domingo, 16 de junho de 2013

Nas Festas de Lisboa, a Alfama é um demónio

folha de são paulo
ISABEL COUTINHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LISBOA

Nas Festas de Lisboa, que acontecem entre 12 e 13 de junho --dia de Santo António, o padroeiro da cidade-- os eléctricos vão da Baixa até ao Castelo decorados com sardinhas, e exposições são dedicadas às manjuas. Em "Há que Ter Lata", a artista alemã Antje Weber, residente na cidade, trabalhou em latas de sardinhas; "A Sardinha É de Todos" mostra o que vários ilustradores criaram ao longo de dez anos em que o peixe tem sido a marca oficial das festas da cidade (festasdelisboa.com).
"A nossa marcha é linda!", ouve-se gritar em Alfama à passagem das raparigas de saia rodada, arquinhos e balões, que percorrem o bairro antes do grande dia em que desfilam na avenida da Liberdade disputando o prémio de melhor marcha popular com os outros bairros de Lisboa. "Ié, ié, ié, Alfama é que é!", é outro dos pregões. Esta é a semana em que o tradicional bairro lisboeta se transforma em "demónio", como canta a fadista Carminho.
Em vésperas do dia de santo António, não há vizinho que não tente a sorte e improvise. De martelo, pregos e tábuas na mão, todos são carpinteiros por umas horas. E mesmo aqueles que não se falam durante o ano inteiro juntam esforços para ganhar uns cobres.
Por estes dias, as ruas do bairro são invadidas por mesas, bancos e barracas para vender cerveja, e fogareiros são colocados à porta das casas. As crianças vão montando os tronos de santo António para pedirem moedinhas, vendem-se manjericos com quadras populares e, quando chega a noite, em cada esquina, beco, escadinha, rua estreitinha, há um bailarico. Lá diz a canção "risos gargalhadas, fados desgarradas, hoje Alfama é um demónio...".
E o demónio venceu a 81ª edição das Marchas Populares, com 24 pontos de vantagem sobre o segundo colocado, o bairro Alto do Pina.
AQUI HÁ GATO!
Numa cidade debochada e devotada à sardinha há que ter um gato. Ricardo Araújo Pereira, conhecido no país por RAP, é um dos quatro humoristas do Gato Fedorento.
Apesar de não se juntarem em televisão há mais de três anos, no ano passado os portugueses iam para o trabalho a ouvir Mixórdia de Temáticas, a rubrica de RAP nas manhãs da rádio Comercial.
Embora para muitos brasileiros o RAP seja o cara que sugou pudins no sofá do Jô Soares em 2012, em Portugal ele acaba de receber o Grande Prémio da Crónica atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores. Algumas das crónicas estão publicadas no Brasil no livro "Se Não Entenderes Eu Conto de Novo, Pá" (Tinta da China).
Em Portugal, Ricardo coordena também uma colecção de literatura de humor. O humorista e escritor português regressa ao Brasil para o Risadaria, onde se apresenta de 19 a 23 de junho. Não percam.
PARA ALÉM DA LITERATURA
Miguel Sousa Tavares acaba de lançar um novo romance, "Madrugada Suja", pelo qual desfilam os últimos 30 anos da vida portuguesa, a corrupção política e o Alentejo. Mas o lançamento do livro passou ao segundo plano, quando, numa entrevista ao "Jornal de Negócios", teve um "deslize": "Beppe Grillo [comediante italiano, candidato à Presidência]? Nós já temos um palhaço. Chama-se Cavaco Silva [o presidente português]".
A Procuradoria-Geral da República abriu um inquérito, considerando que as declarações do escritor são susceptíveis de integrar a prática do crime de ofensa à honra do Presidente da República (punível com pena de prisão ou multa).
Miguel admitiu ter sido "excessivo" e reconheceu que não o devia ter dito, apesar de as palavras terem sido dirigidas ao homem político.
LÍNGUA COMUM
A entrega do Prémio Camões a Mia Couto reuniu Cavaco Silva, a presidente Dilma Rousseff e o escritor moçambicano no Palácio de Queluz. Aconteceu na última segunda, que além de Dia de Portugal e de Camões, foi também o dia do encerramento do Ano do Brasil em Portugal. E vai deixar saudades.
Uma das frases mais belas dos discursos coube a Dilma: "Aos brasileiros, a obra de Mia Couto tem ajudado a descobrir muitas Áfricas para além daquela guardada nos sonhos e na memória de nossos inegáveis laços históricos".
Mia Couto deixou uma mensagem de esperança para os três países: "Pensamos que um prémio serve para celebrar o que já fizemos, prefiro pensar que um prémio serve para o que há ainda para fazer", para que "seja mais viva e mais verdadeira esta família que celebramos nesta língua comum".

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