segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Militância de mais, cinema de menos

folha de são paulo

Em edição sem filmes arrebatadores, Festival de Berlim mantém foco em questões políticas mas negligencia o cinema
RODRIGO SALEMENVIADO ESPECIAL A BERLIMO Festival de Cinema de Berlim é conhecido por sua preocupação com temas políticos nos filmes escalados.
A impressão que sua 63ª edição, encerrada anteontem, deixou, no entanto, foi a de um evento focado em assuntos relevantes (identidade social, homossexualidade e corrupção), mas desleixado no que deveria ser o mais importante: o cinema.
Em 2012, obras como "César Deve Morrer", de Paolo e Vitorio Taviani, "O Amante da Rainha", de Nicolaj Arcel, e "A Feiticeira da Guerra", de Kim Nguyen, arrebataram público, crítica e demonstraram grande potencial de carreira no mercado internacional.
Neste ano, nem o vencedor do Urso de Ouro, o romeno "Child's Pose" ("Pose de Criança" em tradução livre), de Calin Peter Netzen, foi recebido com entusiasmo.
O longa conta a história do relacionamento doentio de uma mãe (Luminita Gheorghiu) da classe média alta de Bucareste com o filho Barbu (Bogdan Dumitrache).
Depois que Barbu atropela uma criança de família pobre, ela usa todo seu poder para livrá-lo da prisão.
"A relação dos dois é o mais importante do filme. A política da Romênia é usada como cenário, mas essa situação poderia acontecer em qualquer lugar. Corrupção existe em todos os países", desconversou o cineasta.
SUCESSO LATINO
"Child's Pose" era um dos favoritos ao lado do chileno "Gloria", de Sebastián Lelio.
O filme foi disputado no mercado europeu e comprado para o Brasil pela distribuidora Imovision.
O latino-americano viu as suas chances diminuírem quando a protagonista, Paulina García, levou o Urso de Prata de melhor atriz -a romena Luminita era outra forte concorrente.
"O fato de Paulina ter sido premiada mostra o reconhecimento a todo o filme. Ela está em todas as cenas", exaltou Lelio, criador da personagem divorciada de 58 anos que enche a cara, faz sexo casual, vive pendurada no celular, trabalha sem reclamar e fuma maconha.
O Urso de Prata de melhor ator era uma barbada e reforçou o mote político do festival. O vitorioso foi o bósnio Nazif Mujić, por "An Episode in the Life of an Iron Picker" (Um Episódio na Vida de um Catador de Aço), de Danis Tanovic.
Nazif, um catador de sucatas que vive em uma pequena vila de 200 habitantes, interpreta a si mesmo no semidocumentário sobre a saga de sua mulher (Senada Alimanovic) em busca de ajuda médica.
Tanovic pagou € 2.500 (cerca de R$ 6.500) pelo trabalho do catador, que diz ganhar € 400 (R$ 1.040) a cada três meses para sustentar a esposa e os três filhos -o terceiro nasceu depois das filmagens e foi chamado de Danis em homenagem ao diretor.
"Eu fiz esse filme para mudar a vida deles e espero ter conseguido isso com o prêmio", disse o cineasta, que também levou o grande prêmio do júri, uma espécie de vice-campeonato do festival.
O domínio do leste europeu -o filme cazaque "Harmony Lessons" ("Lições de Harmonia") faturou um Urso de Prata de contribuição artística- só não foi maior porque o americano David Gordon Green surpreendeu ao vencer como melhor diretor por sua comédia "Prince Avalanche".
Gordon Green é cria de Berlim (seu primeiro longa, "George Washington" estreou no festival em 2000), mas ultimamente ganhou fama por produções hollywoodianas de péssimo gosto como "O Babá(ca)" e "Sua Alteza?", ambos de 2011.
"O prêmio mostra que tudo que você precisa é simplicidade do cinema: uma câmera, dois atores e uma equipe fiel", disse ele.
MENÇÃO BRASILEIRA
O Brasil não teve nenhum filme na competição oficial, mas saiu do festival com alguns prêmios de consolação.
O documentário "Hélio Oiticica", de César Oiticica Filho, foi o vencedor da crítica entre os longas exibidos na mostra alternativa Fórum, e também ganhou o troféu Caligari, concedido a filmes experimentais exibidos no festival.
Já o drama "Flores Raras", de Bruno Barreto, foi o segundo filme de melhor votação entre o público da Berlinale, como é chamado o festival, ficando atrás apenas da sensação belga "The Broken Circle Breakdown".

    Chilena cativou público com personagem libertária
    DO ENVIADO A BERLIMA atriz chilena Paulina García, 52, foi a única representante dos filmes da competição em Berlim a ser aplaudida de pé pelos jornalistas em sua primeira entrevista após a sessão de "Gloria".
    Alguns dias depois, Paulina, conhecida em seu país por papéis na TV e no teatro, confirmou o favoritismo ao levar o Urso de Ouro de atriz na Berlinale pelo papel de uma divorciada que enfrenta de modo pouco ortodoxo a chegada da velhice.
    Para o diretor Sebastián Lelio, "Gloria é Paulina".
    "Quando aceitamos um papel, sempre é porque há algo em comum com a personagem", disse ela à Folha.
    "Mas como Gloria foi escrita para mim, acho que é assim que Sebastián me vê."
    BOSSA NOVA
    Apesar da canção italiana "Gloria", de Umberto Tozzi, marcar o filme, "Águas de Março", de Tom Jobim, e "Lança Perfume", de Rita Lee e Roberto de Carvalho são parte importante da trilha.
    "Adoro o mistério profundo de 'Águas de Março', mas preciso admitir que a seleção musical veio de Sebastián. Todas as músicas que estão no filme fizeram muito sucesso nos anos 1980 e representam esse período", explicou a atriz.
    "Minha mãe ouvia muita música brasileira. Queria que o filme tivesse o balanço da bossa nova", contou Lelio.
    PROCESSO DE FILMAGEM
    Paulina García virou Gloria por seis semanas. Mas o processo começou um ano antes. "Não havia um roteiro no começo. Eu sabia que faria uma mulher da minha idade, divorciada e com vontade de viver. A partir daí, fomos fazendo juntos e ele me levou de mãos dadas à personagem", conta ela. "Não foi uma interpretação racional."
    Gloria é uma mulher que representa a geração perdida chilena por causa dos anos de chumbo sob a sombra do ditador Augusto Pinochet (1915- 2006). Tenta recuperar o tempo perdido, enquanto seus filhos parecem inertes, preocupados em criar os filhos ou casar.
    "Acho importante que o filme traga essa analogia política, mas ele não podia exagerar, senão perderíamos o foco", crê a atriz, que suportou uma carga de trabalho pesada com 11 horas diárias de filmagens ("O máximo permitido em meu país") e apenas 20 minutos de pausa para um almoço.
    "Mesmo assim, o mais difícil foi fazer as cenas de nudez", diz a chilena. "Tinha uma grande preocupação em deixá-las autênticas. Sei que não correspondo a uma beleza padrão hollywoodiana, não sei como consegui." (RS)

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário