segunda-feira, 6 de maio de 2013

91% dos paulistanos são favoráveis à meia-entrada - Cassiano Elek

folha de são paulo

TERMÔMETRO PAULISTANO
Datafolha aponta que limites ao benefício dividem a população da cidade
Mais da metade dos entrevistados se declara a favor de projetos de lei que criam cota de desconto
CASSIANO ELEK MACHADODE SÃO PAULOA população paulistana aprova a meia-entrada para estudantes, mas está dividida com relação aos projetos de lei atualmente no Congresso que limitam o número de ingressos que pode ser vendido com o desconto.
Essas são duas das conclusões principais de pesquisa Datafolha realizada na última sexta na capital paulista.
Foram ouvidas 600 pessoas. A margem de erro é de quatro pontos percentuais, para mais ou para menos.
A expressiva maioria dos entrevistados defende a manutenção do benefício. Para 91% deles, os estudantes devem ter o direito de pagar meia em cinemas, teatros, shows e outras atividades.
A taxa de aprovação sobe para 96% quando o desconto diz respeito ao conjunto dos maiores de 60 anos.
O consenso sai de cena, no entanto, quando o assunto são as mudanças na legislação que regulamenta o benefício.
O Senado aprovou em abril o Estatuto da Juventude, que estabelece cota de pelo menos 40% de ingressos vendidos como meia-entrada. Hoje, toda a bilheteria de um evento pode ser comercializada com o desconto.
A limitação do número de meias-entradas agrada a 51% dos entrevistados, enquanto 40% se declaram contrários à restrição da meia-entrada.
O projeto, que ainda precisa ser aprovado na Câmara, atende a reivindicações de produtores culturais, que culpam o excesso de vendas de entradas com o desconto pela alta do preço geral dos ingressos de espetáculos.
Além do Estatuto da Juventude, outro projeto similar também tramita na Câmara --foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça.
O texto inclui as pessoas com mais de 60 anos, já beneficiadas com a meia-entrada, na cota de 40% de ingressos com desconto. Diferentemente do Estatuto da Juventude, o projeto estabelece exclusividade de emissão de carteiras a certas entidades estudantis.

    OPINIÃO
    Maioria dos paulistanos erra ao defender a armadilha cognitiva da meia-entrada
    HÉLIO SCHWARTSMANCOLUNISTA DA FOLHAEntre 91% e 96% dos paulistanos defendem a meia-entrada, segundo o Datafolha. Esta não é a primeira nem a última vez em que uma substancial maioria se põe de acordo em relação a um tema e ela está objetivamente errada.
    Na verdade, o fenômeno é tão rotineiro que o economista ultraliberal e bem-humorado militante libertário Bryan Caplan escreveu um livro, "The Myth of the Rational Voter" (o mito do eleitor racional, em tradução livre), para mostrar que o problema das democracias é que elas dão aos cidadãos exatamente o que eles pedem --e o que eles pedem é muitas vezes algo que os prejudica.
    Isso ocorre porque eleitores de Estados democráticos, como todos os seres humanos, vêm de fábrica com uma série de preferências e vieses que os impelem a escolhas ruins.
    Nesse contexto, a meia-entrada desponta como uma armadilha cognitiva quase irresistível. Pelo que parece ser um custo irrisório, temos a chance de promover a cultura, investir na formação dos jovens e, de quebra, ainda prestar reconhecimento aos mais velhos. Tudo isso fazendo justiça social. Descrito dessa forma, fica mesmo difícil opor-se ao mecanismo.
    Para os que não acreditamos em mágica, porém, a meia-entrada representa um subsídio cruzado de resultados particularmente duvidosos. No caso dos idosos, as tabelas do IBGE mostram que as pessoas com mais de 60 anos têm renda média superior às faixas mais jovens.
    Isso significa que subsidiá-los implica concentrar renda e não distribuí-la como parecia ser o objetivo.
    No que diz respeito aos estudantes, o quadro é mais confuso. O desconto aqui pode beneficiar tanto ricos quanto pobres.
    Mas, como observou o economista César Mattos num belo artigo sobre a meia-entrada publicado no site do Instituto Braudel, os grupos de maior renda tendem a passar mais tempo nas escolas e universidades, extraindo assim uma fatia maior da prebenda. Robin Hood às avessas ataca mais uma vez.
    O resultado líquido da meia, assim, se contabiliza na forma de muitas ilusões e uma importante distorção na política de preços.
    Minha modesta sugestão para resolver o problema é estender o benefício para toda a população. Pagando todos a metade do dobro, conseguimos preservar, a um só tempo, as fantasias de bom-mocismo e a realidade tarifária.

