quinta-feira, 23 de maio de 2013

Charge e Editorial FolhaSP

folha de são paulo


Votos e vetos divinos
Ao impedir um fundador da República Islâmica do Irã de concorrer ao pleito presidencial de 14 de junho, a cúpula do regime reitera o autoritarismo pujante sob a liturgia democrática das eleições.
Ali Akbar Hashemi Rafsanjani ostentava boas credenciais para ser aprovado pelo Conselho de Guardiães da Revolução, órgão constitucional de orientação religiosa que chancela aspirantes a cargos eletivos. Clérigo xiita, Rafsanjani lutou ao lado do aiatolá Khomeini para derrubar, em 1979, a monarquia pró-Ocidente do xá Reza Pahlevi e implantar uma democracia sob tutela clerical.
Rafsanjani ocupou algumas das mais altas funções no Irã. Seus dois mandatos na Presidência (1989-1997) são bem avaliados, tanto na administração do país quanto na política externa. Manteve-se desde então na órbita do regime, acumulando cargos consultivos e negócios no setor privado.
A relação entre Rafsanjani e Ali Khamenei (líder supremo que sucedeu Khomeini), contudo, sofreu contínuo desgaste, culminando com o apoio do ex-presidente à revolta popular contra notórias fraudes na reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, em 2009.
A brutalidade repressiva naquele ano abriu um capítulo sombrio na história do país. A oposição reformista foi amordaçada. As liberdades individuais minguaram sob um implacável aparato de segurança. Proliferaram as detenções arbitrárias, denúncias de tortura e execuções em praça pública.
Condenado mundialmente, o endurecimento contaminou as negociações nucleares e enfraqueceu o Irã diante das grandes potências. As últimas sanções bancárias e comerciais são as mais duras já impostas a Teerã.
As exportações de petróleo, vitais para o regime, estão no nível mais baixo desde os anos 80. A moeda perdeu mais da metade do seu valor em relação ao dólar desde 2011. A inflação supera 30%.
A adversidade econômica pressiona a classe média, camada predominante na população, que vê seu nível de vida deteriorar-se a cada ano. Uns culpam o governo, outros, os países ocidentais.
Embora seja limitado o poder do presidente, Rafsanjani era tido como o homem certo para dar às políticas interna e externa um verniz de pragmatismo. Sua participação na disputa teria permitido ao regime reconciliar-se com a vertente republicana de seu peculiar sistema de governo.
A cúpula do Irã já conviveu com várias derrotas, como a eleição do reformista Mohamad Khatami em 1997. A exclusão de Rafsanjani é mais um sintoma de que teme pela própria sobrevivência do regime.

    EDITORIAIS
    editoriais@uol.com.br
    Procura-se informação
    Ministério Público, assim como governo, Legislativo e Judiciário, precisa garantir que acesso a seus dados seja o mais simples e direto possível
    É constrangedor que o Ministério Público, órgão investido da missão de defender a ordem jurídica e os interesses da sociedade, crie obstáculos à plena vigência da Lei de Acesso à Informação.
    Com efeito, conforme mostrou reportagem desta Folha, a instituição recorre a expedientes que dificultam a obtenção de dados relativos aos nomes e salários de seus quadros de servidores.
    O Ministério Público não deixa de cumprir a regra que exige a divulgação individualizada dos vencimentos, diga-se. Mas dá acesso às informações, muitas vezes, de maneira tortuosa.
    A regulamentação da lei por parte do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) prevê que as informações sejam oferecidas nas páginas da internet "em campos facilmente acessíveis". O documento também recomenda que as informações sejam sempre prestadas "mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão".
    Na prática, em apenas oito Estados os nomes e as remunerações dos servidores aparecem numa mesma página ou documento. Em 11 unidades da Federação os salários são vinculados apenas a números de matrícula. Em outras, o interessado vê-se obrigado a pesquisar servidor por servidor.
    Na página do Ministério Público do Rio de Janeiro não se publicam nomes, apenas cargos. Na Bahia, em Minas Gerais e em São Paulo, o requerente precisa fornecer número de CPF ou outras formas de identificação para requisitar os dados --embora a regulamentação descarte a necessidade de cadastro prévio. Em Mato Grosso do Sul, no Paraná e em Pernambuco, alega-se que a omissão da lista nominal atende a "questão de segurança".
    Não há dúvida de que, um ano depois de sancionada, a legislação já se tornou um instrumento efetivo de controle sobre as ações do poder público. Ainda é preciso, no entanto, superar resistências e subterfúgios que teimam em obstruir a transparência.
    O ideal é que os órgãos oficiais, em todos os Poderes --Executivo, Legislativo e Judiciário-- e níveis de administração --federal, estadual e municipal--, adotem procedimentos padronizados na internet e que o acesso aos dados seja o mais simples e direto possível.
    Num país em que os ciclos políticos autoritários e o exercício personalista do poder deixaram marcas deletérias nas instituições e enormes lacunas no registro histórico, a Lei de Acesso à Informação materializa a ideia virtuosa de que o Estado deve servir à sociedade --e não o contrário.

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