quinta-feira, 23 de maio de 2013

Venezuela no Tendências/debates

folha de são paulo

NEY FIGUEIREDO
TENDÊNCIAS/DEBATES
Uma eleição inesquecível
Um mito pode ser derrotado, desde que se use a estratégia certa. Capriles teve o cuidado de não fazer da desconstrução de Chávez o fulcro da campanha
Todos aqueles que já participaram profissionalmente de uma eleição direta sabem o quanto é difícil derrotar um mito ou um líder carismático. Quando as condições são adversas, como no caso das recentes eleições venezuelanas, a missão é quase impossível.
A estratégia a ser aplicada é de difícil equação. Era impossível negar que os programas sociais de Hugo Chávez, graças à renda proveniente do petróleo, tiraram uma boa parcela da população da miséria absoluta. Durante seu tratamento contra o câncer em Cuba, vigílias oravam por seu pronto restabelecimento. E eram transmitidas ao vivo.
Quando ele morreu, após ter sido eleito para um quarto mandato, analistas achavam que as oposições seriam de novo derrotadas pelo mito Chávez. E a certeza era fortalecida pelo fato de elas terem sido banidas das rádios e TVs, que estavam sob a tutela governamental.
Daí a grande surpresa quando as urnas foram abertas, revelando que a vitória do candidato situacionista tinha sido de pouco mais de 1% dos votos. Se é que realmente ocorreu, pois os indícios de fraude apontam que o resultado pode ter sido outro.
Essas eleições memoráveis guardam ensinamentos importantes. Os mitos podem ser derrotados, desde que se utilize a estratégia correta.
Preliminarmente, a oposição tratou de ter um candidato viável, Henrique Capriles, governador da importante província de Miranda, que já havia concorrido outras vezes.
Depois, teve o cuidado de não transformar a desconstrução de Chávez no fulcro da campanha, mas sim de demonstrar aos mais pobres o estado lamentável da economia.
A violência e a corrupção haviam chegado a um nível alarmante. O futuro estava ameaçado pelo mais cruel dos impostos, a inflação, que rondava os 30% anuais. Explicou-se que o petróleo não era eterno e que o país caminhava para o desastre.
Capriles defendeu a reunificação da Venezuela, tendo a habilidade de explicar em linguagem bem simples que a "revolução bolivariana" pregada por Chávez inseria-se na cultura do nacional-estatismo comum na América Latina: Estado intervencionista, amplas alianças, apoio das Forças Armadas, credo nacionalista, controle dos meios de comunicação e uma figura carismática para dar sinergia ao processo.
A fórmula estava exaurida e havia fracassado no continente.
Mesmo com o domínio absoluto da mídia tradicional, governo algum consegue controlar a mente das pessoas. Populismo funciona por um tempo, mas não sempre.
Os últimos acontecimentos no Oriente Médio e na África revelam um novo ator que desestabiliza qualquer esquema de força: a internet. Foi assim no Egito. Foi assim na Tunísia. E agora na Venezuela.
A situação do Brasil nada tem a ver com a da Venezuela, mas a equação continua válida. Em um regime democrático, só pode haver alternância de poder quando existe um candidato oposicionista viável e uma proposta de programa de governo que enseje melhores dias para o conjunto da sociedade.

    MAXIMILIEN ARVELÁIZ
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    O que quer a oposição na Venezuela
    Capriles reconheceu os benefícios sociais do governo. Tão logo terminou o pleito, foi desmascarado pelos atos violentos que incentivou
    Os acontecimentos violentos que sucederam a vitória de Nicolás Maduro na Venezuela são reveladores do comportamento intransigente e oportunista de uma elite saudosista do tempo em que era dona absoluta do petróleo e obediente às ingerências dos Estados Unidos.
    Incapaz de fazer qualquer concessão aos trabalhadores, essa elite organizou várias tentativas de desestabilização desde que Hugo Chávez chegou ao poder.
    A onda de violência que resultou na morte de nove pessoas (todas apoiadoras do governo), após o pleito de 14 de abril, soma-se a uma coleção de práticas autoritárias da direita. O Henrique Capriles que hoje incita a população a realizar protestos violentos e insiste em não aceitar a derrota é o mesmo que participou ativamente do golpe de Estado contra Chávez em 2002, invadindo a embaixada cubana e prendendo um ministro ilegalmente.
    Do mesmo modo, os deputados oposicionistas da Assembleia Nacional que hoje não reconhecem Nicolás Maduro como presidente e tumultuam as sessões do plenário são os mesmos que apoiaram a greve patronal da PDVSA e que boicotaram as eleições de 2005.
    A oposição recorre a mecanismos desesperados e nada democráticos porque não consegue vencer por meio da lei. Bem que tentou. Em 2004, convocou um referendo revogatório para perguntar à população se Chávez deveria ser retirado da presidência, mas saiu derrotada.
    Aqui vale uma observação. Por obra do próprio Chávez, a "ditadura" na Venezuela prevê, como um direito constitucional, a convocação de um referendo revogatório no terceiro ano do mandato do presidente, desde que se recolham as assinaturas necessárias.
    Mas o que mais soa incoerente e oportunista é o fato de questionarem a lisura do processo eleitoral que levou Maduro à Presidência.
    Em dezembro de 2012, quando Capriles ganhou a eleição pelo governo do Estado de Miranda, por uma diferença de somente 45 mil votos, a segurança do processo nunca foi posta em dúvida. Tal eleição foi organizada pelo mesmo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), presidido pela mesma pessoa, utilizando-se do mesmo sistema de votação do último pleito. Também não detectaram nenhuma fraude nas eleições primárias organizadas pelo CNE que escolheram Capriles como candidato oficial da oposição.
    Por que questionam agora algo que nunca questionaram antes, principalmente quando obtiveram resultados positivos nas urnas? Gostaria de ver essa pergunta sendo feita pelos mesmos analistas da mídia que insistem em taxar de autoritário o governo da Venezuela.
    Ao não reconhecer o resultado da eleição, a oposição pretende desintegrar as instituições democráticas que a revolução bolivariana construiu, desgastando um governo que quer trabalhar para aprofundar o processo de mudanças em curso e avançar na resolução dos problemas que ainda afligem a população.
    Se observarmos a estratégia adotada pela direita nas últimas campanhas eleitorais, fica ainda mais fácil detectar o oportunismo. Aproveitando-se da fragilidade causada pela doença e pela morte prematura do presidente Chávez, Capriles centrou sua campanha no reconhecimento dos benefícios das missões sociais do governo, prometendo incrementá-las. Tão logo terminou o pleito, foi desmascarado pelos atos violentos que incentivou ao não aceitar a derrota.
    Nicolás Maduro é fruto da história recente do nosso país. Conhece muito bem a herança violenta da direita que, desde o Caracazo, recorre à repressão contra a população que luta por melhores condições.
    Para que cesse a violência, o presidente está instituindo o que chama de "governo de rua", fazendo o debate das ideias com o povo organizado, em busca da paz, da união dos venezuelanos, da independência e da preservação do legado de Chávez. Que nos deixem trabalhar.

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