      aNÁLISE
      Eficácia do benefício é no mínimo discutível
      O poder público impõe um subsídio mas não o cobre; a consequência é a elevação do preço dos ingressos para compensar a perda
      MARCOS AUGUSTO GONÇALVESCOLUNISTA DA FOLHAO amplo apoio à meia-entrada entre os paulistanos expressa a consagração, talvez irrefletida, de uma instituição cuja legitimidade provém da ideia de que a sociedade deve facilitar e estimular o acesso de estudantes a bens culturais.
      Tratando-se de jovens, em geral fora do mercado de trabalho (e portanto "duros"), o ingresso reduzido diminuiria a barreira financeira que poderia privá-los do consumo de cultura.
      Essa lógica bem-intencionada tem sido questionada pelos fatos.
      Segundo produtores da área, a presença de estudantes verdadeiros ou falsificados nas bilheterias chegaria em média a 60%, nos cinemas, e alcançaria até 95% em festivais de música pop.
      Como o poder público impõe um subsídio mas não o banca, a consequência econômica é a elevação do preço dos ingressos para compensar a perda. Aparentemente, todos pagam mais, embora o não estudante pague ainda mais para financiar a generalização da suposta meia-entrada.
      Agora, propõe-se uma cota de 40% para o ingresso com desconto, o que, em tese, permitiria uma redução de até 35% nos valores. Não há nenhuma garantia de que isso vá acontecer.
      O instituto da meia-entrada data da década de 1940, quando a população estava na casa dos 50 milhões --mais ou menos a quantidade de estudantes que existe hoje no país (cerca de 57 milhões). Naquela época, não havia TV, muito menos DVD, internet ou YouTube.
      Com o tempo, a meia- entrada passou mais e mais a ser defendida como "conquista política" --agenciada por entidades, como a UNE (União Nacional dos Estudantes), que usam a vantagem para angariar apoio e recursos.
      BENEFÍCIO
      É no mínimo discutível a eficácia distributiva do benefício. O termo estudante define uma coletividade, mas encobre a diversidade socioeconômica de seus indivíduos. Tem estudante rico, classe média e pobre, embora todos usufruam o mesmo privilégio.
      É também claro que boa parte das atividades a que o estudante tem acesso subsidiado seria melhor definida como lazer ou diversão do que como cultura.
      Que diferença faz, afinal, do ponto de vista do enriquecimento da formação estudantil, pagar menos para assistir a um show do Cake ao vivo ou ver de graça um clipe da banda na TV?

        Só 1/4 acha que ingresso será mais barato
        Segundo Datafolha, 68% dos paulistanos consideram hoje as entradas de espetáculos de SP caras ou muito caras
        Entre os entrevistados, 34% dizem que essas atividades ficarão ainda mais caras --mais de 50% deles têm carteira
        CASSIANO ELEK MACHADODE SÃO PAULOOs ingressos de espetáculos em São Paulo são considerados caros ou muito caros por 68% dos paulistanos ouvidos pelo Datafolha. E só um quarto deles avalia que os preços dos bilhetes irão cair caso um dos projetos em lei atualmente no Congresso venha a ser aprovado.
        Entre os entrevistados, 35% acreditam que, se aprovadas, as leis que limitam a 40% a meia-entrada nas bilheterias de eventos culturais e esportivos não trarão mudanças nos valores cheio dos ingressos.
        Outros 34%, cuja metade tem hoje carteira de estudante, opinam que as entradas para essas atividades ficarão ainda mais caras.
        Produtores culturais e empresários ouvidos em recentes reportagens da Folha sobre a meia-entrada declararam que o atual preço dos ingressos é inflacionado por causa do excesso de vendas com o desconto.
        O preço do ingresso para um dia do festival Rock in Rio, por exemplo, custava R$ 92 (valores corrigidos) em 2001, e sai por R$ 260 para a edição de 2013, marcada para setembro. "Hoje se pratica um preço falso'", declarou o ator Odilon Wagner, presidente da Associação de Produtores Teatrais Independentes.
        "Se quero ter um tíquete médio de R$ 100 no meu bolso, cobro do consumidor R$ 200 porque sei que praticamente todos do público são estudantes", diz Leo Ganem, presidente da Geo Eventos.
        Evaristo Martins de Azevedo, ex-presidente da comissão de Direito às Artes da OAB-SP, teme que, com essas novas regras, os consumidores fiquem reféns da suposta transparência de bilheteiros.
        "O público pode ficar sem saber se o limite de meias-entradas foi realmente atingido. Além disso, não se pode restringir os direitos do idoso à meia-entrada e eu acho dificílimo que os preços caiam em razão desse limite."
        À reportagem, consumidores de São Paulo avaliam que o alto índice de meia-entrada nas bilheterias de eventos é incrementado pela falsificação de carteiras de estudantes.
        Apenas 3% dos entrevistados pelo Datafolha disseram que já usaram um documento falso para este fim, com maior incidência entre aqueles que declaram ter ensino superior e renda familiar acima de dez salários mínimos.
        Quando a questão é "alguém com quem você convive ou tem amizade já usou carteira de estudante falsificada para pagar meia-entrada", a resposta positiva sobe para 15% dos entrevistados.
        A falsificação do documento é considerada "moralmente errada" pela maioria absoluta (93%) dos entrevistados, sendo que 3% não consideram esta uma questão moral e outros 3% defendem que o ato é aceitável.

