domingo, 9 de junho de 2013

Charge e Editoriais FolhaSP

folha de são paulo
Dose excessiva
Fecha-se mais e mais o cerco da repressão contra quem é flagrado ao dirigir sob influência do álcool. Em poucos anos, uma prática tão generalizada quanto perigosa deixou de ser apenas uma inconsequência da vida adulta para passar ao reino da criminalidade e do opróbrio.
Tudo o que for possível fazer para coibir a combinação assassina de bebida e direção costuma ser visto com simpatia. Cabe indagar, porém, se no afã fiscalizador não se atropelam direitos fundamentais.
A diminuição do limiar de tolerância para o nível de álcool no sangue já terá parecido exagerada para muitos. Por outro lado, é notório que o motorista, depois de beber, tende a se iludir quanto à própria capacidade de manter incólumes seus reflexos e descortino.
Punições severas, fiscalização mais intensa e limites estritos para o consumo se incorporam, aos poucos, no cotidiano brasileiro. Sua legitimidade não sofre contestações relevantes, e seus resultados são evidentemente benéficos.
Talvez por isso, a procura de aplauso político inspira a criação de mais e mais mecanismos. A Assembleia Legislativa de São Paulo acaba de aprovar um projeto determinando que, além do número da carteira de habilitação, seja publicado o nome de quem quer que tenha sido sancionado por dirigir depois de beber.
A lista dos punidos teria, argumenta-se, implicações úteis para empregadores e companhias de seguros --como se a cassação da própria habilitação, e as consequências penais do uso do álcool ao volante, não fossem suficientes.
É difícil imaginar que uma medida dessas acrescente algo ao que realmente interessa: evitar, pela educação e pela fiscalização preventiva, que vidas sejam postas em perigo pelo condutor alcoolizado.
Acostumado à impunidade e à arbitrariedade de ações policiais, o país parece, por vezes, embriagar-se de rigor. Pede-se pena de prisão para todo tipo de delinquência, e não só para a que atenta gravemente contra a segurança pública. O tabagismo, mesmo quando não oferece riscos senão ao próprio fumante, passa perto da criminalização em certos ambientes.
Uma lista pública dos punidos pelo uso do álcool é outro sintoma dessa mentalidade. Ao Estado cumpre, na medida do possível, proteger os cidadãos, e punir quem os ameace, e não se tornar o instrumento de estigmatização de quem errou. Menos ainda para açular, contra ele, o rancor que se esconde sob o ânimo puritano.

EDITORIAIS
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Turbulência à frente
Pesquisa Datafolha detecta queda na popularidade da presidente Dilma, que em seu terceiro ano de mandato ainda não galvanizou o país
Talvez por inexperiência, a presidente Dilma Rousseff aparenta não atentar para uma obviedade política e eleitoral: ninguém ultrapassa impunemente a metade de um mandato na Presidência.
O ocupante do Planalto que não investe logo o capital de confiança obtido nas urnas em reformas e programas capazes de fazer o país avançar de fato, e não só na propaganda, está condenado à sua dilapidação. É o que indica a nova pesquisa Datafolha.
A avaliação da presidente, que há menos de três meses alcançava 65% de ótimo e bom, perdeu oito pontos. Se Dilma acreditava que bastariam o desemprego baixo e a construção publicitária de um Brasil sem miséria para seguir em voo de cruzeiro até a eleição de 2014, ganha agora mais motivos para preocupar-se com turbulências.
Recomenda-se que escrutine com atenção seu radar. A maior mancha na tela indica o recrudescimento e a renitência da inflação. Aliada ao crédito em recuo, ela corrói o poder aquisitivo e, por consequência, a sensação generalizada de bem-estar suscitada pela alta do consumo --o qual, se não chega a cair, já ameaça parar de crescer.
A parcela da classe média que não via o presidente Luiz Inácio Lula da Silva com bons olhos, mas de início foi seduzida pela imagem da sucessora de intolerância com a corrupção, já vai atinando que Dilma não é imune aos apetites da horda de partidos comensais que em teoria a apoiam no Congresso. A sucessão de batalhas parlamentares contribui para solapar a autoridade de seu cargo.
Mesmo entre os cerca de 40 milhões de brasileiros que mais têm motivos para incensar os governos do PT --os mais de 13 milhões de famílias agraciadas com o Bolsa Família-- a estrela da administração Dilma terá esmaecido, ainda que temporariamente. A barbeiragem da Caixa Econômica Federal no pagamento dos benefícios, cuja antecipação sem aviso deflagrou boatos e corridas às agências, pode também ter contribuído para arranhar sua popularidade.
Mais consistente é a perda de prestígio de sua administração entre empresários, tantos são os desencontros da política econômica e as dificuldades para pôr o crescimento do PIB numa rota segura, para não falar do controle da inflação e dos gastos públicos.
Deram-se passos necessários e importantes, como na redução de tarifas de energia e no enfrentamento do atraso dos portos. Mas ainda seguem em ritmo hesitante as grandes obras de infraestrutura e sua concessão ao setor privado.
A queda de popularidade da presidente detectada pelo Datafolha pode, claro, ser revertida. Sugere, porém, que perdeu algum crédito com parte do público e que poderá sentir falta dele em 2014.

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