domingo, 16 de junho de 2013

Tendências/Debates

folha de são paulo
PEDRO CHEQUER, PAULO ROBERTO TEIXEIRA E ALEXANDRE GRANGEIRO
Entre a ousadia e o retrocesso
A censura à campanha para prostitutas deixa no limbo 15% das mulheres infectadas pelo HIV. E isso no momento em que a Aids volta a crescer
Manifestamos nossa preocupação com os recentes vetos do Palácio do Planalto e do Ministério da Saúde a campanhas e material educativo escolar cujo objetivo era a prevenção da Aids entre jovens, homossexuais e profissionais do sexo.
A experiência global demonstra que, quando as ações de prevenção da Aids não foram baseadas nos princípios dos direitos humanos, na fundamentação e na evidência científica, na garantia do acesso universal à saúde e na priorização dos segmentos sociais mais atingidos, a epidemia cresceu, um número maior de pessoas morreu e os custos do sistema de saúde aumentaram.
É um engano achar que a epidemia de Aids no Brasil é causada somente pela circulação de um vírus e que bastam informações corretas para que todos adotem as medidas de prevenção. É mais complexo.
Já na década de 1980, a Organização Mundial de Saúde alertava que o preconceito, a discriminação e as desigualdades sociais eram as principais causas do alastramento da doença. São eles que impedem mulheres de negociar livremente o uso de preservativo com seus parceiros, os jovens homossexuais de exercer sua sexualidade de forma segura e as prostitutas de enfrentar as situações de violência e de exploração que as expõem com maior intensidade à infecção pelo HIV.
Foi com base nesse entendimento, na capacidade de estabelecer diálogos francos com todos os setores da sociedade e na adoção incondicionada do princípio constitucional da laicidade que a política brasileira de Aids avançou nos últimos 30 anos.
E não foram poucas as conquistas. Há mais de 20 anos, as primeiras campanhas sobre o preservativo foram assistidas pelas famílias brasileiras no horário nobre, as primeiras seringas foram distribuídas por profissionais de saúde aos usuários de drogas injetáveis e as primeiras aulas sobre sexualidade e Aids foram ministradas em escolas de ensino fundamental.
Todavia, a diretriz adotada nos últimos anos aponta para uma mudança perigosa de caminho. Abre-se a possibilidade real de termos um agravamento da epidemia no país. A censura à campanha voltada para jovens homossexuais no Carnaval de 2012 deixou de abordar o segmento social mais atingido pela doença no Brasil.
A proibição do uso de material educativo escolar cientificamente fundamentado e endossado pela Unesco e Unaids, no início de 2013, poderá contribuir para criar uma geração inábil para lidar com a Aids e a prevenção da doença.
A recente censura à campanha dirigida para prostitutas deixa no limbo um grupo que representa entre 10% e 15% das mulheres infectadas pelo HIV no país. E isso ocorre no momento em que a Aids mostra claros sinais de que volta a crescer no país.
Diante disso, o Ministério da Saúde deverá decidir de que lado estará. Um programa de Aids influenciado por um lobby conservador e interesses políticos terá pouca chance de sucesso e representará uma ruptura com as experiências bem sucedidas que a sociedade brasileira, ao longo dos anos, contribuiu para consolidar.
    SANDRA CUREAU
    O pluripartidarismo e a Constituição Federal
    A pressa na votação do projeto de lei que inviabiliza a sobrevivência de novos partidos tem destinatários facilmente identificáveis
    Em 2012, às vésperas do prazo para a definição de candidatos e coligações, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) nº 4.430 e nº 4.795, que impugnavam dispositivos da lei nº 9.504/97 sobre a distribuição do tempo de propaganda eleitoral.
    O Partido Social Democrático, autor das ações, obtivera seu registro no Tribunal Superior Eleitoral em 2011, mesmo sob dúvidas quanto à regularidade na coleta das assinaturas de apoiamento. Conseguindo registrar-se a tempo de disputar o pleito municipal de 2012, o PSD pretendia ver igualmente assegurados o seu acesso ao rádio e à TV e ao fundo partidário, na forma do art. 17, caput e § 3º, da Constituição Federal.
    Poucos dias depois da publicação da ata de julgamento, consagrando que "não haverá autêntica liberdade de criação de partidos políticos, se não se admitir que os fundadores de uma nova agremiação que detenham mandato parlamentar possam contar com sua representatividade para a divisão do tempo de propaganda", o deputado federal Edinho Araújo (PMDB-SP) apresentou o projeto de lei (PL) nº 4.470/2012, alterando a Lei dos Partidos Políticos e a Lei das Eleições.
    Esse projeto permaneceu dormitando, ao longo do segundo semestre de 2012, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara até 11 de abril de 2013, quando, em apenas cindo dias, foi apresentado e aprovado "requerimento de urgência" na tramitação. Dois dias depois, o PL foi aprovado. A razão da pressa é que o projeto inviabiliza a sobrevivência de novas agremiações.
    É possível que Edinho Araújo, ao apresentar seu projeto, não tivesse destinatário determinado. Afinal, vários parlamentares haviam migrado do PMDB para o PSD. O mesmo não se pode dizer daqueles que começaram a votar às pressas o PL, pois já circulava amplo noticiário sobre o adiantado processo de criação do Rede, de Marina Silva, cuja expressiva votação, em 2010, jogou Dilma Rousseff para o segundo turno da eleição presidencial.
    As duas alterações propostas são: mudanças de filiação partidária, salvo no caso de fusão ou incorporação, serão desconsideradas para fins de distribuição de 95% do fundo partidário e novos partidos não terão direito ao uso de dois terços do horário de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV.
    A redação atual do artigo 41-A da lei nº 9.096/95 considera, na distribuição do fundo partidário, os votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. Assim, se um partido recém-criado, como o PSD em 2011, conquistar adeptos de outras agremiações, a votação por eles obtida na legenda anterior entra nesse cômputo.
    Sem dinheiro e sem espaço nos meios de comunicação, não é difícil prever o futuro dos partidos que surgirem após a aprovação do projeto.
    A democracia, como ensina Georges Burdeau, depende de instituições constitucionais que imponham a subordinação dos governantes à vontade do povo que os elegeu. A representação popular, ao contrário do que se possa pensar, não delega a determinadas pessoas o poder de interpretar os votos ou as aspirações da coletividade, mas o de ser a sua vontade e a sua voz.
    A ditadura militar extinguiu os 13 partidos políticos então existentes e criou um bipartidarismo rígido, no qual um partido da situação e outro de oposição serviriam para dar cunhos de democracia a um regime notoriamente autoritário.
    Com a Constituição Federal de 1988, a nação adotou o pluripartidarismo, sem restrição temporal ou numérica, e assegurou aos partidos o direito a disputar pleitos em situação isonômica. Com ela, não se coadunam tentativas espúrias de inviabilizar movimentos populares que, com ideário e propostas próprios, exercem seu legítimo direito de fundar novas agremiações políticas.
    A pressa na votação do projeto de lei nº 4.470/2012 tem destinatários facilmente identificáveis: o Rede, de Marina Silva, o Solidariedade, de Paulo Pereira da Silva, e o Mobilização Democrática, de Roberto Freire.

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