas promissora. E revolucionária.

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