domingo, 28 de abril de 2013

Marta Suplicy e M.de B.Lisboa e Philip Yang [Tendências/debates]

folha de são paulo

MARTA SUPLICY
Alimento para a alma
O Vale-Cultura é a primeira política pública governamental a pôr na mão do trabalhador um recurso para o consumo cultural
O povo quer mais do que comida, como diziam os Titãs. O Brasil fez progressos. As classes que ascenderam, além do celular, aparelho nos dentes, tênis novo e filho na faculdade, querem acesso à cultura.
O alimento para a alma é a ocupação do Ministério da Cultura.
Três projetos estruturantes no Legislativo, um projeto de 360 CEUs das Artes e Esportes, a recuperação e digitalização do acervo dos nossos principais museus e da Biblioteca Nacional, o início do Museu Afro Brasileiro, em Brasília, para contar a história do nosso povo e uma articulação para potencializar nosso "soft power" no exterior são as pautas do "alimento".
Na última semana como senadora, fui relatora do Sistema Nacional da Cultura, e o aprovamos. No terceiro mês como ministra, trabalhamos a aprovação do Vale-Cultura (VC), que conquistamos. Agora, na Câmara, o Procultura, substituto --para melhor-- da Lei Rouanet.
O VC é a primeira política pública governamental a pôr na mão do trabalhador um recurso voltado para o consumo cultural.
Silvia é comerciária em Belo Horizonte, Carlos é operário em São Paulo, Joaquim é funcionário dos Correios em Belém, e Ruth, cabeleireira em Maceió. Todos querem ter acesso ao cartão magnético com os R$ 50 do VC. Poderão? Sim, se ganharem até cinco salários mínimos e se suas empresas aderirem.
Estarão habilitadas as empresas que têm lucro real (com desconto de Imposto de Renda até 1%) e as tributadas pelo "lucro presumido". Estas não terão incentivo fiscal, mas não serão tributadas nestes R$ 50, que poderão ser utilizados para adquirir ingressos de cinema, teatro, museus, shows, livros, CDs, DVDs, instrumentos musicais, entre outros produtos culturais.
Essa inclusão permitirá que padarias, cabeleireiros, lojas, pequenas e médias empresas possam entrar. O instigante é que não temos a mais leve ideia de em que ou como o povo vai escolher gastar este dinheiro.
O impacto do VC será para duas pontas: para aqueles que dificilmente têm acesso ao consumo cultural e na produção cultural.
Com a sua aprovação, o programa beneficiará diretamente até 18 milhões de brasileiros e tem potencial de injeção de até R$ 11 bilhões por ano na economia nacional, gerando renda e emprego. Neste primeiro ano, calculamos que serão injetados R$ 300 milhões.
Estamos cientes das dificuldades no Norte e Nordeste. Empresas são menos numerosas e a produção cultural tem menos ofertas. As pesquisas do Ibope e da Fundação Perseu Abramo têm mostrado essa carência de equipamentos culturais. São 89% os municípios com menos de 50 mil habitantes. A maioria deles não tem cinema, muito menos museu ou teatro. Poucos têm livraria.
A partir dessa constatação, o ministério investirá em editais para que circos possam ser aparelhados para apresentar teatro e cinema, para que a nova Lei Rouanet --o Procultura-- dê pontos para isenção fiscal a espetáculos itinerantes e em projetos que privilegiem os locais mais carentes culturalmente.
Temos conversado com prefeitos para incentivarem as livrarias e cinemas de suas cidades assim como para que fortaleçam a produção cultural já existente.
A expansão e o investimento nos Pontos de Cultura (excelente criação de Gilberto Gil que dá condição de trabalho cultural para grupos sem estrutura) também fazem parte desta articulação.
Com apoio da Câmara de Gestão da Presidência, o ministério se moderniza, atua nas suas instituições coligadas --sete, entre elas a Ancine, hoje com a tarefa e os recursos para fazer o cinema brasileiro e o setor audiovisual acontecerem na TV e no mundo. Dilma deixará um legado estruturante, além de uma marca na cultura nacional.


    MARCOS DE BARROS LISBOA E PHILIP YANG
    Uma proposta para São Paulo
    As vias são limitadas, e pagamos com imobilidade o que não é pago em dinheiro; melhor, então, pagar para estacionar que para circular
    O urbanismo em uma cidade complexa como São Paulo implica dilemas e desafios. Este artigo apresenta uma proposta que busca conciliar melhor um desses dilemas, entre o transporte individual e coletivo, espaços públicos e mobilidade.
    A proposta é simples: os estacionamentos ao longo de diversas vias seriam extintos, as calçadas seriam alargadas e as vagas abolidas serias substituídas por edifícios-garagem.
    Essa proposta poderia ser implementada, por exemplo, nas Zonas Azuis. Suas 40.000 vagas seriam substituídas por cerca de cem garagens com 400 vagas cada uma, em média. As novas calçadas dariam comodidade aos pedestres e, ao mesmo tempo, as vias receberiam com segurança uma faixa para ciclistas.
    As novas vagas passariam a ser oferecidas em garagens erguidas a cada quatro ou cinco quadras, na mesma rua (ou nas imediações) de onde as vagas foram retiradas.
    Os edifícios-garagem seriam construídos pela iniciativa privada, que contribuiria para a requalificação das calçadas e exploraria os estacionamentos por concessão pública.
    O poder público poderia colaborar com o aperfeiçoamento da legislação de modo a garantir agilidade no processo de autorização das novas construções. Além disso, poderia contribuir com desapropriações em casos específicos, sobretudo nos imóveis em situação irregular.
    O plano, que se aplicaria também em vias que levam às estações de metrô, amenizaria o trânsito de carros e proporcionaria mais verde, mais espaço para pedestres e ciclistas e mais espaços mistos, com oferta ampliada de comércio e serviços.
    A conta desse esforço seria dividida entre o governo (que ajustaria a legislação e realizaria as eventuais desapropriações), os concessionários de estacionamento ou construtoras (que investiriam na construção dos estacionamentos verticais), o mercado imobiliário comprador (que adquiriria os novos espaços comerciais criados nos edifícios-garagem) e os motoristas (que pagariam pelo uso das garagens).
    Cabe destacar o custo adicional de estacionamento. As vias são limitadas, e a diferença entre custos sociais e privados, em conjunto com a carência dos transportes públicos, resulta no seu uso excessivo e nos congestionamentos. Pagamos com imobilidade o custo social que não é pago privadamente em dinheiro.
    A restrição física das vias urbanas está na origem de políticas adotadas em algumas grandes cidades, como o pedágio urbano.
    A hipótese da supressão dos estacionamentos de rua e construção de estacionamentos verticais pagos --combinadas com o alargamento das calçadas e a criação de ciclovias-- parece, no entanto, melhor e mais justa que o pedágio, pois, além de melhorar o trânsito, gera outros efeitos positivos de interesse público. É melhor pagar para estacionar do que pagar para se locomover.
    Os edifícios-garagem podem se tornar exemplos da arquitetura contemporânea, equilibrando forma e função do tecido urbano, além de oferecerem átrios para circulação e entretenimento, comércio e serviços, hotéis e albergues estudantis, escritórios --espaços cuja venda financiaria parcela importante do projeto. De quebra, as novas calçadas podem resgatar o melhor da tradição do paisagismo brasileiro.
    O resultado pode ser visto em renderização aqui: www.urbem.org.br/passeionovo.

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