sexta-feira, 31 de maio de 2013

Os homens e a chuva‏ - Carlos Herculano Lopes



carloslopes.mg@diariosassociados.com.br


Estado de Minas: 31/05/2013 


Numa noite dessas, depois de ter me encontrado em um bar com uns amigos, voltava a pé para casa quando, na Avenida Getúlio Vargas, quase chegando à Rua Professor Moraes, em frente à Sorveteria São Domingos, fui surpreendido pela chuva, a princípio branda, que começou a cair. Sem me intimidar, continuei andando, estava gostando de sentir aqueles pingos frios no corpo, pois eles me traziam a estranha sensação de liberdade. Alguns quarteirões adiante, como ela começou a ficar forte, resolvi me proteger debaixo da marquise ao lado de dois homens: um, mais velho, ostentava vistoso chapéu-panamá; o outro, jovem de camiseta, com os braços tatuados. Uma moça que andava de bicicleta chegou a parar por alguns minutos, mas preferiu seguir adiante.
 
A princípio em silêncio, como costuma acontecer em situações assim, eles começaram a conversar à medida que a chuva foi se tornando mais intensa para se transformar em quase tempestade, com relâmpagos e trovões cortando os céus de Belo Horizonte.

O de chapéu-panamá, de maneira simpática, virou-se para o mais novo e disse, com um quase sorriso, também dirigido a mim: “Em certo período da minha juventude, quando passei uns anos entre a França e a Itália estudando direito, cheguei a pensar em fazer tatuagens como as suas”.

 “E por que não se deu esse direito?. Tenho certeza de que iria gostar”, respondeu o outro, não sem uma ponta de desafio e orgulho na voz. Aí, fez-se um instante de silêncio. Ao que o mais velho, tirando o chapéu e passando as mãos na cabeça sem um fio de cabelo, disse em voz baixa, como a si mesmo: “Aqueles tempos eram outros, tatuagem não era aceita como hoje. Também me faltou coragem, temi a reação dos meus pais quando voltasse para Belo Horizonte”.

“E você se arrepende?”, indagou o jovem, que parecia estar gostando da conversa. “De não ter feito a tatuagem, como cheguei a ter vontade?. Francamente, não. Logo me esqueci daquilo. Mas de não ter realizado outras coisas na vida, disso sim, até hoje sinto um desgosto...” O mais jovem, virando-se para mim, até então sem dizer palavra, quis saber se também quis ter uma tatoo.

“Eu, fazer tatuagem?”, reagi, surpreendido com a pergunta como se uma possibilidade daquelas fosse uma coisa impossível no meu mundo. E calei-me bruscamente. Em seguida, como se falasse só para mim, voltei-me para aqueles dois homens que me olhavam, e respondi: “Sinceramente, não sei. Mas, com certeza, também me arrependo de não ter feito outras coisas”.

Dali a pouco, com a estiagem, nós três nos despedimos com apertos de mão. Já éramos quase amigos.

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