domingo, 16 de junho de 2013

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Arte e cinismo‏


Estado de Minas: 16/06/2013 



Portrait Joseph Beuys, obra de Andy Wahrol


 Sempre achei que Joseph Beuys era um blefe. Disse isso diversas vezes sobre esse que é considerado a grande figura das artes plásticas da Alemanha. Agora saiu uma biografia dele desmontando por completo o mito.

É pior do que eu pensava. Antes, achava que suas obras eram uma bobagem, um modo de enganar quem quer ser “moderno” ou falsamente “contemporâneo”. Já havia lido um crítico escocês dizendo que aquela história de que ele caiu com seu avião da força aérea nazista na Crimeia era algo mal contado.

Mas as pessoas gostam de ser enganadas. Como dizia aquele antigo personagem do Jô Soares, me engana que eu gosto. E o conto do vigário ainda dá certo em cima de gente que se julga muito esperta. Lembram-se daquela peça teatral Arte, de Jasmina Rezal, em torno de um quadro branco?

A biografia de Joseph Beuys, escrita por Hans Peter Riegel, da qual nos dá notícia a correspondente na Alemanha Graça Magalhães-Ruether, deveria ser lida pelos que seguem cegamente o decálogo da moda. As falsificações de Beuys são desnorteantes. Não era formado em ciências naturais, não completou sequer o curso médio. Mentia sobre sua origem. Não nasceu em Kleve, e sim em Kerfeld. Mentiu sobre seu pai. E mantinha contatos com antigos nazistas, que financiavam suas obras. Nunca tomou conhecimento do holocausto judaico. E o chapéu que usava, alegando que era para esconder a placa de metal implantada em consequência de um ferimento, na verdade, era para esconder a calvície.

E agora?

Enganar, iludir, mentir pode ter graça no circo. A gente vai lá se encantar com os prestidigitadores. Sabemos que é tudo ilusão. Pagamos ingresso para isso. E no circo das artes contemporâneas a coisa se alastrou. Enganar virou produto. Por isso, as artes plásticas atuais, em certo sentido, são um ramo da bolsa de valores. E tem gente vendendo Pancetti, Di Cavalcanti e Portinari para comprar algumas das insignificâncias bem cotadas pela bolsa das artes.

Não é à toa que, analisando nossa época, outro alemão, Peter Sloterdijk, escreveu Crítica da razão cínica. A obra de Marcel Duchamp é o padrão do cinismo transformado em nova estética. E pior, em ética. Yves Klein inventou sua biografia e até exposições. Pessoas pouco exigentes e que leram Nietzsche apressadamente gostam.

Me lembro de ter visto na Europa uma exposição de Joseph Beuys, pois, quando resolvi escrever Desconstruir Duchamp e O enigma vazio, percorri todos os grandes museus e galerias do mundo para ver a extensão do quiproquó. E me lembro de uma exposição de Beuys com uma porção de quadrados revestidos de feltro. Dizia-se, era a lembrança do feltro que camponeses haviam usado para cuidar das queimaduras do piloto abatido. Como se suspeitava, a história é outra.

Vejo essas informações e penso em outros quiproquós sob o nome de arte. Não estamos sozinhos. Pessoas de peso, como Paul Valéry, Levi-Strauss, Eric Hobsbawm, Mircea Eliade, Pierre Bourdieu, Jean Baudrillard, Edward O. Wilson, Fredric Jameson, Nathalie Heinich, Rudolf Arnheim, Theodor Adorno, Howard Becker, Paul Virilio e Zygmunt Bauman, haviam apontado os equívocos em torno da arte oficialista de nossa época. Nesses dias, Vargas Llosa, Milan Kundera e o ex-ministro da Cultura da França Luc Ferry desferiram críticas acerbas a equívocos que recheiam galerias e museus. No entanto, galerias como a Gagosian continuam a impor aos deslumbrados de vários continentes as contrafações de Jeff Koons e outros.

Talvez eu seja exigente demais. É possível. Claro que há coisas importantes na modernidade e na contemporaneidade, mas equívocos teóricos e epistemológicos embaralham tudo e muitos louvam o que chamo de anomia. Mas continuo a sustentar a necessidade de reescrever a história das artes no século 20 – nunca uma época acumulou tantos equívocos. Pior: nunca uma época procurou justificar por sofismas os mesmos equívocos.

O mais grave é que o cínico paradigmático Marcel Duchamp profetizou: “Este século é um dos mais baixos na história da arte, mais baixo até que o século 18, quando não havia arte maior, mas apenas frivolidades”.

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