quarta-feira, 10 de abril de 2013

O espelho por trás da violência-Vilhena Soares‏

Pesquisa conduzida na Alemanha e nos EUA indica que público se sente mais atraído por filmes com cenas brutais quando obras provocam uma reflexão sobre a própria vida 


Vilhena Soares

Estado de Minas: 10/04/2013 


Brasília – Por que filmes repletos de cenas violentas, em vez de afastar o público, têm o poder de lotar as salas de cinema? Haveria nos telespectadores um prazer secreto em ver o sofrimento alheio ou existiriam outras motivações que levariam alguém a pagar para ver soldados morrendo baleados ou lutas que deixam personagens seriamente feridos? Para responder essa questão, pesquisadores das universidades de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, e de Augsburg, na Alemanha, perguntaram a centenas de pessoas nos dois países por que certos filmes, com cenas violentas, atraíam a atenção delas. A constatação foi de que o público via nessas películas a possibilidade de se identificar com os personagens e fazer relações com embates da vida real.
O estudo – que será apresentado em junho na 63ª Conferência Anual da Associação Internacional de Comunicação, em Londres – contou com a participação de 482 pessoas entre 18 e 82 anos. Todos assistiram a trailers de filmes, alguns com mais violência (cenas com sangue, mortes etc.) e outros com menos, mas sempre com similar nível de suspense. Depois da exibição, os voluntários responderam um questionário no qual indicavam se gostariam de ver algumas das obras até o fim e justificar essa decisão. Os pesquisadores perceberam uma ocorrência muito grande de motivos como identificação com personagens, apreciação pela história e também uma “busca pela verdade”. Ou seja, além do prazer, fatores relativos à condição humana foram responsáveis pela preferência do público.
Anne Bartsch, uma das responsáveis pelo estudo e pesquisadora da Universidade de Augsburg, explica as motivações para a realização da pesquisa. “Queríamos descobrir se quem busca satisfação nesses filmes vai atrás apenas de prazer intelectual ou de uma motivação geral”, conta. Ela ressalta o porquê do método usar filmes que têm níveis diferentes de violência.
“Com a ajuda dos trailers de obras que são, além de sangrentas, significativas e de outras que são simplesmente sangrentas, foi possível comparar e estabelecer o direcionamento da preferência dos participantes de forma mais fácil”, exemplifica.
Anne e os colegas se dizem satisfeitos com os resultados da pesquisa, mas pretendem continuar a investigação e tentar identificar possíveis efeitos gerados em quem assiste aos filmes. “O passo mais importante para nós, futuramente, será analisar representações que podem ter efeitos pró-sociais no público, por exemplo, gerando empatia com as vítimas da violência ou levando a uma autorreflexão sobre impulsos violentos”, adianta.

Homens x mulheres Apesar da máxima de que os homens gostam mais de filmes de ação do que as mulheres, a pesquisa não observou essa diferença. “O padrão geral identificado é de que as pessoas são mais propensas a assistir cenas violentas em um contexto de história significativa. Esse padrão foi o mesmo para ambos os sexos. Então, pode haver outras razões pelas quais os homens são mais atraídos por filmes violentos”, diz Anne.
Para o estudante de cinema Daniel Souza Lopes, de 22 anos, filmes de ação têm um charme diferente dos outros. “Acredito que eles mexem mais com a gente, por serem rápidos e cheios de acontecimentos. Além disso, os roteiros são mais fáceis de serem feitos e dão mais lucro que a maioria. Talvez seja por isso que eles sempre estão em alta”, opina.
Identificar-se com o personagem pode ser uma boa justificativa para o gosto de muitos pelo filme de ação, defende Lucas da Silva, de 22, colega de faculdade de Daniel. “Quando vemos alguém que sofre, acabamos torcendo por ele. A gente acaba se colocando no lugar da pessoa”, comenta. A também estudante de cinema Daniela Costa, de 18, se diz atraída pelas situações que fogem da vida cotidiana. “O que me encanta, e talvez encante outras pessoas, são os enredos com situações que não vivemos no nosso dia a dia, diferentes da nossa realidade”, explica.

Identificação Na opinião de Benedito Rodrigues dos Santos, antropólogo e professor da Universidade Católica de Brasília, o estudo mostra uma visão interessante sobre o que a violência pode revelar sobre a condição humana. “Na antropologia, sempre discutimos esse assunto, da ação e da reação. Como uma criança que, mesmo assustada, reage com algum impulso violento, se debatendo, por exemplo. Acredito que a questão da identificação é plausível, mas precisamos ter cuidado ao falar sobre o reflexo que isso teria nas pessoas, já que até o próprio fato de falar incentivaria a violência”, completa.
O antropólogo destaca também que a violência está em outros lugares além dos filmes de ação. “Podemos encontrar indícios violentos em comédias que recorrem a situações perigosas. É só observar com cuidado que conseguimos enxergar quantos elementos semelhantes e do mesmo gênero existem”, explica.
O psiquiatra da Universidade de Brasília (UnB) Rafael Boechat acredita que o estudo mostra uma forma clássica usada pela indústria de entretenimento para chamar a atenção do público. “Por que as novelas fazem sucesso? É justamente pela identificação dos personagens, o que leva a uma aceitação maior da população”, analisa.

Alguns dos filmes usados na pesquisa

O resgate do soldado Ryan (EUA, 1998). De Steven Spielberg. Com Tom Hanks, Tom Sizemore, Edward Burns. Classificação indicativa: 16 anos
Nas praias da Normandia, forças militares confrontam-se numa batalha que vai decidir o curso da guerra. Soldados americanos cumprem uma arriscada missão para encontrar o soldado James Ryan.
O massacre da serra elétrica (EUA, 1974). De Tobe Hooper. Com Marilyn Burns, Gunnar Hansen, Edwin Nael. Classificação indicativa: 18 anos.
Sally e seus amigos ouvem um boato de que o túmulo do avô da jovem foi violado. Ela resolve checar a informação na companhia dos colegas, e no caminho, eles dão carona para um homem que se revela louco e assassino.
A identidade Bourne (EUA, 2002). De Doug Liman. Com Matt Damon, Chris Cooper e Clive Owen. Classificação indicativa: 14 anos.
Jason Bourne é um homem sem passado e, talvez, sem futuro. Tudo que ele se lembra é de que estava no Mar Mediterrâneo e seu corpo estava crivado de balas. Nessa situação de amnésia, é perseguido por estranhos que parecem dispostos a tudo para matá-lo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário