quarta-feira, 10 de abril de 2013

Editorial FolhaSP

folha de são paulo

Futebol exemplar
Quase dois meses após os acontecimentos fatídicos que cercaram a partida entre San José e Corinthians, na Bolívia, as equipes voltam a enfrentar-se em São Paulo.
O encontro anterior, no dia 20 de fevereiro, em Oruro, foi marcado pela morte do boliviano Kevin Douglas Beltrán Espada, 14. O rapaz foi abatido por um sinalizador disparado da área em que se reunia a torcida do clube brasileiro.
Na ocasião, 12 torcedores corintianos foram detidos pela polícia local. Permanecem encarcerados até hoje, sob a alegação de que foram "surpreendidos em flagrante" -embora alguns nem estivessem na arquibancada no momento do ato irresponsável e criminoso.
Dias depois da tragédia, um torcedor do Corinthians, menor de idade, apresentou-se no Brasil como autor do disparo. Informações sobre o caso já foram enviadas à Justiça boliviana, que reagiu à confissão com aparente descaso.
Independentemente do mérito, questionam-se os procedimentos até aqui adotados pelo país vizinho, que suscitam apreensão quanto à perspectiva de um processo justo. A acusação é vaga; os detidos não foram atendidos em prerrogativas básicas, como o direito a usar tradutores; a defesa não tem obtido acesso aos autos.
A situação preocupa ainda mais porque a legislação boliviana permite estender a prisão preventiva a até 18 meses sem acusação formalizada e até 36 meses sem a definição de uma sentença.
Não se podem acusar as autoridades brasileiras de omissão. Os detentos receberam a visita de uma comitiva de parlamentares, e o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse em audiência no Senado que tem feito gestões com o governo de Evo Morales para um encaminhamento mais transparente e razoável do processo.
Dadas as circunstâncias, seria o caso de considerar manifestações mais incisivas, talvez da própria Presidência da República. Há, contudo, um complicador diplomático: o Brasil concedeu, no ano passado, asilo em sua embaixada ao líder oposicionista boliviano Roger Pinto Molina, que se declarou vítima de perseguição política.
Hoje à noite, no estádio do Pacaembu, haverá demonstrações em prol dos detidos. Que transcorram de modo pacífico e não se repitam comportamentos impróprios de torcedores, jogadores ou policiais -como observado em partida recente contra equipe argentina.
Os brasileiros têm razão em criticar atitudes que julgam arbitrárias ou violentas em gramados estrangeiros. Mas, como sede da Copa de 2014, precisamos dar o exemplo.

    EDITORIAIS
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    Brincadeira com fogo
    Deterioração das contas públicas no Brasil reúne União, Estados e municípios em conspiração silenciosa contra o desenvolvimento
    Causa preocupação a ideia de conceder a algumas capitais brasileiras uma flexibilização dos limites de endividamento. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), teria obtido sinalização favorável ao pleito do ministro da Fazenda, Guido Mantega.
    Se confirmada, seria mais uma rodada do Programa de Ajuste Fiscal (PAF), que já beneficiava União e Estados e agora pode chegar também aos grandes municípios.
    O PAF permite contratar ainda mais empréstimos para investir. No ano passado, o governo federal aprovou R$ 61 bilhões em novas dívidas para vários Estados. O plano era estimular a economia nacional com a aceleração dos investimentos -até agora sem sucesso.
    Como é praxe no país, o empurrão financeiro tem sido usado mais para aumentar despesas com pessoal e outras formas de custeio. Reportagem desta Folha mostrou que o resultado primário dos Estados (saldo de receitas e despesas antes do pagamento de juros) ficou em 0,43% do PIB em 2012, pior resultado desde 2000, quando surgiu a Lei de Responsabilidade Fiscal.
    Um exemplo é o Rio de Janeiro de Sérgio Cabral (PMDB), que passou de um superavit de R$ 2,6 bilhões em 2011 para um rombo de R$ 900 milhões no ano passado. Os investimentos subiram R$ 600 milhões, enquanto pessoal e custeio saltavam R$ 4,4 bilhões.
    É fato que parte da deterioração decorre da arrecadação mais fraca, resultado natural do baixo crescimento econômico. A não ser que o PIB suba acima de 3% em 2013, algo cada vez mais improvável, o quadro permanecerá preocupante.
    Assiste-se a uma contínua piora das contas públicas. Há muito o setor público (União, Estados e municípios, em conjunto) descumpre a meta de superavit primário de 3,1% do PIB. Também tem havido piora na transparência dos dados.
    Não por outra razão, o próprio Banco Central adotou novo parâmetro em suas análises. O chamado "resultado estrutural" busca eliminar o efeito das manobras contábeis do Planalto e o impacto das oscilações do ciclo econômico nas contas -por exemplo, quando o crescimento do PIB se acelera, sobe a arrecadação e fica mais fácil cumprir as metas. Tal é o efeito que o novo cálculo do BC busca expurgar.
    O governo brinca com fogo ao ser leniente com inflação e permitir frouxidão nas contas públicas.
    Espera-se que o alerta de alguns tradicionais conselheiros do Planalto -como Delfim Netto e Luiz Gonzaga Beluzzo-, sobre a necessidade de apertar a política fiscal, encontre ouvidos preparados na presidente Dilma Rousseff e em tempo de evitar danos maiores à confiança na economia brasileira.

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