quinta-feira, 18 de julho de 2013

Tendências/debates

folha de são paulo
ALDO PEREIRA
Nação versus Estado
Greves em transporte, escolas e centros de saúde se inspiram na tática terrorista de ameaçar reféns inocentes. Como esperar simpatia?
Chame de Junho o primeiro surto de manifestações; chame de Julho o segundo. Junho exibiu, na cacofonia de cartazes desfilados, sinceridade, espontaneidade, vibração juvenil --e muita ingenuidade. Julho tirou da naftalina mofadas bandeiras e slogans para tentar, com histórica truculência e intimidação, reclamar as ruas para si.
Sem foco nem liderança, Junho pareceu inconscientemente anarquista. Contrastante, Julho exibiu relíquias que ainda inspiram fé nos órfãos do comunismo. Junho manifestou descontentamentos pontuais, gemidos sintomáticos de dorzinhas agudas e pediu paliativos como reversão de aumento de tarifas.
Julho também ficou em queixas pontuais, que no conjunto correspondem a explícita carência, a serem tratadas com mais dinheiro menos trabalho para assalariados. Surpreendeu-se em não achar adesão comparável à de Junho. A decepção talvez o leve a ponderar certa medida de evolução sociológica no Brasil: não apenas a proporção de assalariados tende a diminuir, como também o antagonismo de classes.
Em greve de operários contra os donos duma fábrica, o conflito de interesses se dá entre partes mutuamente dependentes. Mas gestores de sindicatos fósseis tomem nota: greves em transporte, escolas e centros de saúde se inspiram na tática terrorista de ameaçar com as consequências reféns inocentes. Como esperar simpatia dessas vítimas?
Junho e Julho, contudo, configuram juntos o descontentamento da nação com seu Estado patrimonialista. Nação? Estado? Patrimonialismo? Para ganhar foco e eficácia, os dois movimentos carecem de melhor percepção da estrutura e da conjuntura política do Brasil. Reabrir cartilhas para atualizar conceitos como os referidos, afora os de soberania (que a classe política nos usurpa), ação direta e também iniciativa.
Sem visão e organização política, a nação se expõe a ser engabelada com paliativos e engodos diversionistas. Plebiscito de cima para baixo é drible para reter a bola. Em jogos assim, ganhará sempre quem ditar as regras. A tal constituinte específica que o governo chegou a cogitar para reforma política não daria a você, por exemplo, chance alguma de propor extinção do Senado. (Essa lânguida tertúlia desperdiçará neste ano uns R$ 3,5 bilhões, com os quais se poderia, digamos, dobrar o orçamento de proteção do ambiente: pense em rios e esgotos, sufocação urbana, desmatamento etc. Noutras palavras, a múmia institucional do Senado polui em mais de um sentido.)
O governo não perguntará tampouco se você concorda em barrar acesso de corruptos a cargos públicos mediante voto negativo, nem de se desfazer deles por recall (cassação de mandato por iniciativa do eleitorado). Não consultará você quanto a reformas que confiram ao Judiciário mais probidade e eficiência, nem aos impostos mais racionalidade e justiça.
Sopra a favor dos reformistas sinceros o vento novo da internet, poderoso instrumento de arregimentação. Para o bem ou para o mal, ela dinamiza a mobilização das massas no mundo informatizado.
Incerto prever até que ponto as redes sociais poderiam contribuir para consultas e decisões políticas. Mas se pela internet o Estado apura a vida contábil de milhões de contribuintes para tosquiá-los com admirável eficiência, por que não admitir essa tecnologia para exercício de outros deveres e direitos de cidadania?
aldopereira.argumento@uol.com.br
    MARCUS VINICIUS FURTADO
    Um projeto de reforma política
    O anteprojeto Eleições Limpas propõe voto transparente em dois turnos, financiamento democrático e liberdade de expressão na internet
    A mobilização que se iniciou nas ruas não cessou na Ordem dos Advogados do Brasil, em suas 27 seccionais e em mais de 900 subseções espalhadas pelo país. Queremos uma reforma política que apague de uma vez por todas o atual modelo, já exaurido, e estamos em fase avançada de coleta de assinaturas para transformar em realidade o anteprojeto de iniciativa popular denominado Eleições Limpas.
    Isso exige mais de 1,5 milhão de assinaturas, ou seja, um número próximo daquele que vimos nas ruas exigindo muito mais do que a simples redução nas tarifas dos transportes públicos.
    No passado, quisemos o fim do arbítrio, mas isso não bastou. O desafio atual está em enfrentar a desintegração de valores, restaurar a esperança de um futuro melhor e repor a confiança nas instituições.
    Por isso, não podemos continuar vivendo uma simples "situação democrática", por mais eleições que possam ocorrer. Queremos uma democracia como valor universal, que se traduza em participação, ética e responsabilidade.
    O anteprojeto Eleições Limpas tem três focos: o voto transparente em dois turnos, o financiamento democrático das campanhas e a liberdade de expressão na internet. A OAB defende um sistema em que as eleições se façam em torno de projetos e não de indivíduos.
    Assim, no primeiro turno, o eleitor vota no partido e na sua lista de candidatos, definindo o número de parlamentares. No segundo, escolhe o candidato de sua preferência. O primeiro turno garantiria a opção em torno de um determinado projeto, enquanto no segundo seria escolhido aquele em quem o eleitor confia para executá-lo.
    Igualmente importante é o fim do financiamento de campanhas por empresas privadas, em que está cravada a raiz da corrupção. Não podemos admitir o poder econômico influenciando o processo político e privilegiando candidatos que representam interesses de uma minoria.
    O financiamento democrático visa baratear as campanhas, de tal modo que o atual recurso utilizado para o financiamento de partidos no Fundo Partidário seja utilizado nas campanhas eleitorais.
    Entendemos que as empresas não podem ter carimbos de partidos políticos. O conceito de povo constante na Constituição Federal não admite que ele seja integrado por empresas. Povo é constituído pelas pessoas que compõem o país, de modo que somente as pessoas podem contribuir para as campanhas eleitorais, nunca as empresas.
    A verdade é que alcançamos o Estado democrático de Direito carregando vícios e práticas antigas, deixando prevalecer os pontos de vista dos poderosos sobre os da grande massa de cidadãos. Daí negócios de Estado se confundirem com negócios pessoais, fazendo da corrupção uma instituição igual às outras, ou imiscuindo-se sorrateiramente nelas. Esse ciclo deve acabar.
    Por fim, precisamos garantir a liberdade de expressão na internet --vale dizer liberdade com responsabilidade. As ordens estabelecidas estão sujeitas a questionamentos surpreendentes e rápidos, levados por uma coesão de palavras e ideias que ultrapassam fronteiras. Nunca o individual foi tão poderoso como agora, justamente por concentrar na palavra transmitida em tempo real a aspiração coletiva.
    Eleições Limpas é um projeto alternativo da sociedade, apresentado de baixo para cima e pensado por lideranças sociais, dentre as quais a OAB. Assim como a lei contra a compra de votos (9.840/99) e a Lei da Ficha Limpa (135/10), o que se busca é atender à expectativa da população.
    A adesão será feita pelo endereço http://eleicoeslimpas.org.br/. Com um um gesto simples, se promoverá uma mudança que nos permite acreditar em um país dirigido por mulheres e homens de elevado espírito público, capazes de nos conduzir ao destino de uma grande e próspera nação.

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