          Emissão de carteirinhas pela UNE pode crescer 737%
          Se aprovada, lei da meia-entrada privilegia documento da entidade
          Nova medida pode levar até 6,7 milhões de universitários a se registrar no sistema do órgão estudantil
          JULIANA GRAGNANICOLABORAÇÃO PARA A FOLHAAprovada há duas semanas na Câmara, a lei da meia-entrada --um dos textos que tramitam no Congresso sobre o tema-- segue para apreciação do Senado e beneficia a União Nacional dos Estudantes (UNE) e outras entidades com a exclusividade na emissão de carteirinhas estudantis.
          Hoje, comprovantes de matrícula, documentos escolares e até boletos são aceitos para a obtenção da meia-entrada.
          Se aprovada, a nova lei pode aumentar em 737% as carteirinhas emitidas pela UNE: de 800 mil documentos confeccionados em 2012 para um universo potencial de 6,7 milhões de alunos do Ensino Superior, segundo o MEC (Ministério de Educação).
          Com isso, a carteirinha vendida hoje a R$ 35 pode gerar à UNE até R$ 234 milhões, menos os custos da produção (não informados pela entidade). A UNE quer diminuir o preço das carteiras para R$ 20 --o que reduziria para R$ 134 milhões o total arrecadado.
          Daniel Iliescu, presidente da entidade, informa que incrementos na receita serão direcionados à construção de uma sede da UNE no Rio.
          Até 2001, a UNE e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) tinham o monopólio da emissão de carteirinhas, quando uma medida provisória revogou a exclusividade. Para a UNE, a mudança abriu precedência para fraudes na meia-entrada.
          A retomada da emissão apenas por certas entidades é ponto de discórdia entre UNE e associações estudantis.
          Para Ricardo Holz, da Associação Brasileira dos Estudantes de Ensino à Distância, quem compra carteiras de sua entidade não se sente representado pela UNE.
          Já Alex Fraga, da associação baiana de estudantes de educação à distância, diz que a UNE "representa mais partidos que estudantes".

            Prática comum, carteirinha falsa é condenada
            COLABORAÇÃO PARA A FOLHAO Datafolha apontou que 93% dos paulistanos consideram moralmente errado falsificar carteirinha de estudante para pagar meia-entrada.
            Ainda assim, 42% dos entrevistados com renda mensal de mais de dez salários mínimos conhecem alguém que já falsificou carteirinhas. O número diminui entre pessoas com renda familiar mensal mais baixa.
            O projeto de lei da meia-entrada pretende diminuir falsificações com um modelo nacional de documento com tecnologia da Casa da Moeda.
            Produtores culturais afirmam que as fraudes levam a um excesso de meias-entradas vendidas em eventos culturais. "A diminuição de fraudes irá beneficiar o consumidor final com preços mais justos", afirma Aniela Jordan, diretora executiva da Aventura Entretenimento, que produziu espetáculos como "Hair".
            Mas quem frauda carteirinhas afirma que o faz exatamente por causa do preço dos ingressos. "Fiz uma falsa para ir ao Lollapalooza 2013 porque a inteira daria mais de R$ 1.000", diz D.V., 24, jornalista.
            Ele utilizou o método mais comum: completou com seus dados um modelo falso encontrado na internet e imprimiu em uma gráfica.
            A assistente de produção C.F., 24, comprou por R$ 50 um documento feito de plástico. "É exatamente igual à original, nem parece cópia."
            Há quem recorra a métodos mais trabalhosos para obter o benefício. "Prestei vestibulinho sem intenção de frequentar o curso. Passei, peguei a carteira e cancelei a matrícula", conta R.B., 23.

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