quinta-feira, 2 de maio de 2013

Clovis Rossi

folha de são paulo

Não basta fechar Guantánamo
É preciso eliminar a aberração da prisão por tempo indeterminado, sem julgamento ou acusações
O presidente Barack Obama usou os piores argumentos para reiterar sua proposta de fechar o campo de prisioneiros de Guantánamo.
Os argumentos: "Guantánamo é cara e ineficaz"; prejudica a imagem internacional dos Estados Unidos; reduz a disposição de aliados a cooperar nos esforços contra o terrorismo; além de se ter transformado em plataforma de recrutamento de extremistas.
Tudo isso não deixa de ser verdade, mas não é o fulcro da história. Só no fim de sua peroração é que Obama foi ao ponto, ao dizer: "A ideia de que manteremos [presos] indefinidamente indivíduos que não foram julgados é contrária ao que somos como país".
De fato, dos 166 prisioneiros de Guantánamo, um punhado está lá há mais de 11 anos sem julgamento e sem que se explicite do que são acusados --uma aberração jurídica que contradiz frontalmente o respeito à "rule of the law", um mantra de que os americanos se orgulham.
Obama não deixou claro se quer simplesmente fechar o campo de prisioneiros e transferir seus ocupantes para algum outro local de detenção ou libertá-los se não há elementos para julgá-los.
A sabedoria convencional manda dizer que não deve haver provas suficientes. Se, após 11 anos submetidos a um regime de exceção contrário ao que os Estados Unidos são como nação, não foram ainda devidamente processados, não será agora que as provas aparecerão.
O problema, pois, não é Guantánamo como local de detenção, mas como símbolo de uma grave violação aos direitos humanos e, por extensão, à legalidade.
Ou, como diz editorial do "New York Times", o problema é que Guantánamo "zomba dos padrões americanos de justiça, ao manter pessoas presas sem acusações".
Na febre que se seguiu aos atentados de 11 de Setembro, ainda podia haver em setores da sociedade norte-americana uma certa leniência com a violação das regras, mas agora à ilegalidade se soma à ineficácia, como complementa o editorial do "Times": "[O sistema de detenção sem acusações] na realidade impediu acusações e prisões de perigosos terroristas".
O que não fica claro, pelo menos para mim, é por que o homem geralmente descrito como o mais poderoso do mundo não conseguiu cumprir uma de suas promessas de campanha (a primeira), que foi a de fechar Guantánamo nos seus primeiros dias de governo.
Passaram-se os primeiros dias, os primeiros meses, os primeiros quatro anos, os primeiros quatro meses do segundo mandato --e, não obstante, Guantánamo é uma chaga aberta. Culpa do Congresso, que efetivamente, não se animou a ajudar Obama a cumprir a promessa?
Parte da culpa, sim. Mas o principal fator é o estado de ânimo da maioria dos americanos, disposta a aceitar que suspeitos de terrorismo não têm direito nem à presunção de inocência nem à aplicação plena da "rule of law".
Até entendo esse estado de espírito, pelos traumas que o terrorismo acarreta, mas o pior que se pode fazer no combate a ele é aceitar jogar o mesmo jogo, aceitar barbaridades como Guantánamo.
crossi@uol.com.br

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