sexta-feira, 31 de maio de 2013

Lembrando Vlado - Luiz Garcia


O Globo - 31/05/2013

Vladimir Herzog morreu há quase 40
anos. Era um bom jornalista — não
uma das estrelas da profissão, mas um
homem inteligente, eficiente no trabalho
que realizava na revista “Visão”. Não escondia
sua condição de esquerdista, o que não era
raro nos jornalistas da época, mas, o que também
era comum, suas ideias não influíam nos
serviços que prestava à revista, cuja linha editorial
era muito diferente das ideias de Vlado e
da maioria dos seus colegas de redação.

Seu nome foi lembrado esta semana devido a
uma iniciativa da Câmara Municipal de São
Paulo; mais precisamente, da sua Comissão da
Verdade. O nome é curioso: cidadãos maldosos
podem ironicamente — e, com certeza, injustamente
— suspeitar que a verdade não tenha
presença importante nos demais setores da Câmara.

Seja como for, os vereadores paulistanos levaram
sua preocupação com a veracidade de
fatos históricos a ponto de trazer de Los Angeles
o fotógrafo Silvado Leung, que, nos anos 70,
trabalhava para a Polícia Civil de São Paulo. Ele
é o autor de uma foto de importância histórica:
ela mostra o cadáver de Vlado, enforcado numa
cela do DOI-Codi. Era onde o regime militar
torturava aqueles que os generais consideravam
inimigos do regime — o qual, como se
sabe, caiu de podre, o que permitiu, entre outras
coisas, a recuperação da estima e do prestígio
das Forças Armadas na população.

A viagem valeu a pena: Leung notou que o
corpo do jornalista estava com os dois pés no
chão — o que, evidentemente, tornava o suicídio
impossível. Os policiais da ditadura, obviamente,
queriam provar que ele se suicidara.
Mas produziram a evidência de uma farsa. O
jornalista, que não cometera crime algum, fora
assassinado numa sessão de tortura, que era
comum nos porões da ditadura.

Trabalhei com Vlado na revista “Visão” durante
uns dois anos. Era um homem de esquerda,
como outros colegas de redação. Tímido e
discreto, não representava, como quase todos
nós, qualquer perigo para o regime, mas o governo
militar, como é comum nas ditaduras,
não suportava a existência de visões políticas
diferentes das suas.

Com bastante razão. A sua fragilidade residia
tanto na violência dos métodos como na incompatibilidade
entre suas ideias e a opinião
pública. Não foi derrubado por um movimento
subversivo dos diabólicos comunistas que temia,
e sim pela fragilidade de seus métodos e
de suas ideias. Caiu de podre. E os militares de
hoje são o que devem ser — com a confiança e
a estima da população, nela incluída os intelectuais
que os generais daquele tempo tanto temiam.

A visita do fotógrafo Leung certamente não
ofende os militares de hoje, cuja formação democrática
é indiscutível. E a iniciativa da Comissão
da Verdade é uma contribuição significativa
para quem estuda e escreve a história do
país. Só enfrenta, talvez, a irritação de quem tenha
saudades daqueles anos tristes. Se é que
esses saudosistas ainda existem. E devem ser
muito poucos

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